Página 536 da Caderno 4 - Entrância Inicial do Diário de Justiça do Estado da Bahia (DJBA) de 24 de Março de 2017

o patrimônio. No caso do desrespeito à voz de prisão dada pelo policial, ele pode usar a força, mas não deve matar. Ele só vai atirar para matar se, ao desrespeitar a voz de prisão o bandido passa a colocar a vida do policial - ou de outra pessoa -em perigo. Essa regra tornou-se Lei Federal em 22 de dezembro de 2014, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, em todo o território nacional: Lei n. 13.060 - Art. 2o - Os órgãos de segurança pública deverão priorizar a utilização dos instrumentos de menor potencial ofensivo, desde que o seu uso não coloque em risco a integridade física ou psíquica dos policiais, e deverão obedecer aos seguintes princípios: I - legalidade; II - necessidade; III - razoabilidade e proporcionalidade. Parágrafo único. Não é legítimo o uso de arma de fogo: I - ... II - contra veículo que desrespeite bloqueio policial em via pública, exceto quando o ato represente risco de morte ou lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros. Assim, superada está, a alegação de culpa exclusiva das vítimas. Cabe analisar a conduta de cada denunciado. Dos interrogatórios dos réus constam as declarações transcritas abaixo. À fl. 714 -o acusado LUIZ SÉRGIO DE JESUS PEREIRA dispôs que: que realizou cinco disparos no sentido dos pneus; que foi o interrogado quem começou a atirar; que atirou porque se sentiu em perigo, achando que o veículo iria passar por cima do interrogado... Á fl. 640 - o acusado ARTUR CEZAR SILVA SEIXAS relatou: que neste momento ouviu disparos de arma de fogo; que pensou tratar-se realmente dos elementos que estavam procurando diante da atitude tomada pela vítima de seguir adiante, motivo pelo qual disparou dois ou três tiros em direção aos pneus do veículo... À fl. 712 - o acusado ROGÉRIO GOMES DE SENNA afirmou: que ouviu tiros, presumindo que estavam partindo do veículo das vítimas; que desferiu um tiro na direção do pneu do referido veículo... Constata-se que os três acusados relatam que presumiram estar em perigo. O primeiro, LUIZ SÉRGIO, confessou ter disparado cinco tiros na direção dos pneus porque presumiu que o veículo das vítimas iria passar por cima do mesmo. Tal suposição não tem plausibilidade. Ora, o próprio LUIZ SÉRGIO, ao descrever a posição em que ficou no momento da ação relata que "ficou no meio da pista, parando o trânsito que ia no sentido CATU/ ALAGOINHAS; que os demais policiais se abrigaram atrás da viatura que ficou atravessada na vista Alagoinhas/Catu; que o veículo das vítimas passou pela frente da viatura, pelo acostamento, retornando para a pista sentido Catu. Assim, o mesmo se contradiz em seu depoimento, pois, se estava no meio da pista, sentido CATU/ALAGOINHAS, e afirma que o veículo das vítimas vinha no sentido ALAGOINHAS/CATU, passando pela frente da viatura, pelo acostamento, retornando para a pista, sentido CATU, não seria plausível o argumento do mesmo no sentido de que ficou com medo do veículo passar por cima de si. Pela própria descrição do acusado, o veículo das vítimas em nenhum momento trafegou na pista onde este estava. Ademais, pelos laudos juntados aos autos, especialmente as fls. 24/25, todos os tiros foram disparados de trás para frente do veículo, ou seja, após o mesmo ter passado pela barreira de policiais. Assim, não teria sentido o réu LUIZ SÉRGIO se sentir em perigo, uma vez que estava posicionado atrás do veículo no momento dos disparos. Ressalta-se, ainda, que o veículo estava em baixa velocidade, cerca de 60km/h, como evidenciado nos autos, pelos depoimentos testemunhais. Restou evidenciado, portanto, que LUIZ SÉRGIO iniciou a ação, atirando contra o veículo das vítimas. Se LUIZ SÉRGIO atirou no pneu ou em outra parte do veículo, não tem relevância, pois, sua conduta fez com que os demais réus