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4 de Maio de 2024

A publicidade do advogado NÃO deveria estar no Facebook nem no Instagram!?

Uma visão rígida das disposições do Código de Ética

Publicado por Flávio Terceiro
há 4 anos
A palestra é interrompida, pouco antes do fim.
- “Mas seu escritório não deveria ter uma página no Facebook, nem perfil no Instagram”, disse.
"Ok, boomer", pensei, por um segundo, em responder. Mas sabia que não podia.
- "Rede social é uma modernidade que não tem nada a ver com advocacia. É lugar de quem quer ficar chamando atenção. Não é lugar de advogados", continuou a interrupção

Todo profissional que seja professor de “Ética” e lecione em cursinhos preparatórios para o Exame de Ordem ministra aos alunos um conteúdo mais ligado aos textos do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/994), o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (Resolução nº 02/2015), e demais disposições da OAB. Se esse mesmo professor de Ética ousar palestrar para advogados formados, deverá ser preparar para questionamentos diferentes. Existem dezenas de artigos apresentando razões para um advogado investir em “marketing jurídico”, apresentando as diferenças semânticas entre “publicidade” e “propaganda”, e oferecendo argumentos favoráveis ao uso das redes sociais. Este não é um destes, mas sim um estudo sobre os argumentos desfavoráveis.

Na internet, podemos identificar alguns grupos. Um deles, cujos membros costumam ser chamados de “Boomers”, compreende todo sujeito que, tendo certa idade não necessariamente definida como avançada, mas suficiente para esse alguém deixar de ser classificado como “jovem”. Qualquer comentário de protesto que venha de uma destas pessoas na internet será respondido pelo “grupo rival”, os “Milennials”, de forma simples: com a expressão “Ok, boomer”. O jornal americano “New York Times” abordou essa frase em um editorial, definindo-a como “a marca” do “fim do diálogo intergeracional”.

Embora a própria classificado de indivíduos em “Millennials” e “Boomers” tenha popularmente um uso distinto do originalmente proposto por aqueles que cunharam os termos, uma vez que os “Boomers” seriam um grupo específico de pessoas nascidos no período entre o fim da Segunda Guerra e a década de 1960, e os “Millennials” seriam as pessoas nascidas nas décadas de 1980 e 1990, que alcançaram a idade adulta na virada do milênio, enquanto a juventude atual não seria classificada assim, mas como “zoomers” ou “alphas”, dependendo do ano do nascimento, não vamos discutir essas nomenclaturas nessa oportunidade, mas nos ater ao que foi positivado em outras questões. Mais especificamente, como que, independente da geração a que pertença, todos os advogados estão sujeitos às mesmas regras.

Imagine um jovem, talvez até um “Milennial”, que, ao invés de usar a expressão “Ok, boomer” para silenciar quem ele julga ser ultrapassado, resistisse ao impulso de registrar sua frustração intergeracional e decidisse ouvir os argumentos, ainda que antiquados. O que o “Boomer” diria sobre advogados e redes sociais?

“Mesmo que se tente relativizar os termos ‘publicidade’ e ‘propaganda’, a verdade é que advogado não deve fazer ‘marketing’ do seu escritório”

O Código de Ética e Disciplina é claro em seu art. 5º: “O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização”. E diz, mais ainda, em seu art. 7º, que “é vedado o oferecimento de serviços profissionais que implique, direta ou indiretamente, angariar ou captar clientela”. O verbo “prospectar” se popularizou entre os jovens advogados para englobar ações que ficam, quando muito, “na margem” do que seria impedido pelas normas. Existem argumentos favoráveis a estas práticas, e da defesa de uma interpretação mais flexível das normas. Afinal, o art. 39 do CED estaria permitindo a publicidade, não?

Mas o mesmo texto que permite “a publicidade profissional do advogado” está estabelecendo que esta mesma “publicidade” deve necessariamente ter “caráter meramente informativo” e “primar pela discrição e sobriedade” e, mais ainda, não pode “configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão”. Os artigos seguintes do CED disciplinam ainda mais rigidamente as restrições ao comportamento com caráter publicitário, incluindo a vedação para “a utilização de mala direta, a distribuição de panfletos ou outras formas assemelhadas de publicidade, com o intuito de captação de clientela”.

