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24 de Maio de 2024

Eficácia horizontal dos direitos fundamentais no devido processo legal

há 3 anos

INTRODUÇÃO. 1 DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.1 Considerações iniciais sobre os direitos fundamentais. 1.2 Breve histórico da evolução dos direitos e garantias constitucionais. 1.3 Direitos e garantias fundamentais no direito comparado. 1.4 Os efeitos dos direitos e garantias fundamentais na vida do indivíduo. 2 APLICABILIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. 2.1 Limites e funções dos direitos fundamentais na relação vertical entre o Estado e o indivíduo. 2.2 A supremacia do poder público sobre o privado. 3. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES HORIZONTAIS. 3.1 A aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais no devido processo legal. 3.2 A teoria de eficácia imediata ou direta. 3.3 A teoria de eficácia mediata ou indireta. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

RESUMO: Na evolução natural, a humanidade obteve várias conquistas e a maior e mais importante foi a garantia escrita de seus direito fundamentais. O direito como um todo passou a ser visto por outro vértice com a previsão e consagração de seus valores no seio constitucional. A posição da norma constitucional em relação às demais normas, a consagração de valores éticos faz com que seja ajustado todo o ordenamento jurídico aos institutos fundamentais que estabelecem os direitos básicos da pessoa humana, no qual visam as garantias constitucionais de proteção ao homem na sua relação com o Estado. Destarte, busca-se aqui discorrer sobre a eficácia destas normas básicas e fundamentais na relação processual entre os particulares

Palavras-chaves: Direitos Fundamentais. Garantias Constitucionais. Eficácia Horizontal.

INTRODUÇÃO

A abrangência do estudo dos direitos fundamentais implica uma escolha sobre o enfoque de estudo para determinação da metodologia de trabalho. A escolha de uma das múltiplas possibilidades se deu no tema dos direitos e garantias fundamentais.

Pontualmente, o trabalho consiste na abordagem específica acerca da eficácia dos direitos e garantias fundamentais irradiando entre particulares, com especial enfoque na aplicabilidade no devido processo legal.

Os direitos e garantias fundamentais, a princípio, são destinados a proteger o individuo contra a intervenção do poder público, assegurando a esfera de liberdade daquele contra interferências ilegítimas do Estado.

O espaço de autonomia garantido pela Constituição nas relações horizontais não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais, pois a autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional.

Nesse sentido, ganha importância o estudo da irradiação dos direitos fundamentais nas relações privadas, tal como se verifica no desdobramento, por exemplo, do princípio da dignidade humana.

O presente trabalho visa realizar um estudo acerca dos direitos fundamentais no que concerne a sua eficácia horizontal, atingindo assim o plexo das relações que eram originalmente resolvidas por intermédio das próprias normas que regem o direito privado.

Disso decorre, a importância do presente estudo, que, de maneira sucinta, pretende analisar a utilização das garantias e direitos fundamentais nas relações privadas quando da discussão de tema colocado ao crivo jurisdicional.

Por fim, algumas considerações serão traçadas acerca da eficácia dos direitos fundamentais não só na aplicabilidade, como já foi dito, destes no devido processo, mas também momento atual do direito privado.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Considerações iniciais sobre os direitos fundamentais

Atualmente, falar de direitos fundamentais não é mais complexo como foi há alguns anos, onde imperava soberanamente a vontade do mais poderoso, apesar de alguns doutrinadores entenderem diferentemente.

Sabe-se que, o homem ao relacionar-se juridicamente entre si e, também, com o poder estatal estabeleceu ao longo de sua evolução, normas que visavam e visam garantir a estabilidade e equilíbrio nestas relações.

É cediço que, os direitos e garantias fundamentais, em sua contemporânea delimitação, são resultado de uma longa e árdua evolução histórica, onde não faltaram progressos e retrocessos.

A sedimentação desses direitos fundamentais como normas obrigatórias e reitoras de conteúdos ético-jurídicos, é resultado da maturação histórica, o que também permite compreender que estes direitos não sejam os mesmos em todas as épocas.

Dessa forma, percebe-se com maior facilidade a justificação para a releitura dos direitos fundamentais no que concerne à mutação semântica em relação à profundidade e extensão de seu grau de eficácia. Em outras palavras, significa a reinterpretação dos direitos fundamentais de acordo com o tempo e o espaço.

