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2 de Junho de 2024
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    Entrevista: Luís Roberto Barroso, advogado constitucionalista

    Publicado por Consultor Jurídico
    há 16 anos

    Quando a política vai mal, o Judiciário toma conta

    A Constituição Federal de 1988 é prolixa, analítica e casuística, mas nem por isso deixa de merecer o título de fiadora da estabilidade institucional que o país vive desde a sua promulgação, há 20 anos. A opinião é do professor Luís Roberto Barroso , um dos constitucionalistas mais respeitados do país, para quem “o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade”.

    Barroso esteve à frente de algumas das mais polêmicas discussões que se travaram no Supremo Tribunal Federal recentemente. Foi o advogado a Associação dos Magistrados Brasileiros na Ação Declaratória de Constitucionalidade a partir da qual o STF proibiu o nepotismo no país. Atua também na ação que defende o direito de gestantes decidirem se querem interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.

    Estudioso dedicado de constituições e do Supremo, Barroso considera que a Constituição de 1988 é o símbolo maior do sucesso da transição de um Estado autoritário e intolerante para um Estado democrático de Direito. Ele lembra que sob a nova Carta realizaram-se cinco eleições presidenciais, por voto direto, secreto e universal, com debate público amplo, participação popular e alternância de partidos políticos no poder. “E não foram tempos banais. Ao longo desse período, diversos episódios poderiam ter deflagrado crises que, em outros tempos, teriam levado à ruptura institucional”, ressalta.

    Em entrevista à revista Consultor Jurídico , contudo, Barroso não deixa de revelar as fraquezas da Carta. O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro aponta que muita coisa que foi colocada na Constituição em 1988 poderia perfeitamente ser tratada por lei ordinária. O detalhe, além de inchar a Constituição , obriga os governos a fazer política com maiorias qualificadas.

    “Para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso três quintos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso”, conta.

    Mais grave, porém, que a falta de regulamentação de muitos dispositivos previstos em lei, é a falta de políticas públicas para aplicar direitos fundamentais garantidos pelo texto constitucional . Para o professor, mais importante do que regulamentar o direito de greve de funcionários públicos, por exemplo, é desenvolver uma política habitacional que garanta a todo cidadão o direito à moradia, previsto na Constituição .

    Na entrevista, a segunda da série que a ConJur pública em comemoração aos 20 anos da Constituição de 88, o professor fala de reforma política, políticas sociais, analisa o perfil ativista do Supremo Tribunal Federal e mostra como algumas das principais garantias dos cidadãos nos Estados Unidos foram conseguidas graças a um movimento semelhante ao que acontece hoje no Brasil: “Quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, ca para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas”. Consciente da utilidade circunstancial do ativismo judicial, porém, ele faz uma advertência. “Ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do mau.”

    Leia a entrevista

    ConJur — A Constituição de 1988 judicializou a vida do país?

    Luís Roberto Barroso — A vida brasileira se judicializou, sobretudo nos últimos anos. E só parte da responsabilidade é da Constituição de 88. Por ser bastante analítica, ela trouxe para o espaço da interpretação constitucional algumas matérias que, se não tivessem sido constitucionalizadas, seriam discutidas no Congresso, no processo político majoritário. Não nos tribunais.

    ConJur — Quanto mais extensa e analítica a Constituição , mais a Justiça é chamada a decidir?

    Barroso — Na medida em que o assunto está na Constituição , ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 88 contribui sim para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso. O atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política. Há algumas demandas da sociedade que não são atendidas a tempo pelo Congresso Nacional. E o que acontece? Nos espaços em que havia demandas sociais importantes e o Legislativo não atuou, o Judiciário se expandiu.

    ConJur — A decisão do Supremo sobre a fidelidade partidária e a edição da Súmula Vinculante que proíbe o nepotismo ilustram isso?

    Barroso — Sim. Há um déficit de legitimidade do processo político majoritário para atender algumas das grandes demandas da sociedade e, portanto, o Judiciário está suprindo este déficit. Mas não há democracia sem um Poder Legislativo atuante, dotado de credibilidade e com identificação com a sociedade civil. Portanto, eu não acho que a nossa postura deva ser de simples crítica ao Legislativo, mas sim de repensá-lo para recolocá-lo no centro da política. Quando vier a reforma política que nós precisamos, aumentando a representatividade do Parlamento, acredito que haverá tendência de redução da presença do Judiciário no espaço público. Esse movimento é pendular e se verifica em diferentes partes do mundo: quando a política tradicional vive um bom momento, o Judiciário se retrai; quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, ca para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas.

    ConJur — Em outras palavras, a Constituição de 88 ajudou a atrofiar o Legislativo e deu músculos ao Judiciário?

    Barroso — Ela tratou de muitas matérias que na maior parte dos países são deixadas para a legislação ordinária. A Constituição é prolixa, analítica e casuística. E, veja, sou um defensor da Constituição de 88 porque ela representa um vertiginoso sucesso institucional. Mas o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade. Esse é o produto indesejável do processo democrático brasileiro da ocasião. E, naquelas circunstâncias, talvez fosse inevitável promulgar essa Constituição analítica. Havia muita demanda da sociedade brasileira de participar do processo constituinte.

    ConJur — Como a Constituição influi na relação entre os poderes?

    Barroso — O problema de colocar na Constituição o que deveria estar na legislação ordinária infraconstitucional é que obriga a política ordinária a se desenvolver organizando maiorias qualificadas. Porque para aprovar uma lei ordinária...

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