Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
4 de Maio de 2024

Advocacia e saúde mental

Relato pessoal.

Publicado por Márcio Costa
há 4 anos

Joguei essa expressão no Google e deu “aproximadamente 9.620.000 resultados”. Eu de pronto pensei: “opa, não estou sozinho”. É difícil tratar desse tema de maneira tão pessoal. Tanto que tenho depressão há pelo menos dez anos, mas comecei a dar a devida importância quando ela se intensificou devido ao trabalho. Há uma semana um amigo de faculdade se matou e isso me incentivou a falar um pouco do assunto.

Na hora lembrei de algumas conversas com ele. Certa vez tratamos de como tínhamos entrada mais tarde na faculdade de direito. De como não éramos mais jovens o suficiente para o curso, em tom de brincadeira. Como em toda sala de aula, os grupos se dividiam, os adolescentes, uma galera que sentava no fundo, entre outros, e os idosos, nosso caso. É bom ter boas lembranças de pessoas que se foram, temos sorte de ter compartilhado essa época e esse tempo.

Reluto, entre pensamentos e algumas cervejas em escrever este texto. Não deveria beber também, mas a vida depois de um tempo só vale por suas pequenas transgressões. Comecei tarde no direito, aos trinta e três, como comecei tarde em muitas coisas na vida. Acho que eu preciso fazer as coisas mais de uma vez para dar certo (tomara que nenhum cliente leia isso, caso contrário, alego licença poética).

Tenho trinta e seis anos e comecei a beber aos trinta. Até hoje amargo em meu âmago esta perda de tempo considerável em minha vida, mas, entre intervalos maiores ou menores, tenho recuperado o tempo perdido, aproveitando “socialmente” os prazeres da vida. Assim como tenho levado a cabo um tratamento contra depressão e ansiedade que hoje é tratado com extrema seriedade.

Longe de maquiar o problema, me perco entre pensamentos tentando entender onde isso começou. Anos na rotina policial, no Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE (2002-2010) podem ter ajudado. O estresse de cada ocorrência, até então levado como emoção a cada tiroteio. As movimentações táticas, as decisões tomadas em tempos ínfimos, o esforço físico, o enfrentamento aos violadores da lei, etc.

E embora eu tenha passado por tais experiências, o que fundiu minha cabeça foi o conjunto de tudo isso. A polícia, o direito, a faculdade, já mais velho, o preconceito sobre as doenças mentais ainda existentes em nossa sociedade. Sem tratamento, como leigo que sou, vemos a realidade de uma forma deformada, mas com o devido acompanhamento médico, vive-se uma rotina normal em família e no trabalho.

Em certo sentido, em maior ou menor grau, temos lentes para ver a realidade, e algumas delas precisam de tratamento médico. Não reluto em dizer. Todos fazemos isso, uns mais, outros menos. O mundo dos fatos é ininteligível universalmente, tenho certeza, mas em algum ponto existe a questão médica envolvida e alguém precisa de ajuda para ver.

Hoje, encontro o equilíbrio na atenção plena, na literatura, na poesia, nas sessões de terapia e psicoterapia, no estudo acurado de temas do direito a que me dedico, no exercício da advocacia. É difícil olhar o outro, perceber nuances que vão além do normal, todo mundo tem isso de alguma forma, mas ninguém quer dizer. Pode parecer radical, e às vezes o sou, mais o fato de precisar lutar contra este tipo de ameaça me deixou cuidadoso.

Reservo minha “loucura” para os momentos entre amigos, atendo clientes da melhor maneira possível, sorrio em coquetéis e evento da OAB, espalhando minha imagem de competência e dinamismo, “aquele que leu Dostoievski, Sartre e Camus”, disseram uma vez. E tenho uma vida normal, sempre amparado em tratamento que hoje permite o equilíbrio de qualquer profissional.

É imperioso que se diga que nem todos admitem passar por esses problemas. Outros, mais reservados tratam nuances genéricas da questão e se escondem atrás da terceira pessoa do discurso. Contudo, preciso assumir uma responsabilidade pessoal neste tema, tão caro para mim, mas que tem me ensinado que responsabilidade e equilíbrio são fundamentais em qualquer profissão.

Troque uma ideia comigo, compartilhe esse texto se te ajudou e me acompanhe nos espaços onde escrevo. O convite está feito.

Jusbrasil: https://marciobcosta.jusbrasil.com.br

Site pessoal: https://www.marciocosta.adv.br

LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/mbcosta84/

Fonte da imagem: https://pixabay.com/pt/

  • Sobre o autorAdvogado e Cientista social
  • Publicações16
  • Seguidores53
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações706
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/advocacia-e-saude-mental/807464953

Informações relacionadas

Julio Martins, Advogado
Artigosmês passado

Já é possível no Estado do Rio de Janeiro a alteração do regime de bens no Casamento de forma Extrajudicial?

13 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Prezado Dr. Márcio,

Já estou virando um profundo admirador seu. Recentemente (ano passado) passei por uma crise de ansiedade muito forte, até escrevi sobre (qualquer coisa, tá no meu perfil o texto) e isso só me fez perceber o quanto a "geração dos anos 80/90", hoje por volta dos seus 30 anos, está com problemas semelhantes.