Segundo o Professor Uadi Lammêgo Bulos, quando se fala em aplicabilidade das garantias fundamentais, deve-se tomar cuidado, pois a aplicação dos direitos e garantias fundamentais nas relações privadas é algo complexo e delicado, porque pode gerar deturpações de toda espécie, invertendo-se a lógica, ao invés de trazer benefícios.1

Destarte, independentemente da complexidade ou não do assunto, vê-se que aplicar horizontalmente as normas garantidoras dos direitos fundamentais amplia o resguardo dos direitos básicos da pessoa humana em todas e qualquer relação jurídica.

1.2 Breve histórico da evolução dos direitos e garantias constitucionais

A humanidade em constante evolução, a tempos remotos se viu na necessidade de estabelecer regras de relacionamentos não só entre os próprios homens, mas também entre os homens e o Estado.

Ao longo desta evolução, diante das relações entres as pessoas, sejam públicas ou privadas, nasceram os chamados direitos fundamentais da pessoa humana, no qual, a princípio, visava delimitar a força do poder público sobre o indivíduo.

Diante da extensão e amplitude destes direitos, acharam-se necessários estabelecer uma divisão ou classificação dos mesmos em gerações de direitos e garantias.

Anteriormente, sabe-se que o surgimento formal dos direitos fundamentais ocorreu na segunda metade do século XVIII, coincidindo com as idéias filosóficas e religiosas que propugnavam que os homens detinham direitos naturais e inalienáveis, inerentes à sua própria condição humana.

O surgimento da burguesia e a decadência do sistema feudal fortaleceram o Estado, mas também evidenciaram as mazelas do absolutismo, tornando imprescindível o estabelecimento de direitos mínimos de igualdade e liberdade oponíveis ao Estado em prol do indivíduo.

Esse contexto político propiciou o surgimento de idéias filosóficas, como as Iluministas, que serviram de esteio para o movimento constitucionalista, cujo objetivo primordial era limitar e disciplinar o poder estatal.2

Dessa noção de Estado garantidor de direitos fundamentais, ocorreram dois episódios de singular importância para a formalização desses direitos: a Revolução Francesa e a independência e surgimento do Estado norte-americano.

Estabeleceram-se as condições em que o Estado pudesse intervir nas relações privadas e, consequentemente, criou-se as primeiras normas garantidoras dos direitos mínimos da pessoa humana, os chamados de direitos de primeira geração ou dimensão.

Com o desenvolvimento das sociedades e o fortalecimento do estado de direito, surgiram novos entes aptos a afrontar os direitos primários das pessoas, se fazendo necessária a ampliação do sujeito passivo desses direitos fundamentais, haja vista, a perda de exclusividade do Estado.

Já no século XX, em decorrência das duas grandes guerras, os países ocidentais reforçaram os direitos individuais estabelecendo regramentos de ordem social, no qual passaram a ser chamados de segunda geração, pois tal geração de direitos se distinguia dos primeiros, por exigirem uma participação ativa do Estado, como agente realizador da justiça social.3

Os direitos de segunda geração, segundo Norberto Bobbio, são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como, os direitos coletivos ou de coletividade4, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século.

Atualmente, as constituições preveem, além dos já citados direitos de primeira e segunda dimensão, também os direitos de terceira e até quarta dimensão.

Os direitos fundamentais de terceira geração, dotados de forte teor humanismo e universalidade, tendem a cristalizar-se especificamente à proteção dos interesses dos indivíduos, de um grupo ou de um momento expressivo, onde se funda no princípio da solidariedade, afirmando-os como valor supremo em termos de existencialidade concreta.5

Já os de quarta geração não somente culmina a objetividade dos direitos de segunda e terceira geração, com absorvem-nos, sem remover a subjetividade dos direitos individuais de primeira geração.6 São exemplos de direitos de quarta geração: os direitos ao meio ambiente equilibrado, ao desenvolvimento social e econômico, à paz social, à internet, entre outros.

1.3 Direito e garantia fundamental no direito comparado

A questão relativa à eficácia dos direitos fundamentais no âmbito das relações entre particulares marcou o debate doutrinário nos anos 50 e 60 na Alemanha.