É importante observarmos que o artigo 42 veda, ao advogado, “insinuar-se para reportagens e declarações públicas”. Mesmo que o caráter destas declarações públicas seja informativo. Mesmo que feito de forma sóbria e discreta, mantendo a dignidade da profissão. Mesmo que a intenção não seja a “promoção pessoal ou profissional” do advogado. Mesmo que os objetivos da divulgação sejam “exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos”.

Embora o inciso V do artigo 42 não apresente um rol exaustivo do que seria, exatamente, “insinuar-se para reportagens e declarações públicas”, podemos considerar o que mais ensina o Código de Ética no mesmo artigo 42, quando, no inciso I, veda ao advogado “responder com habitualidade a consulta sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social”. Olhemos, ainda, o artigo 43:

Art. 43. O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou veiculada por qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão.

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado evitar insinuações com o sentido de promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter sensacionalista

Se manifestação pública do advogado na imprensa deve ocorrer apenas eventualmente, somente quando este for convidado, e se o advogado deve evitar a promoção pessoal ou profissional, então advogado não pode procurar divulgação. Lendo os artigos 42 e 43 em conjunto, vemos uma situação ainda mais rígida. O advogado não poderia se insinuar para declaração pública, nem responder com habitualidade consultas. E qual é o objetivo de uma postagem em redes sociais se não chamar a atenção do público?

Se o espírito do Código de Ética é de que advogados devem agir com discrição e sobriedade, evitando a promoção pessoal, dedicando-se ao ofício jurídico sem buscar “captar clientes”, então o advogado, ao abrir seu escritório, não deve buscar ativamente causas, mas esperar passivamente que estas apareçam, seja por indicação de clientes antigos, seja por causa da divulgação dos dados de seu escritório nos meios apropriados. Obter clientes pode ser uma consequência de uma eventual manifestação pública, mas não poderia o advogado buscar se manifestar com essa esperança, nem mesmo se manifestar com habitualidade.

Antes da internet e das redes sociais, advogados não buscam produzir recorrentemente conteúdo com cunho supostamente informativo ou se posicionar junto ao público. Se muito, publicavam um outro anúncio nos “Classificados” de um jornal tão-somente divulgando o escritório, indicando sua atuação especializada, e dados para contato.

“Rede social é meio de alcance incerto, e não é o lugar apropriado para a exposição da advocacia”

O segundo argumento, mais técnico e menos filosófico, que pode vir a ser apresentado contra as redes sociais, é de que estas não são um meio apropriado para a publicidade de um escritório. O Código de Ética proíbe claramente a utilização de “mala direta”, mas permite, em seu art. 45, que “a divulgação de boletins, por meio físico ou eletrônico, sobre matéria cultural de interesse dos advogados” seria um meio “admissível” de publicidade, “desde que sua circulação fique adstrita a clientes e interessados do meio jurídico”.

Um boletim para interessados previamente cadastros, eletronicamente, toma qual forma? A de uma “newsletter” enviada para destinatários previa e expressamente cadastrados em uma “mailing list”. Não há, tecnicamente, como um e-mail ser enviado pelo advogado para outras pessoas que não os destinatários cadastrados em seu banco de dados, um “público certo”. Ele precisaria ser encaminhado por um dos destinatários para um terceiro. Não seria equivalente à divulgação de boletins a realização de postagens em redes sociais, pois, ao tornar um conteúdo público, este não estaria ao alcance apenas daqueles que “curtiram” a página pra receber suas atualizações, mas um público “incerto”, em virtude da divulgação livre das redes.

O art. 46 do Código de Ética estabelece que “a telefonia e a internet podem ser utilizadas como veículo de publicidade, inclusive para o envio de mensagens a destinatários certos, desde que estas não impliquem o oferecimento de serviços ou representem forma de captação de clientela”. Ou seja, não basta seguir a sobriedade e discrição previamente exigidas no art. 39, não basta ter caráter informativo, não basta evitar o caráter de “mercantilização” da profissão, também deve ter destinatário certo.

