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3 de Maio de 2024

A ordem do discurso de Michel Foucault

Publicado por Maria Campos
há 8 anos

Existem, em nossa, sociedade, procedimentos de exclusão no discurso. O mais evidente é, sem dúvidas, a interdição. Uma pessoa não tem o direito de dizer tudo, nem falar sobre tudo, em qualquer circunstância, o que chega até mesmo a ser uma regra de etiqueta. Assuntos tabus, como o sexo, política e religião, estão longe de serem elementos transparentes ou neutros em uma discussão ou em um discurso.

O discurso é aquilo que é o objeto de desejo. Não é simplesmente aquilo que se traduz nos sistemas de dominação, mas aquilo por que e pelo qual se luta. Como disse Voltaire: “Posso discordar de tudo que você diz, mas, defenderei seu direito de dizê-lo até o fim.”

Outra forma de exclusão do discurso é a separação e a rejeição. Focault menciona o livro História da Loucura, para referir-se ao discurso do psicótico; aquele que não pode circular livremente. Podem ocorrer duas situações com este discurso: sua palavra pode ser simplesmente ignorada, não tendo verdade, nem importância, o que o proíbe de testemunhar na justiça, autenticar um ato ou um contrato, ou sua palavra pode ganhar estranhos poderes, como de enxergar o futuro e ver coisas que todos os outros, considerados normais ou comuns, não podem. De qualquer maneira, a palavra do louco, não existia. Era a sua palavra que lhe condenava a esta condição.

A busca pelo discurso verdadeiro é uma constante na nossa história. Antes a verdade era ritualizada, era um discurso pelo o qual se tinha respeito e temor, que era preciso submeter-se; até que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz, justo e de enunciação para o seu próprio enunciado, ou seja, para seu sentido, sua forma, seu objeto e sua referência. O discurso verdadeiro já não é mais o discurso precioso e desejável, pois já não é ligado ao exercício do poder. Aparecem, então, novas formas de vontade da verdade. Uma vontade de saber que impunha ao sujeito, tornando-o verificador. Essa vontade de verdade, como outros sistemas de exclusão, é reforçada e reconduzida por um compacto conjunto de práticas, que valoração se faz dele e como ele é distribuído entre os indivíduos. Logo, essa vontade de verdade, tende a exercer uma pressão sobre os outros discursos.

No discurso verdade está em jogo o desejo e o poder. Tendemos a ver a verdade através de um maniqueísmo, pois a verdade é vista como boa, fecunda e rica. Porém, por

assumir a tarefa de justificar a interdição e definir a loucura, esquecemos que ela pode, por muitas vezes, ser excludente, segregadora.

Há também os sistemas de exclusão internos, diferentemente dos anteriores, que são externos. São os discursos que exercem seu autocontrole, com procedimentos principalmente de classificação, de ordenação e de distribuição. Os discursos podem ser classificados como: os que SÃO ditos, os que PERMANECEM ditos e os que ainda ESTÃO por dizer "O comentário conjura o acaso do discurso fazendo-lhe sua parte: permite-lhe dizer algo além do texto mesmo, mas com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo modo realizado". Existem muitos discursos que circulam sem receber sentido ou eficácia de um autor, sendo este outro elemento que limita internamente o discurso. Em alguns domínios, como o da ciência, da literatura e da filosofia, a atribuição do autor é uma regra; porém, hoje, o autor só funciona para dar nome a um teorema, um efeito ou uma síndrome, por exemplo. Em oposição, no discurso literário, a função do autor só se reforçou, pois se passou a perguntar quem escrevera os textos e porque, em que se baseavam e outras indagações. Pois o autor confere verdade ao discurso, quando o articula com sua própria vida e experiências individuais. Porém, o que mais importa é a nova posição do autor. “O comentário limitava o acaso do discurso pelo jogo de uma identidade que teria a forma de repetição e do mesmo. O principio do autor limita esse mesmo acaso pelo jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do Eu.”

A disciplina é um principio de controle de produção do discurso. Para que uma proposição pertença a um discurso ou a uma disciplina é preciso que ela corresponda a condições, estritas e complexas, do que simples e puramente pertença à verdade.

É sempre possível dizer a verdade no espaço de uma exterioridade desconhecida; porém NÃO nos estabelecemos no verdadeiro, senão obedecendo ás regras de uma política discursiva que devemos reativar sempre em nossos discursos.

Existe também outro grupo de procedimentos que limitam o discurso, determinando as condições do funcionamento do mesmo, impondo aos indivíduos que o pronunciam, regras e assim não permitindo o acesso integral a eles. Ninguém poderá estar na ordem no discurso se não satisfazer a certas exigências ou se não qualificado para fazê-lo. Nem todas as regiões do discurso são abertas e penetráveis.

A troca e a comunicação são figuras positivas que atuam dentro de complexos sistemas de restrição. O ritual é a forma mais superficial e visível desses sistemas de restrição, que define a qualificação. Define os gestos, as circunstâncias e todo o conjunto de signos que devem acompanhar o discurso. Fixa, também, a eficácia imposta ou suposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de coerção.

Se o reconhecimento das mesmas verdades fosse suficiente para validar os discursos, as doutrinas não seriam tão diferentes das disciplinas cientificas e o controle discursivo trataria somente da força do enunciado, não do sujeito que o fala. Porém, a doutrina questiona ao mesmo tempo o enunciado e o sujeito que o fala, um através do outro. Questiona o sujeito falante, através e a partir do enunciado, como provam os mecanismos de exclusão e de rejeição. De maneira inversa, questiona o enunciado, através dos sujeitos que falam. O sujeito ocidental passou a ter mais cuidado para que o discurso ocupasse o menor lugar possível entre o pensamento e a palavra, ou seja, entre o pensar e o falar.

Princípios metodológicos das tarefas filosóficas de Foucault: a) Princípio da inversão: Em contraposição ao papel positivo das fontes do discurso, tais como "a do autor, da disciplina, da vontade de verdade, é preciso reconhecer, ao contrário, o jogo negativo de um recorte e de uma rarefação do discurso" que elas realizam; b) Princípio da descontinuidade: "Os discursos devem ser tratados como práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas também se ignoram ou se excluem" (p. 53). Não há um discurso ilimitado encoberto pelos discursos do pode; c) Princípio da Especificidade: O discurso não deve ser um jogo de "significações prévias". Considerar que o mundo não apresenta uma "face legível" a qual teríamos apenas de "decifrar". O mundo "não é cúmplice de nosso conhecimento; não há providência pré-discursiva que o disponha a nosso favor. Deve-se conceber o discurso como uma violência que fazemos às coisas"; d) Princípio da exterioridade: "... A partir do próprio discurso, de sua aparição e de sua regularidade, passar às suas condições externas de possibilidade, àquilo que dá lugar à série aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras".

Ao propor esses princípios à atividade do discurso, Michel Foucault propõe, por conseguinte, uma nova ordem do discurso, onde aspira a uma grande inversão, objetivando a não-sujeição do discurso: suplantar o discurso do poder pelo discurso do desejo, subverter o discurso da ordem, evidentemente num outro paradigma, em outras bases. A subversão residiria nisso: lugar do discurso da ordem, e do poder. Por fim, não é qualquer um, que pode dizer a qualquer outro, qualquer coisa, em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada, ou seja, com um discurso no qual os interlocutores já foram previamente reconhecidos como tendo o direito de falar e ouvir, no qual os lugares e as circunstâncias já foram predeterminadas para que seja permitido falar e ouvir e, enfim, no qual o conteúdo e a forma já foram autorizados segundo os cânones da esfera de sua própria competência.

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