Na Alemanha foi defendido por alguns doutrinadores que não se devia reconhecer a eficácia das garantias e dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, pois os direitos fundamentais representavam exclusivamente direitos de defesa contra o Estado; a eficácia no âmbito do direito privado fulminaria a autonomia individual; destruiria a identidade do direito privado, que ficaria absorvido pelo direito constitucional; e, por fim, iria conferir um poder exagerado aos juízes, em detrimento do legislador democrático. Entretanto, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em reiterado julgados, reconheceu a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.7

Já nos Estados Unidos da América prevalece o entendimento, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, de que os direitos fundamentais, previstos no Bill of Rights da Constituição Americana impõem limites apenas para os poderes públicos e não atribuem aos particulares direitos frente a outros particulares com exceção apenas da 13ª Emenda, que proibiu a escravidão.8 Prevalece nos Estados Unidos o ideário liberal da autonomia da vontade.

A doutrina do “state action” sofreu algumas atenuações com a aplicação da teoria da “public function theory”, pela Suprema Corte Americana.

Segundo essa teoria, quando os particulares agirem no exercício de atividades de natureza tipicamente estatal, estarão também sujeitos às limitações constitucionais.

Enquadram-se, também, nessa situação, segundo a Suprema Corte Americana, atividades que independentemente de delegação, são de natureza essencialmente estatal, e, portanto, quando os particulares as exercitam, devem submeter-se integralmente aos direitos fundamentais previstos na Constituição.9

No Brasil o desenvolvimento dos direitos fundamentais tem uma trajetória parecida com a verificada em países da Europa e nos Estados Unidos.

A atual Constituição de 1988 prevê no título II os direitos e garantias fundamentais, classificando-os em: direitos individuais e coletivos; direitos sociais; direitos de nacionalidade; direitos políticos e direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos.10 Segundo o professor Ingo Wolfgang Sarlet, a Constituição Federal de 1988 é a primeira a dispensar aos direitos fundamentais o tratamento que lhe é adequado em virtude de sua inegável relevância e indiscutível indispensabilidade.11

1.4 Os efeitos dos direitos e garantias fundamentais na vida do indivíduo

As normas garantidoras dos direitos fundamentais individuais, primeiramente, foram estabelecidas para impedir de que o Estado com todo o seu poder possa indiscriminadamente submeter o particular aleatoriamente a sua vontade.

O Professor Pedro Lenza, na sua obra Direito Constitucional esquematizado, ensina que existe distinção entre direito e garantia fundamental.

Para o ilustre mestre “direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos ou prontamente os repara, caso violados”.12

Percebe-se que, os efeitos dos direitos e garantias fundamentais na vida da pessoa, transcendem a vontade e a imposição do poder do Estado na relação entre os mesmos, pois explicitamente contido está no ordenamento constitucional, no que se referem aos direitos e garantias individuais, quais as ferramentas que serão utilizadas pelo particular caso o poder estatal ofenda ou interfira nos seus direitos.

Assim sendo, a perspectiva atual do Estado é fundada no princípio da constitucionalidade, em que a Constituição é a norma suprema do ordenamento, vinculando o legislador e as manifestações estatais aos preceitos constitucionais, “estabelecendo o princípio da reserva da constituição e revigorando a força normativa da constituição”.13 Ademais, como já ressaltado, a sistematização dos direitos fundamentais visa principalmente proteger o individuo do poder estatal.

2 APLICABILIDADE DOS DIREITOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

2.1 Limite e funções dos direitos fundamentais na relação vertical entre o estado e o individuo

Em se tratando de relação jurídica entre o Estado e o particular deve-se ter em mente que pelo fato do Estado representar a coletividade, existe uma preferência de direitos sobre os do individuo.

O Professor Kildare Gonçalves Carvalho ministra que:

Não existe direito absoluto entendido como o direito sempre obrigatório, sejam quais forem as consequencias. Assim, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados. Encontram limitações na necessidade de se assegurar aos outros o exercício desses direitos, como têm ainda limites externos, decorrentes da necessidade de sua conciliação com as exigências da vida em sociedade, traduzidas na ordem pública, ética social, autoridade do Estado, dentre outras delimitações, resultado, daí, restrições aos direitos fundamentais em função dos valores aceitos pela sociedade.14

Não obstante o direito de o Estado prevalecer sobre o direito do particular, as funções dos direitos fundamentais através das garantias constitucionais colocam freio ao poder estatal, pois se assim não fosse o abuso e as arbitrariedades praticadas subjugariam o individuo, causando total desequilíbrio jurídico nas relações travadas entre o poder público e a pessoa humana.

