Entrevista: Luís Roberto Barroso, advogado constitucionalista
Quando a política vai mal, o Judiciário toma conta
A Constituição Federal de 1988 é prolixa, analítica e casuística, mas nem por isso deixa de merecer o título de fiadora da estabilidade institucional que o país vive desde a sua promulgação, há 20 anos. A opinião é do professor Luís Roberto Barroso , um dos constitucionalistas mais respeitados do país, para quem o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade.
Barroso esteve à frente de algumas das mais polêmicas discussões que se travaram no Supremo Tribunal Federal recentemente. Foi o advogado a Associação dos Magistrados Brasileiros na Ação Declaratória de Constitucionalidade a partir da qual o STF proibiu o nepotismo no país. Atua também na ação que defende o direito de gestantes decidirem se querem interromper a gravidez em casos de fetos anencéfalos.
Estudioso dedicado de constituições e do Supremo, Barroso considera que a Constituição de 1988 é o símbolo maior do sucesso da transição de um Estado autoritário e intolerante para um Estado democrático de Direito. Ele lembra que sob a nova Carta realizaram-se cinco eleições presidenciais, por voto direto, secreto e universal, com debate público amplo, participação popular e alternância de partidos políticos no poder. E não foram tempos banais. Ao longo desse período, diversos episódios poderiam ter deflagrado crises que, em outros tempos, teriam levado à ruptura institucional, ressalta.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico , contudo, Barroso não deixa de revelar as fraquezas da Carta. O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro aponta que muita coisa que foi colocada na Constituição em 1988 poderia perfeitamente ser tratada por lei ordinária. O detalhe, além de inchar a Constituição , obriga os governos a fazer política com maiorias qualificadas.
Para aprovar uma lei ordinária, é preciso maioria simples do Congresso. Mas para fazer uma emenda à Constituição, é preciso três quintos. Então, a excessiva constitucionalização das matérias é responsável, em alguma medida, pelo tipo de relação que o Executivo tem que estabelecer com o Congresso, conta.
Mais grave, porém, que a falta de regulamentação de muitos dispositivos previstos em lei, é a falta de políticas públicas para aplicar direitos fundamentais garantidos pelo texto constitucional . Para o professor, mais importante do que regulamentar o direito de greve de funcionários públicos, por exemplo, é desenvolver uma política habitacional que garanta a todo cidadão o direito à moradia, previsto na Constituição .
Na entrevista, a segunda da série que a ConJur pública em comemoração aos 20 anos da Constituição de 88, o professor fala de reforma política, políticas sociais, analisa o perfil ativista do Supremo Tribunal Federal e mostra como algumas das principais garantias dos cidadãos nos Estados Unidos foram conseguidas graças a um movimento semelhante ao que acontece hoje no Brasil: Quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, ca para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas. Consciente da utilidade circunstancial do ativismo judicial, porém, ele faz uma advertência. Ativismo é como colesterol: tem do bom e tem do mau.
Leia a entrevista
ConJur A Constituição de 1988 judicializou a vida do país?
Luís Roberto Barroso A vida brasileira se judicializou, sobretudo nos últimos anos. E só parte da responsabilidade é da Constituição de 88. Por ser bastante analítica, ela trouxe para o espaço da interpretação constitucional algumas matérias que, se não tivessem sido constitucionalizadas, seriam discutidas no Congresso, no processo político majoritário. Não nos tribunais.
ConJur Quanto mais extensa e analítica a Constituição , mais a Justiça é chamada a decidir?
Barroso Na medida em que o assunto está na Constituição , ele sai da esfera política, da deliberação parlamentar, e se torna matéria de interpretação judicial. Então, em uma primeira abordagem, a Constituição de 88 contribui sim para que o Judiciário tenha um papel muito mais ativo na vida do país. Mas há um segundo motivo para isso. O atual sistema político brasileiro levou a um descolamento entre a sociedade civil e a classe política. Há algumas demandas da sociedade que não são atendidas a tempo pelo Congresso Nacional. E o que acontece? Nos espaços em que havia demandas sociais importantes e o Legislativo não atuou, o Judiciário se expandiu.
ConJur A decisão do Supremo sobre a fidelidade partidária e a edição da Súmula Vinculante que proíbe o nepotismo ilustram isso?
Barroso Sim. Há um déficit de legitimidade do processo político majoritário para atender algumas das grandes demandas da sociedade e, portanto, o Judiciário está suprindo este déficit. Mas não há democracia sem um Poder Legislativo atuante, dotado de credibilidade e com identificação com a sociedade civil. Portanto, eu não acho que a nossa postura deva ser de simples crítica ao Legislativo, mas sim de repensá-lo para recolocá-lo no centro da política. Quando vier a reforma política que nós precisamos, aumentando a representatividade do Parlamento, acredito que haverá tendência de redução da presença do Judiciário no espaço público. Esse movimento é pendular e se verifica em diferentes partes do mundo: quando a política tradicional vive um bom momento, o Judiciário se retrai; quando a política tradicional vive um mau momento, o Judiciário se expande. E, ca para nós, antes o Judiciário que as Forças Armadas.
ConJur Em outras palavras, a Constituição de 88 ajudou a atrofiar o Legislativo e deu músculos ao Judiciário?
Barroso Ela tratou de muitas matérias que na maior parte dos países são deixadas para a legislação ordinária. A Constituição é prolixa, analítica e casuística. E, veja, sou um defensor da Constituição de 88 porque ela representa um vertiginoso sucesso institucional. Mas o momento da elaboração da Constituição fez com que ela fosse a Constituição das nossas circunstâncias, e não a Constituição da nossa maturidade. Esse é o produto indesejável do processo democrático brasileiro da ocasião. E, naquelas circunstâncias, talvez fosse inevitável promulgar essa Constituição analítica. Havia muita demanda da sociedade brasileira de participar do processo constituinte.
ConJur Como a Constituição influi na relação entre os poderes?
Barroso O problema de colocar na Constituição o que deveria estar na legislação ordinária infraconstitucional é que obriga a política ordinária a se desenvolver organizando maiorias qualificadas. Porque para aprovar uma lei ordinária...
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