incorressem em erro quanto aos pressupostos fáticos de uma causa de exclusão de ilicitude (CP, art. 20, § 1º, primeira parte). Tanto o acusado ARTUR CÉZAR, como ROGÉRIO GOMES, disseram ter atirado, após ouvir os tiros, pensando que estavam sendo atacados pelos supostos marginais, de dentro para fora do veículo. Analisando a conduta de ARTUR CÉZAR e ROGÉRIO GOMES, há de se convir que é aceitável, que, policiais, na mesma situação, reagissem da forma como fizeram. Infelizmente, no presente caso, houve a infelicidade que poderia ter resultado numa tragédia ainda maior, se as vítimas tivessem vindo a óbito, o que só não ocorreu porque a vítima DANÚZIA teve a atitude salvadora e corajosa de sair do veículo e avisar que se tratava de uma família. ARTUR CÉZAR e ROGÉRIO GOMES devem ser absolvidos sumariamente, com base na excludente de ilicitude prevista no art. 20, § 1º do Código Penal. Trata-se de descriminante putativa, conforme conceituada abaixo:"Descriminantes putativas são excludentes de ilicitude; putativo é imaginário, suposto, aquilo que aparenta ser verdadeiro. Portanto, as descriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes em uma determinada situação, quando, na realidade, não estão. Situação exemplificativa: o agente pensa estar agindo em legítima defesa, defendendo-se de um assalto, por exemplo, quando, em verdade, empreendeu desforço contra um mendigo que, aproximando-se de inopino da janela de seu veículo, pretendia apenas lhe pedir esmola"Nos termos do § 1º do art. 20, é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Voltando a conduta de LUIZ SÉRGIO, têm-se que, independentemente de ter atirado no pneu ou na cabeça das vítimas, assumiu, ao menos em tese, o risco de matar, ao desferir tiros na direção de um veículo em movimento. Importante ressaltar que, sendo policial, tinha conhecimento de que não poderia atirar nas circunstâncias em que fez. LUIZ SÉRGIO, agiu, portanto, com dolo eventual ou indireto, conceituado por GUILHERME DE SOUZA NUCCI, no Código Penal Comentado, 11ª Ed., RT, art. 18, nota 65, pág. 211: Conceito de dolo indireto ou eventual: é a vontade do agente dirigida a um resultado determinado, porém vislumbrando a possibilidade de ocorrência de um segundo resultado, não desejado, mas admitido , unido ao primeiro. Por isso, a lei utiliza o termo"assumir o risco de produzi-lo". Nesse caso, de situação mais complexa, o agente não quer o segundo resultado diretamente, embora sinta que ele pode se materializar juntamente com aquilo que pretende, o que lhe é indiferente. Exemplo: A está desferindo tiros contra um muro, no quintal da sua residência (resultado pretendido: dar disparos contra o muro), vislumbrando, no entanto, a possibilidade de os tiros vararem o obstáculo, atingindo terceiros que passam por detrás. Ainda assim, desprezando o segundo resultado (ferimento ou morte de alguém), continua a sua conduta. Caso atinja, mortalmente, um passante, responderá por homicídio doloso (dolo eventual). Não importa se LUIZ SÉRGIO atingiu ou não as vítimas, sendo que neste último caso ocorreria tentativa branca, punível da mesma forma, por ter assumido o risco de matar. Conforme já ressaltado, quem atira em veículo em movimento assume o risco de matar. Para exemplificar, basta analisar os trajetos dos tiros, constantes do laudo pericial de fls. 24/25, no sentido de que um deles entrou pela parte inferior do veículo (laterna traseira), em seguida atingiu o banco traseiro, a lateral do banco do carona e o para-brisa. Esse tiro poderia ter sido deflagrado na direção do pneu e poderia ter matado um passageiro no banco traseiro ou no banco do carona. Portanto, nenhuma dúvida resta em relação a conduta deste réu. No presente momento, ao menos nessa fase, deve prevalecer o princípio do in dubio pro reo, para pronunciar LUIZ SERGIO, por tentativa

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