Quanto aos limites dos direitos fundamentais, continuando com Kildare Gonçalves Carvalho no seu entendimento:

As restrições aos direitos fundamentais inserem-se numa tríplice função: a) função adequadora, em que a restrição de um deles serve para possibilitar que os outros direitos se exerçam sem sobreposições, tendo maior eficácia possível; b) função dirimente, que tem lugar no contexto específico da colisão de direitos fundamentais, caracterizada pelo exercício conflitante por parte de dois ou mais titulares de direitos contrapostos, servindo a restrição de alguns deles para evitar a repetição desses conflitos no futuro, sem necessidade de recorrera ulteriores intervenções administrativas ou jurisdicionais; c) função comunitária, que se liga à conjugação entre os direitos fundamentais e os bens ou interesses coletivos merecedores de tutela, sendo a restrição instrumento de garantia desses bens, interesses e valores comunitários que importa preservar.15

A aplicação, pelo poder judiciário, das garantias e direitos fundamentais às relações privadas, como diz Uadi Lammêgo, é algo complexo e delicado, por isto recomenda-se o bom senso, aplicando-se dentro do possível o principio da razoabilidade.16

Observa-se assim, que o não atendimento as normas constitucionais pelo poder estatal gera consequências prejudiciais não só ao particular, mas também, ao próprio Estado, pois o individuo inserido no próprio corpo societário sendo afetado por desrespeito aos seus direitos, colateralmente afeta toda a sociedade.

Così, faz-se necessário a existência de normas limitadoras à atuação do Estado sobre o particular e, os direitos e garantias fundamentais atuam como barreira a natural investida arbitraria, no qual a própria posição soberana que o poder público tem sobre o individuo leva o Estado a constantemente praticar atos abusivos e autoritários.

3. A EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES HORIZONTAIS

A possibilidade de serem aplicados os princípios fundamentais garantidores dos direitos de toda pessoa humana no Brasil, justamente nas relações privadas, ou seja, firmadas entre particulares, abre caminho para que efetivamente se aplique a tutelar jurisdicional nestes assuntos, onde apesar destes direitos serem de eficácia e aplicabilidade imediata nas relações travadas com o Estado, não são ilimitados, posto que, encontram suas fronteiras nos demais ramos do direitos consagrados pela constituição.

Como alhures foi dito, o exercício dos direitos fundamentais ocorre normalmente nas relações entre o poder estatal e o particular. Entretanto, ocorrendo hipótese em que um princípio exclua totalmente a realização do fim estipulado pelo outro, como naqueles que apontam para finalidade alternativamente excludente, a solução não se resolve com a determinação imediata de prevalência de um princípio sobre o outro, mas é estabelecida em função da relação de proporcionalidade entre os princípios colidentes, daí a aplicabilidade dos princípios fundamentais nas relações privadas.

3.1 A aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais no devido processo legal

No direito pátrio, os direitos fundamentais tutelados pela Constituição quando do seu nascimento visou tão inicialmente a proteger o individuo contra as arbitrariedades praticadas pelo Estado.

A eficácia destes direitos até então se irradiavam verticalmente e, hoje, doutrinariamente é chamada de concepção clássica.

Esta teoria defende que os direitos fundamentais são destinados apenas a proteger o indivíduo contra os abusos praticados pelo poder público nas relações jurídicas, assegurando a esfera de liberdade daquele contra ilegítimas interferências do poder público, no qual coloca o particular em estado de submissão às arbitrariedades praticadas maquina estatal.

Sucede que, tal concepção resta mitigada, na medida em que também passou-se admitir a incidência dos direitos e garantias fundamentais nas relações ditas horizontais, ou seja, nas relações jurídicas estabelecidas entre particulares.

Assim, entende-se que, diante da complexidade dos problemas surgidos nas relações entre particulares, constata-se que os direitos fundamentais de proteção do particular contra as inconsequentes investidas do Estado, mas também podem ser usadas, apesar de limitadamente, nas relações privadas, ou seja as chamadas relações horizontais.

