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Direito à Saúde

Direito à Saúde

XI. Análise Crítica dos Enunciados das Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça

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Autores:

Luciana Gaspar Melquíades Duarte

Fernanda Teixeira Saches Procopio

Víctor Luna Vidal

1.Introdução

Fenômeno em ascendência no Brasil, 1 a judicialização da saúde tem desafiado gestores públicos e profissionais do Direito no tocante ao atendimento das demandas da população e no estabelecimento de critérios de decisão racionais e democráticos. Nesse sentido, o crescente número de ações judiciais tem instado os membros do Poder Judiciário a dialogar e a buscar alternativas para o adequado tratamento da matéria. Uma dessas iniciativas são as Jornadas de Direito da Saúde (JDS), promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Até o presente momento, foram realizados três encontros em que foram propostos enunciados interpretativos sobre diversos aspectos concernentes ao tema, no que diz respeito aos sistemas de saúde público e suplementar e ao biodireito.

O presente estudo tem como objeto a análise crítica dos enunciados aprovados nas três jornadas. Justifica-se tal opção a partir da constatação de que o CNJ, ao formulá-los, estabelece parâmetros de decisão importantes que, ainda que sejam fruto de um debate que congregue as instâncias judicial, executiva, médica e social, precisam estar constantemente sujeitos à reflexão crítica, com o escopo de angariar legitimidade.

Considerando que o objeto de estudo desta obra é a relação entre saúde pública e atuação judicial, foi realizado o exame de apenas alguns dos enunciados resultantes das aludidas jornadas, quais sejam, daqueles afeitos ao sistema público de saúde e mais expostos à celeuma doutrinária. 2

A análise crítica dos enunciados foi efetuada sob a perspectiva pós-positivista, ancorando-se especialmente nas contribuições da Teoria da Argumentação Jurídica (ALEXY, 2011) e a Teoria dos Direitos Fundamentais (ALEXY, 2008).

A presente pesquisa utiliza-se da metodologia dedutiva, uma vez que o exame dos preceitos destacados é efetuado sob as lentes das premissas teóricas assentadas. As informações empregadas para a definição dos passos a serem observados estão fundamentadas em fontes indiretas, obtidas no processo de revisão da literatura disponível, e são utilizadas para a problematização dos parâmetros disponíveis e a construção de novas perspectivas científicas para o objeto do presente estudo, de modo a demarcar a natureza propositiva e qualitativa deste trabalho.

2.O papel do CNJ na judicialização da saúde

O direito à saúde é previsto nos artigos 6º 3 e 196 4 da Constituição (BRASIL, 1988) como um direito fundamental social. Partindo desse pressuposto, ao Estado incumbe garantir, mediante políticas sociais e econômicas, serviços públicos na área da saúde de modo integral, gratuito, universal e igualitário. Vale ressaltar que referido direito é veiculado por um princípio (DUARTE, 2020), o que requer, portanto, que os agentes públicos adotem medidas destinadas a alcançar a sua máxima eficácia.

O tratamento constitucional do direito à saúde no Brasil tem como fundamento sua definição ampla propugnada pelo estatuto da Organização Mundial da Saúde (OMS, 1946), em que a saúde é compreendida não somente sob o prisma da prevenção de doenças, mas também visa à garantia do pleno bem-estar de cada pessoa:

A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social (OMS, 1946).

No país, o legislador constituinte não se ateve à mera definição da saúde como um direito, mas instituiu uma série de garantias institucionais, conforme assinalam Sarlet e Figueiredo (2013, p. 93-94). Tais especificidades são reconhecidas na formação do Sistema Único de Saúde, modelo de gestão de saúde pública norteado pelos princípios da integralidade e da universalidade.

O princípio da universalidade sustenta o amplo acesso às “ações e serviços de saúde para toda a população, em todos os níveis de assistência, sem a possibilidade de imposição de qualquer preconceito ou privilégio” (DALLARI; MAGGIO, 2017, p. 54). Por seu turno, a integralidade consiste na ideia de que a “oferta de saúde deve incluir ações de prevenção, recuperação e tratamento em qualquer nível de complexidade, levando-se em consideração que o ser humano é uma totalidade, um todo indivisível” (Id., 2017, p. 54).

Apesar das importantes conquistas alcançadas com a Constituição (BRASIL, 1988), insatisfações sociais se mostram evidentes, o que tem levado os cidadãos à procura da efetivação de seus direitos pela via judicial. Nesse sentido, surge o fenômeno da judicialização. De acordo com Barroso (2009, p. 19), tal movimento significa que:

[...] algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo [...]. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro.

Mameluk (2012) comenta que a judicialização do direito à saúde tem sido muito discutida na atualidade, e pode ser compreendida como a provocação e a atuação do Poder Judiciário em prol da efetivação da assistência médico-farmacêutica, sendo essa efetivação considerada, entre outros exemplos, como a obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares.

Assim, as demandas judiciárias relacionadas ao direito à saúde tangenciam diversos assuntos relacionados ao serviço público, como a requisição de medicamentos, a realização de procedimentos médicos e os tratamentos para doenças. Instado a se manifestar, praticamente, sob todo e qualquer conflito social insurgente, como bem assevera Canotilho (2007, p. 90-91), não cabe o regresso do juiz – e também dos demais operadores jurídicos – à figura de “boca da lei”.

Nesse sentido, tornam-se necessárias a formulação e a eleição de critérios racionais para a adequada abordagem da matéria, conjugando dois dos valores mais caros ao Direito, quais sejam, segurança jurídica e justiça social. Sob a perspectiva da racionalização de parâmetros decisórios, torna-se necessária a demarcação do liame entre o ativismo judicial 5 e o legítimo exercício do papel de controle a que é destinado o Poder Judiciário no sistema de freios e contrapesos (TOLEDO, 2017a, p. 279).

Diante da variedade e da quantidade de demandas que perpassam o Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça 6 vislumbrou a necessidade de uniformização decisória sobre as ações que versam a respeito do direito fundamental à saúde, bem como passou a atuar de modo mais sistemático sobre as referidas questões. Para tanto, criou um grupo de trabalho para estudar e propor medidas concretas envolvendo as demandas relacionadas à saúde.

Apesar das práticas positivas desenvolvidas pelo órgão, deve-se ponderar que a promoção das Jornadas de Direito da Saúde pelo CNJ tem causado dissenso entre os operadores do Direito. Isso porque, no momento em que o órgão passa a atuar efetivamente na garantia do direito à saúde, aprovando enunciados interpretativos, tem-se, para alguns, a extrapolação de suas atribuições – que se encontram constitucionalmente previstas no artigo 103-B, § 4º. Destarte, levantam-se algumas vozes contrárias a uma hipotética usurpação das competências do Poder Legislativo em seu mister de produção normativa. Esse é o entendimento, por exemplo, de Pedro Paulo Medeiros, Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (apud ROVER, 2014). Já para João Ricardo dos Santos Costa (apud ROVER, 2014), Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, a promoção da JDS pelo CNJ não configuraria uma extrapolação de sua competência. Porém, os enunciados não poderiam ser utilizados como fontes vinculativas, mas apenas como fontes informativas.

Os enunciados elaborados nas Jornadas de Direito da Saúde não possuem caráter vinculante, e sua leitura deve ser harmonizada com as disposições …

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26 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/xi-analise-critica-dos-enunciados-das-jornadas-de-direito-da-saude-do-conselho-nacional-de-justica-direito-a-saude/1197083529