É por essa razão que Tribunais de Ética de diferentes seccionais da Ordem dos Advogados estão, cada um no seu ritmo, proibindo a publicidade de advogados e escritórios nas redes sociais. Sim, existem seccionais com entendimento mais flexível. Na Bahia, defendeu-se que um anúncio patrocinado no Google “não viola norma deontológica da profissão, pois, nesta modalidade de anúncio, somente são alcançadas pessoas que procuram pelos serviços advocatícios". Anúncios patrocinados, graças aos algoritmos da internet, possuem um alcance que seria tecnicamente limitado aos que buscam determinadas palavras-chaves ou tenham interesse em determinados assuntos.

A seccional de São Paulo adotou similar entendimento à seccional baiana. Mas a tendência seguida no Brasil não tem sido essa. Quando a seccional de Goiás proibiu essa modalidade de publicidade, ainda em 2018, a relatora do caso argumentou que “os princípios norteadores do Código de Ética e Disciplina e do Provimento nº 94/2000 do CFOAB e a manifestação da maioria dos Tribunais de Ética da OAB e do Brasil, a regra geral, embora ainda não haja disposição do Conselho Federal da OAB sobre o assunto, é de que o link patrocinado não pode ser usado pelo advogado, por atingir público incerto, ainda que seja direcionado a determinado público – por exemplo, no Instagram e Facebook”.

Também em 2018, a seccional de Pernambuco proibiu que advogados fizessem uso dessa forma de publicidade. No ano seguinte, a secional do Distrito Federal também determinou similar proibição. Embora nem todas tenham editado resoluções ou tornado pública alguma consulta formal realizada, outras seccionais – a citar, Maranhão, Amazonas e Espírito Santo – ao orientarem os advogados registrariam o entendimento de que também vedam a publicidade em redes sociais.

Por enquanto, o entendimento mais comum é de que ferramentas como “Google Ads” e o “patrocínio de posts” serem vedadas, mas este entendimento, se não for revisto, pode ser o primeiro passo para uma eventual restrição completa, afinal, qualquer uso de redes sociais alcançaria um público incerto. Não há como afirmar que um conteúdo disponibilizado publicamente em uma rede social terá “público certo”.

Um advogado que possua um site discreto para o seu escritório, alcançável somente para aqueles que possuam o endereço eletrônico estaria mantendo com o espírito do que se determina no Código de Ética. Inserir esse mesmo escritório nas redes sociais, através da criação de perfis para o escritório seria algo como criar um “outdoor virtual”, visível indiscriminadamente até por aqueles que não tenham se inscrito para receber as atualizações da página, e o advogado deve manter-se passivo, evitando “buscar” clientes, ainda que indiretamente, uma vez que a captação é expressamente vedada pelas normas em vigor.

Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais não está apenas buscando informar a população, que antes da internet e das redes sociais desconhecia muitos dos seus direitos, deixando de ser socorridos por dormirem na ignorância. Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais está “se autopromovendo”, e se está buscando se posicionar como especializado em determinada área de atuação, com o objetivo de ser visto pelo público e considerado como opção frente nomes estabelecidos nas décadas anteriores.

Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais está não apenas buscando se insinuar para declarações públicas. Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais está fazendo uma declaração pública sem ter sido convidado, colocando o esclarecimento de temas jurídicos de interesse geral acima do compromisso com a discrição que deveria manter.

Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais não está promovendo digitalmente eventos ou publicação de caráter científico ou cultural para os interesses no meio jurídico. Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais está usando dos meios de comunicação social para induzir às pessoas interessadas ao litígio, pois estas poderão buscar advogados uma vez cientes de direitos que até então desconheciam.

Um advogado que divulga conteúdo nas redes sociais está respondendo ao leitor até então ignorante de seus direitos uma consulta que não cogitava fazer, e ao assumir frente a sociedade o protagonismo dessa mudança social, o advogado deixa de lado a discrição que deveria adotar.

REFERÊNCIAS SOBRE “BOOMERS”, “MILLENNIALS” E AFINS:

LEITURA ADICIONAL, SOBRE PUBLICIDADE NA ADVOCACIA

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  • Sobre o autorEspecializado no uso da Lei para atender e ensinar PESSOAS, físicas ou jurídicas
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