Ministra o mestre Pedro Lensa, “in verbis”:

Com o objetivo de se conciliar uma tutela efetiva dos direitos fundamentais e a proteção da autonomia privada do indivíduo, surgiram diversas teorias. No ordenamento jurídico pátrio, dentre poucos os autores que já se manifestaram sobre o tema, a maioria sustenta que a eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas é direta e imediata. Por meio desta teoria, embora os direitos fundamentais sejam diretamente aplicáveis às relações privadas, por independem da mediação do legislador, eles precisam ser analisados no caso concreto para verificar a existência e a extensão da sua eficácia.17

Através destas considerações, verifica-se que os direitos fundamentais apesar de limitadamente ser aplicado nas relações horizontais no Brasil, pois atualmente ainda é o entendimento de que estes direitos irradiam mais entre o poder público e o particular, pode se dizer que a tendência é de que num espaço de tempo não longo, muitos estarão através das constantes buscas para se lapidar um entendimento majoritário, que possa melhorar as condições para se ter um relação mais equilibrada entre as pessoas, chegarão a conclusão de que é extremamente saudável a aplicação das garantias e direitos destinados as pessoas, indivíduos, não só nas relações com o Estado, mas também entre os particulares.

Cabe reprisar o ensinamento do professor Kildare Gonçalves:

Os direitos fundamentais têm eficácia vertical perante o Estado, como direito de defesa individual perante os arbítrios do poder. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou eficácia externa, é a que diz respeito às relações entre particulares. [...] A mudança de paradigma de eficácia apenas vertical dos direitos fundamentais decorreu, sobretudo, do reconhecimento de que não é só o Estado que pode ameaçar estes direitos, mas também outros cidadãos nas relações horizontais entre si. O Estado, portanto, se obriga não apenas a observar os direitos fundamentais, em face das investidas do Poder Público, como também a garanti-los contra agressões propiciadas por terceiros.18

Destarte, pode-se efetivamente estabelecer que os direitos e garantias fundamentais podem e devem ser utilizada nas tutelar dos direitos entre particulares.

Doravante, se estudará a teoria da eficácia imediata ou direita, com também a teoria da eficácia mediata ou indireta.

3.2 A teoria de eficácia imediata ou direta

A constatação de que, ao contrário do Estado liberal, no qual os direitos fundamentais, na condição de direitos de defesa, tinham por escopo proteger o indivíduo de ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pessoal e no qual os direitos fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, é o ponto inicial para o reconhecimento da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas.

No Estado social de Direito não apenas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também a sociedade cada vez mais participa ativamente do exercício de poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra os poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades encontram-se particularmente ameaçadas.[1][19]

No caso dos chamados detentores de poder social verifica-se uma desigualdade entre os particulares semelhante à relação indivíduo-Estado, portanto a vinculação dos particulares detentores de poder social será também equivalente à que se verifica como o Poder Público.

E nesse contexto que assume relevo a assim denominada dimensão objetiva dos direitos fundamentais, de acordo com a qual estes exprimem determinados valores que o Estado não apenas deve respeitar, mas também promover e zelar pelo seu respeito, mediante uma postura ativa, sendo, portanto, devedor de uma proteção global dos direitos fundamentais.[2]

No caso de particulares em igualdade de condições, a vinculação não possui a mesma intensidade. Porém, a doutrina reconhece a vinculação destes aos direitos fundamentais.

Continuando com o Professor Ingo Sarlet, “in verbis”:

Tal entendimento, dentre outras razões que aqui não iremos desenvolver, justifica-se especialmente entre nós, pela previsão expressa da aplicabilidade direta (imediata) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, o que, por sua vez, não se contrapõe ao fato de que, no âmbito da problemática da vinculação dos particulares, as hipóteses de um conflito entre os direitos fundamentais e o princípio da autonomia privada pressupõem sempre uma análise tópico-sistemática, calcada nas circunstâncias específicas do caso concreto, devendo ser tratada de forma similar às hipóteses de colisão entre direitos fundamentais de diversos titulares, isto é, buscando-se uma solução norteada pela ponderação dos valores em pauta, almejando obter um equilíbrio e concordância prática, caracterizada, em última análise, pelo não-sacrifício completo de um dos direitos fundamentais, bem como pela preservação, na medida do possível, da essência de cada um.[3][8]

Nesta teoria os direitos fundamentais constitucionais podem não apenas ser invocados pelos particulares em suas relações recíprocas, também podendo servir como fonte direta de embasamento para decisões judiciais, independentemente da existência de outras disposições infraconstitucionais aplicáveis ao caso.