Ainda não refleti a fundo as razões, mas o excesso de pressão interna e externa, somada a uma sociedade de aparências e consumo contribui. Mas nada que re-significações e terapia não resolvam.

(Há) Braços! continuar lendo

Prezado, a admiração é recíproca. Mais que profissionais somos humanos. Estamos longe de sermos máquinas. Saúde mental é coisa séria e nossa classe ainda resiste em tratar com mente aberta o tema. Obrigado pela contribuição. Visite meu site www.marciocosta.adv.br, convite feito, abs. continuar lendo

Olá, Dr. Márcio!

Admirável o seu texto, ao ler eu passei junto a leitura do mesmo texto refletir em minha crise d ansiedade que hoje passo, a qual me gerou um surto de pânico e uma leve depressão ao imaginar que posso nunca mais retornar a minha vida saudável que eu tinha antes.
Eu acho muito difícil lutar contra isso, mas o que me mantem de pé é a fé em Deus, estou fazendo tratamentos mas infelizmente ainda não encontrei o medicamento certo e com a volta as aulas meus pensamentos acelerados retornaram a embolar varias coisas, estou a pensar em varias coisas ao mesmo tempo e varias preocupações, reconheço a SPA (Síndrome do pensamento acelerado), é uma droga viver com isso, mas enfim, amei o texto e isso ajudou neste momento eu formar novos pensamentos. continuar lendo

Prezado, entendo a situação. A medicação fez seu pleno efeito em mim após a inserção de atividades físicas. Hoje corro e pratico Jiu-Jitsu, quem sabe não o ajuda. Obrigado pela contribuição, visite meu site www.marciocosta.adv.br, lá posto textos além do direito. Abs. continuar lendo

Parabéns Dr.Márcio, muito bom texto/desabafo; reflexivo para muitos de nós que não conseguem se expressar tão bem e publicamente como você.

Empatizo com a sua enfermidade, e digo logo: muita gente tem os mesmo problemas que você e age também como você ou ainda mais feliz e sociável para transparecer uma alegria, uma altividade existencial que é só fachada - no fundo, algumas pessoas tem as mesmas angústias e sofre tanto quanto ou mais que você - isso, por tudo e por nada (sem motivo, a gente apenas sofre).

Deveríamos agradecer pela vida que temos?
Sim deveríamos, e até agradecemos, especialmente quando olhamos para o lado e vemos a vida de "bilhões" de pessoas muito pior que a nossa - infelizmente, não é fácil agir assim e se colocar no lugar de pessoas mais "miseráveis" que nós e simplesmente ser feliz e sentir-se realizado.

Depressão, Ansiedade, qualquer trastorno mental ou de humor são doenças, as pessoas ainda vão entender isso - espero poder viver para ver que a maioria da população sabe diferenciar doença da falta de fé ou de Deus.

Abraço, força aí...sucesso para ti continuar lendo

Poxa! Nunca esperei ler um texto o qual me identificasse tanto. Chega ser reconfortante saber que existem pessoas do outro lado (com sentimento) rsrs. E eu concordo com vocês em tudo. Caros amigos, tenho fé que em um futuro não tão distante a classe dos advogados (digo em terceira pessoa pois ainda sou apenas uma bacharel em direito) tenha mente aberta para lidar com esses problemas.
Afinal a sociedade atualmente impõe que estejamos sempre felizes, firmes, realizados e imponentes e muitas das vezes usamos desses atributos para disfarçar os sentimentos. continuar lendo

@diariodeconteudojuridico, Grato pela contribuição. É uma questão muito complexa que por vezes não é tratada com a devida importância. Te convido a visitar meu site www.marciocosta.adv.br, onde falo não apenas de questões ligadas ao direito, mas a literatura, sociologia, etc. abs! continuar lendo

@allanacarlla que bom que gostou do texto. Obrigado pela contribuição e boa sorte nessa caminhada. Faço o convite para visitar meu site www.marciocosta.adv.br, com foco bem mais aberto a outros tipos de temas mas sempre tentando fazer o link com o direito. Abs. continuar lendo

Parabéns pelo texto, pela autenticidade e especialmente pela generosidade com que se expressa. Suas palavras confrontam as crenças que nos são vendidas sobre o padrão de sucesso e glamour da profissão, talvez dessa ou de outras tantas por ai. Fala sobre o ser humano que somos essencialmente, despidos de rótulos e títulos, um arsenal de experiências doces e amargas, do que realmente somos feitos, vivendo nossas vidas e histórias singelas, sonhos e realidades e também nossos diferentes o papeis. continuar lendo

Grato pela contribuição @khaledaly5437, somos seres singulares, mas não especiais em relação a ninguém. Realmente tem se vendido um padrão do profissional de sucesso. É alguém inabalável. Mas como disse, somos humanos, temos defeitos e passamos por problemas. É interessante compartilhar esse tipo de experiência pois vemos que não estamos sozinhos. Te convido a visitar meu site, www.marciocosta.adv.br, que tem conteúdo interdisciplinar. Abs. continuar lendo