O poder do mérito

Muito se fala em meritocracia no Brasil, país, que é além de ser conhecido internacionalmente por sua dimensão continental, pela futebol, pelo ritmo do samba e da bossa-nova, e atualmente como agente no cenário econômico global, também se caracteriza pela expressiva desigualdade social, sua mazela mais corrosiva.

A meritocracia ou conforme a etimologia, o poder do mérito, consiste na ideia de aquilo que se conquista, que se adquiri, produz ou cria, se dá em virtude de merecimento, isto é, tudo que repercute na vida do indivíduo é advento de suas oportunidades bem como de suas escolhas. Conceito nada mais justo, e que traz para o indivíduo a noção de responsabilidade pelos seus atos, pelo sua vida.

Contudo, quando se fala em Brasil, país divido em classes, baixa, média e alta, difícil fica argumentar a favor da aplicabilidade de tal conceito, ao nos depararmos com realidades tão distintas.

Me acompanhe nesse exercício hipotético reflexivo: hoje, dia 20 de março de 2020, nasceram duas crianças. A la Show de Truman, vamos supor que ambas fazem parte de um programa evolutivo, o qual tem por objetivo, não a evolução biológica, mas a cognitiva. Cada criança é colocada em cenários virtuais inteiramente diferentes, para se desenvolverem, intelectual e socialmente. A criança 1, foi inserida em uma família de classe alta, composta e estruturada com um pai e uma mãe, ambos com ensino superior, com excelente qualidade de vida (leia-se: com moradia própria, a qual tem energia, água e esgoto encanados, internet, acesso aos meios de comunicação, conforto, segurança, acesso a cultura - cinema, teatro, museus, bibliotecas-). A criança 2 foi inserida em uma família de classe baixa, composta e estruturada por um pai alcoólatra, uma mãe viciada em drogas, e ambos vivem em precárias condições de vida, leia-se: sem moradia própria, sem saneamento básico, sem internet, acesso deficitário a educação, convivência diária com o tráfico de drogas, violência, ineficiência estatal quanto a serviços de saúde, etc.).

Face a tais realidades tão discrepantes, faço a pergunta, essas crianças terão as mesmas oportunidades em suas vidas, crescerão com as mesmas possibilidades de desenvolvimento cognitivo? Nada garante que a criança 1 prospere, e a criança 2 sucumba as mazelas de sua vida, todavia o panorama da criança 1 é bem mais animador, e suas chaces de prosseguir com a mesma qualidade de vida são infinitamente superiores as chances da criança 2 pelo mesmo alçar um degrau no que essa já tinha desde de bebê.

O mérito numa sociedade com contextos extremamente antagônicos é mera ficção. Claro há exceções, pessoas que mesmo em situação de miserabilidade, conseguem conquistar uma vida dignamente aceitável, mas a que custo? É o mesmo que dar a duas pessoas a tarefa de pregar um prego em uma madeira, mas a apenas um é dado o martelo para fazê-lo. A que tem o martelo, facilmente cravara o prego na madeira, mas a que não o tem, desistirá, ou a um custo severo da sua integridade física, usando as próprias mãos, alcançará o objetivo.

Por fim, cumpre mencionar uma frase que ouvi certa vez, a qual muito bem traduz o pensamento exposto até aqui, "O sol nasce para todos, mas na selva, alguns tem mais garras e presas do que outros".