Na teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais na relações privadas, também existe a relevante preocupação de se resguardar a autonomia individual, haja vista que a aplicação dos preceitos fundamentais de forma irrestrita pode acabar resultando em efeito oposto ao desejado.

Entretanto, essa eventual limitação da autonomia privada pode ser contornada com o sopesamento de princípios, a ser realizado pelo julgador na solução do caso concreto.

A Professora Paula Fernanda Gorzoni, assim bem explica essa teoria, in verbis:

A tese da aplicabilidade direta ou imediata defende efeitos absolutos dos direitos fundamentais entre particulares. Essa corrente encontra seu fundamento na idéia de que, em virtude de os direitos fundamentais constituírem normas de valor válidas para todo o ordenamento jurídico, não é possível aceitar que o direito privado venha a formar uma espécie de gueto, à margem da ordem constitucional. Por isso, não é necessário existir uma mediação legislativa para que os direitos fundamentais produzam efeitos entre particulares: eles exercem influência de forma direta, irradiando efeitos diretamente da Constituição e não por meio de normas infraconstitucionais, especialmente de direito privado (efeitos estes que podem, inclusive, modificar as normas infraconstitucionais).18

Pode se perceber que, trata-se de teoria progressista, vanguardista, que reconhece máxima eficácia aos direitos fundamentais, permitindo que os jurisdicionados possam exigi-los diretamente do texto constitucional.

3.3 A teoria de eficácia mediata ou indireta

Para os juristas que defendem esta teoria, a eficácia horizontal dos direitos fundamentais é alcançada por meio de normas abertas e dos conceitos jurídicos indeterminados previstos na legislação infraconstitucional.19

É chamada também de teoria intermediária, pois figura entre a que nega peremptoriamente a incidência dos direitos fundamentais às relações privadas e à que defende indiscutivelmente sua incidência.

Aqueles que se aprofundam e comungam com esta teoria procuram rechaçar a inaplicabilidade dos direitos fundamentais às relações horizontais, a partir do reconhecimento de que as normas positivadas no texto constitucional projetam seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, porém se recusam a possibilitar que o indivíduo possa invocar diretamente a Constituição Federal, o que só seria validado em caso de omissão legislativa ou de inconstitucionalidade de norma infraconstitucional.

Para a doutrina da eficácia imediata dos direitos fundamentais, estes não se destinam a solucionar os conflitos de direito privado, devendo a sua aplicação realizar-se mediante os meios colocados à disposição pelo ordenamento jurídico.

Continuando ainda com este entendimento, compete, preliminarmente, ao legislador a tarefa de realizar, proteger ou concretizar os direitos fundamentais no âmbito privado.

O Professor Daniel Sarmento, bem define esta teoria:

Para a teoria da eficácia mediata, os direitos fundamentais não ingressam no cenário político como direitos subjetivos, que possam ser invocados a partir da Constituição.

Portanto, para os adeptos da teoria da eficácia indireta, cabe antes de tudo ao legislador privado a tarefa de mediar a aplicação dos direitos fundamentais sobre os particulares, estabelecendo uma disciplina das relações privadas que se revele compatível com os valores constitucionais. Competiria ao legislador proteger os direitos fundamentais na esfera privada, mas sem descurar-se da tutela da autonomia da vontade. Portanto, caberia ao Legislador proceder a uma ponderação entre interesses constitucionais em conflito, na qual lhe é concedida certa liberdade para acomodar os valores contrastantes, em consonância com a consciência social de cada época.

[...]

