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5 de Maio de 2024

Promoção da liberdade e proteção religiosa no ambiente escolar

Publicado por Camila Moreira
ano passado

Na realidade verificada no estado do Espírito Santo, reiteradamente surge registros de que vem ocorrendo a prática de "orações/preces/manifestações religiosas durante a jornada escolar dos estudantes da educação básica, o que, em tese, viola a garantia do Estado laico, que é garantido pela Constituição Federal de 1988.

Para iniciar nossa contribuição, evocaremos a previsão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação ( LDB), Lei nº 9.394/96 sobre a oferta de"ensino religioso". Depreendemos do artigo 33 e respectivos parágrafos da mencionada lei o seguinte:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo. ( Redação dada pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. (Incluído pela Lei nº 9.475, de 22.7.1997)

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.

Diante da previsão supra, e considerando a citação de uma realidade local, consultamos ainda, a Resolução do Conselho Estadual de Educação, nº 3.777/2014 que estabelece normas para o funcionamento do sistema de ensino no estado do Espírito Santo. Neste instrumento, o ensino religioso está mencionado na proposta pedagógica para a educação básica da seguinte maneira:

Art. 190 O currículo do ensino fundamental é constituído por uma base nacional comum e por uma parte diversificada que, em conjunto, expressam os conhecimentos, os valores e as práticas necessárias ao processo formativo do educando nessa etapa da educação básica.

[...]

V – Área de ensino religioso: ensino religioso - de oferta obrigatória pelas instituições públicas de ensino e de matrícula facultativa para o estudante, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

[...]

§ 2º Os currículos devem incluir a abordagem, de forma transversal e integradora, de temas, observando-se o disposto na Resolução CNE /CP Nº 02, de 22 de dezembro de 2017 e os demais temas incluídos pelo Currículo do Espírito Santo, aprovado pelo CEE-ES.

O tema reaparece no artigo 361:

Art. 361 O currículo da educação escolar quilombola constitui parte importante dos processos sociopolítico e cultural de construção de identidades, e deverá:

[...]

IX – considerar a liberdade religiosa como princípio jurídico, pedagógico e político atuando de forma a:

a) superar preconceitos em relação às práticas religiosas e culturais das comunidades quilombolas, quer sejam elas religiões de matriz africana, quer não; e

b) proibir toda e qualquer prática de proselitismo religioso nas escolas;

Pelo exposto, encontramos determinações claras nas normas elencadas, que vedam a prática de proselitismo religioso no ambiente escolar. Desta forma, para tornar o entendimento mais amplo sobre como conduzir essa temática em unidades escolares da educação básica, convém mencionar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

O Ensino Religioso, a partir da BNCC, passa a se constituir como uma área do conhecimento. Assim como as demais áreas do conhecimento, possui objetivos, habilidades e competências que precisam ser consolidadas durante o processo formativo dos estudantes. Os objetivos propostos pela Base Nacional Comum Curricular convergem para uma educação pautada na paz, pois fundamentam-se na valorização dos Direitos Humanos, no diálogo, na alteridade e no reconhecimento das diferentes identidades.

Como uma das maiores dificuldades na oferta do ensino religioso como disciplina, é a capacitação dos profissionais da educação, temos hoje três modelos de ensino religioso: o Catequético, o teológico e o das Ciências da Religião. O primeiro, apresenta conteúdos e métodos de doutrinação, com o objetivo de expandir uma crença; o segundo, apresenta a cosmovisão como perspectiva e o diálogo com as diferentes manifestações religiosas, tendo como objetivo a formação moral e religiosa do cidadão; o terceiro, no entanto, busca elementos metodológicos e epistemológicos para um estudo de ruptura com o viés doutrinário, e esta é a proposta da BNCC.

O Ensino Religioso aparece na BNCC como um currículo de base científica e de parte constitutiva das ciências humanas, ou seja, um currículo fundado no paradigma das Ciências da Religião onde o fenômeno religioso é seu objeto de análise. O Ensino Religioso tem, assim, o compromisso de desmistificar conceitos naturalizantes, que ao longo da história foram instituídos por interesses políticos e de grupos religiosos. Diante de tudo isso, o professor de Ensino Religioso tem o desafio de contribuir na formação de indivíduos críticos e reflexivos, preparando-os para o exercício de uma sociedade mais democrática.

Ainda assim, compreendemos que a incorporação do Ensino Religioso na BNCC, não é o fim de uma cultura de dominação ou de uma reprodução monoculturalista, pois a escola de maneira velada sempre foi parte do aparelho ideológico do Estado.

Dessa forma, os critérios intelectuais, que buscam estudar o fenômeno religioso em sua complexidade, têm como maior desafio a formação de professores comprometidos com sua nova proposta de Diretriz Curricular Nacional. Caberá ao poder público oferecer cursos de capacitação específica e formação continuada para amenizar e combater o grande déficit existente na área.

Registramos por fim, que outro grande desafio do ensino religioso ainda permanece sendo a falta de material didático. Recurso este ainda muito limitado e, quando existe, seu conteúdo é sempre reproduzido por alguma matriz religiosa, étnica racial ou de gênero. O desafio é grande às instituições de ensino superior. No entanto, dos grandes desafios que são colocados ao Ensino Religioso, a BNCC pode ser o começo de uma renovação metodológica e epistemológica para a disciplina, isto é, uma educação mais pautada, nos fundamentos do pensamento científico, e neste viés, baseado na legislação em vigor e nesta proposta curricular para o país e seus sistemas de ensino, cumpre aos órgãos de fiscalização vetar a prática de proselitismo em respeito à diversidade escolar e às normas legais.

Camila F. Moreira - Pedagoga

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