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24 de Maio de 2024

Resenha: O Imaginário dos Juristas

RAMOS DE AGUIAR, Roberto Armando. O Imaginário dos Juristas. Revista de Direito Alternativo, n. 2. São Paulo, SP: Editora Acadêmica, 1993.

Publicado por Yara Oliveira
há 4 anos

Égide de ideários positivos, o comportamento atribuído ao portar jurista faz-se limitante, contraditório, paradoxal e excludente – categoria que o qualifica para uma profunda averiguação no que tange a sua essência e o seu impacto social. Mediante a análise empírica elaborada por Ramos de Aguiar (1993), questões referentes à utilização de um mesmo código linguístico, à geral convergência de posturas, ao extremo apego legal e à adoração estatal são responsáveis pela (re) produção severa de consequências sociais. Logo, por meio da vigente reverberação de teses conservadoras – questão responsável por prezar pela limitação do fazer legal na medida em que atingem minorias em detrimento da perpetuação de privilégios abastados –, o texto em questão objetiva analisar presentes contradições e paradoxos intrínsecos aos ideais propagados por juristas.

Em nome da desconstrução de práticas e conceitos discrepantes da realidade, o Direito anseia por adquirir uma nova faceta favorável à humanidade. Concebido como “os combatentes contra a desordem traduzida pelo novo, pelas transformações, pelas contestações, tanto no âmbito social quanto na esfera individual”, ao fazer jurista a tarefa de zelar por um status quo arcaico – preceito que preza por linearidade, hierarquia, justificações vazias e reprodução irrefletida de falas/atos – é preponderante para calar fontes populares que emanam seus próprios princípios, vontades e entendimentos enquanto clamam por uma efetiva participação na condução jurídica. Assim, a sustentação de Ramos de Aguiar (1993) revela a contundente equiparação do atual panorama legal às amarras inerentes à “Alegoria da Caverna (PLATÃO, 380 a. C., p. 237)” – fator que, pela evidência factual propagada, promove o desapego ao primitivo em detrimento da difusão de um observar crítico da realidade legal. Logo, sedento de metamorfose, o Direito tende a apreciar e a incorporar um ascendente respaldo conferido às diferentes vozes anteriormente silenciadas. Ao agregar diversidade, portanto, o legal tende a efetivar-se como um instrumento para uso amplo e irrestrito de qualquer cidadão.

No que concerne ao trabalhar e ao estudar, a essência de um jurista está arraigada no atraso. No âmbito dogmático, apresentam agilidade extrema. Inflexíveis, são capazes de apontar inconsistências em quaisquer tentativas de inovação. Limitados pelo estrato superior, de ordenamento atribuído aos ativos ditadores normativos, prezam pela imortalidade de escritos conservadores ao viabilizarem constância à existência de um direito exclusivo ao burguês. Amantes do fazer científico, são incapazes de suscitar reflexões, logo perenizam sanções, punições e preconceitos aos marginalizados seres da sociedade – esses reconhecidos apenas como partes integrantes de um processo, não como entes humanizados. O Direito torna-se, por conseguinte, um objeto moldado pelo Estado e ao jurista a função de conferir alicerces aos promulgados dogmas faz-se primordial para a manutenção do domínio social. Desse modo, segundo o posicionamento do autor, a lógica resultante ao êxito desses atos apresenta consequências nefastas. A irreflexão verbalizada pela constância jurídica camufla a eficácia de uma justiça – em tese – universal e preza pelo favorecimento elitista, mesmo quando indevido. Tal postura corrobora para a sistemática negação da sociedade, dos seus feitos (esses possuidores de nuances econômicos, políticos e/ou existenciais) e da viabilidade de novos paradigmas.

No que tange à rotina de um jurista, inconsistências lhes são atribuídas. Sob a ótica de Ramos de Aguiar (1993), a contradição fadada à vivência num cotidiano marcado pelo discrepante é concomitante a um apego reacionário que crê na harmonia mundana. Tal portar faz-se, portanto, paradoxal devido à impossibilidade de existência mútua entre perturbações socias e plena serenidade judicial – fator que agrega concepções volúveis os juristas, que devem apresentar-se funcionalmente como profissionais de ditames alheios enquanto integram a classe de cidadãos que necessitam de mudanças estruturais para afirmarem-se. Como consequência, a supressão da licitude atribuída às reivindicações populares de inúmeros teores – essas protagonizadas pelo suscitado amparo jurista às concepções dominantes – instila olhares errôneos direcionados à bandeira progressista. Consoante ao ponto de vista a-histórico, colonialista e preconceituoso, memoriosas transformações são banalizadas, negadas e distorcidas, ao fazer legal apenas a perspectiva estatal é considerada e pretéritos nada significam perante a presente conjuntura comunitária.

A preponderância autoritária e inflexível, desse modo, agrega exclusividade à relação entre Estado e Direito dentro do cenário então salientado. Essa parceria, ao ser validada pela ampla conversão dos dizeres governamentais em escritos legais, exprime um monopólio que zela pela continuidade oligárquica – noção que se faz imperiosa para calar marginalizados atores e fontes que elaboram diretrizes válidas, porém não incorporadas, à doutrina elementar do Direito. Mediante tal postura excludente, um suposto aprimoramento estatal é revogado em nome da equiparação de sujeitos a objetos. Parte meramente integrante de ações e trâmites judiciais, a massa humana componente dos estamentos basais sofrem o efeito de uma coisificação que expõe a inexistência de uma universalidade normativa – noção pautada na discrepância diametralmente oposta de direitos e deveres entre ricos e pobres – ao passo que nega a concretude social, ratifica o respaldo conferido pela alienação e perpetua a precariedade de um desvelo dado ao lapidar normativo.

Diante do agir arcaico em que juristas alicerçam-se, certas perspectivas advindas são passíveis de apreciação em nome da ânsia por completa metamorfose da presença e do amparo jurídico. Primeiramente, a heterogeneidade de emissões legais deve ser reconhecida. Apesar da ampla instrução populacional não restringir-se unicamente ao legislar, a real possibilidade de dano social imbuído pela conduta de outrem viabiliza reações e questionamentos legítimos perante a estrutura vigente. Desse modo, a noção de democracia deve acolher, ouvir e sintetizar dizeres de toda e qualquer pessoa/comunidade para que garantias de isonomia, isocracia e isegoria sejam difundidas. Obviamente, esse caminho não conduz coesões sociais ao status de utopias, no entanto a mínima paixão por um lapidar/evoluir produz bem-estar a um número ascendente de pessoas – questão que deve sempre ser objetivada. Concomitante à destituição de uma restrita fonte normativa, para que o Direito goze de particularidades humanizadas faz-se necessária a publicação de livros, artigos e conteúdos análogos que possam servir de égide para essa transformação. Assim como Lyra Filho procedeu, novas editoras independentes de amarras vetustas devem ser criadas para difundir o novo pensar. Mediante tal ato, enquanto a possibilidade de criação de novas escolas e correntes jurídicas valida ampla luta por ideais em seres majoritariamente recém-chegados ao meio, a anexação de instituições por convênios suscita o debate e a contribuição coletiva de entes experientes ou simplesmente interessados na temática. Por fim, segundo a presente contribuição de Ramos de Aguiar (1993), “a dimensão operatória dos sonhos, das utopias e da paixão é traduzida pela ousadia [...]; o pensar ousado pede a práxis ousada”.

  • Sobre o autorEstudante de Direito na Universidade de Brasília (UnB)
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