Ao Judiciário sobraria o papel de preencher as cláusulas indeterminadas criadas pelo legislador, levando em consideração os direitos fundamentais, bem como o de rejeitar, por inconstitucionalidade, a aplicação das normas privadas incompatíveis com tais direitos.20

Pode-se dizer desta forma que, a teoria imediata é, portanto, mais cautelosa quanto aos poderes conferidos aos juízes e quanto à preservação da autonomia da vontade, advogando a utilização, no caso concreto, da solução dada pelo ordenamento jurídico infraconstitucional e somente quando essa solução for incompatível com o texto constitucional, ou quando inexistir, é que poderá servir o texto da Constituição como fundamento jurídico único.

CONCLUSÃO

Concluindo, portanto o presente artigo, pode-se ver que ainda não existe um entendimento pacificado acerca da possibilidade ou da impossibilidade de aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas, nem sobre como ocorre a eventual aplicabilidade.

Historicamente os direitos fundamentais foram concebidos para proteger os indivíduos dos abusos do poder estatal contra a liberdade e a dignidade humana. E esse é um dos fundamentos utilizados pelos que resistem a reconhecer a aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações particulares.

Entretanto, a intenção inicial de os direitos fundamentais frearem as atividades estatais não se deve por se tratar pura e simplesmente do Estado, mas porque é esse quem representava e ainda representa a maior ameaça institucionalizada ao homem e aos seus direitos primordiais. Portanto, fosse a ameaça originada de outra fonte que não o Estado, certamente que os direitos fundamentais teriam como objeto a regulamentação da relação entre o indivíduo e essa outra fonte de perigo.

Com o fortalecimento do Estado de Direito, surgiram novos atores com força social, jurídica, econômica e política, capazes de representar ameaça aos direitos primários das pessoas, tornando necessário que o sujeito passivo dos direitos fundamentais deixasse de ser apenas o Estado, para voltar-se também a quem quer que possa violá-los ou ameaçá-los.

A questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais deve ser analisada não só nos casos de visível desigualdade entre as pessoas privadas, mas também em hipótese de real igualdade.

Por isso, os direitos fundamentais devem ser considerados como garantias dos cidadãos contra os abusos cometidos por quaisquer pessoas capazes de fazê-los, independentemente de sua condição pública ou privada, pois para o ofendido é indiferente qual seja a fonte de agressão ao seu direito e, por este prisma, os operadores do direito devem estar atentos quanto a ampla aplicabilidade no devido processo legal das garantias e direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS

1 BULOS, Uadi Lammêgo. Direito Constitucional ao alcance de todos. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2011. 328 p.

2 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2006. 6 p.

3 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. São Paulo: Atlas, 2006. 12 p.

4 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. 6 p.

5 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 1996. 514 p.

6 BONAVIDES, Paulo. op. cit. 514.p.

7 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. 226/227 p.

8 SARMENTO, Daniel. op.cit. 228 p.

9 SARMENTO, Daniel. op.cit. 229/230 p.

10 MORAES, Alexandre de. op.cit. 25 p.

11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. 75 p.

12 LENSA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 12. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Método, 2008. 589 p.

13 SOARES, Mario Lúcio Quintão. Teoria do Estado: O substrato clássico e os novos paradigmas como pré-compreensão para o direito constitucional. Belo Horizonte: DelRey, 2001. 304 p.

14 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional: Teoria do Estado e da Constituição: Direito Positivo. 15. ed. rev. atual. Belo Horizonte: DelRey, 2009. 717 p.

15 CARVALHO, Kildare Gonçalves. op. cit. 717 p.

16 BULOS, Uadi Lammêgo. op. cit. 328 p.

17 LENSA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado.11. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Método, 2007. 680/700 p.

18 CARVALHO, Kildare Gonçalves. op. cit. 717 p.

[1]9 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. 374.p.

[2]0 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. 374.p.

[3] [8] SARLET. Ingo Wolfgang. op. cit. p. 379

18 GORZONI, Paula Fernanda Alves da Cunha. Supremo Tribunal Federal e a Vinculação dos Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares. Monografia apresentada à Sociedade Brasileira de Direito Público, SBDP/SP, 2007. p. 17.

19 SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 228.

20 SARMENTO, Daniel. op. cit. p. 240/241.

Trabalho de conclusão de curso de pós-graduação em Direito Processual no ano de 2012.

Dr. Marcos Andre Sarques - Professor, Advogado pós-graduado em Direito Processual, em Direito Internacional, em Direito Empresarial, entre outras especializações e atualizações.


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