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17 de Junho de 2024
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    Semipresidencialismo à brasileira

    A (im)possibilidade de o Brasil adotar o sistema semipresidencialista

    Publicado por Yan Nunes
    há 6 meses

    Resumo do artigo

    O artigo busca analisar, de maneira sucinta, o sistema de governo semipresidencialista, comparando as realidades constitucionais do Brasil e da França. A pergunta posta é: "é impossível ou possível a adoção do sistema semipresidencialista pelo Brasil?" A análise foi feita com embasamento nas deliberações do Grupo de Trabalho da Câmara dos Deputados (GTSISGOV) que foi instalado na 56ª Legislatura com o objetivo de debater temas relacionados ao sistema de governo semipresidencialista.

    1. INTRODUÇÃO

    A evolução dos sistemas de governo tem sido tema de considerável interesse no cenário político global, particularmente a ascensão e a consolidação do semipresidencialismo. Este artigo propõe explorar o contexto do semipresidencialismo à luz da realidade brasileira, avaliando a viabilidade de sua adoção no país.

    Inicialmente, será analisado o modelo francês, um dos primeiros países a adotar o sistema semipresidencialista, traçando suas características fundamentais e os elementos que contribuíram para sua implementação e funcionamento.

    Posteriormente, serão examinadas as peculiaridades do presidencialismo brasileiro, destacando suas nuances e os pontos que o distinguem como modelo de governo.

    Em seguida, este artigo abordará a perspectiva da (im) possibilidade de o Brasil adotar o sistema semipresidencialista, considerando o parecer do grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, que oferece uma análise crítica sobre os desafios e as perspectivas da aplicação desse modelo no contexto nacional.

    Por fim, será discutida uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, embora não tenha sido formalmente apresentada, tinha como propósito instaurar o sistema semipresidencialista no Brasil, destacando os motivos e os obstáculos que impediram sua tramitação. Este estudo busca oferecer uma análise para responder à pergunta: é impossível ou possível a adoção do sistema semipresidencialista pelo Brasil?

    2. O MODELO FRANCÊS

    A promulgação da Constituição de 1958 na França marcou um ponto crucial na história do país, representando uma virada significativa após décadas de instabilidade política e crises institucionais. Este marco histórico não apenas estabeleceu os fundamentos legais e políticos da Quinta República, mas também desempenhou um papel fundamental na consolidação da estabilidade e na governança do país. (Tavares, 2018, p. 66)

    Antes da adoção da Constituição de 1958, a França enfrentou períodos turbulentos, incluindo a instabilidade política durante a Terceira e Quarta Repúblicas. Esses períodos foram caracterizados por uma sucessão de governos frágeis, frequentes mudanças de gabinete, instabilidade econômica e social, além de crises políticas que minaram a eficácia do governo e enfraqueceram a autoridade do Estado, principalmente, durante a Guerra da Argélia. (Tavares, 2018, p. 66)

    A Constituição de 1958 foi um divisor de águas ao introduzir um sistema político semipresidencialista, com a figura do presidente ganhando maior poder e estabilidade institucional. Ao estabelecer uma estrutura que combinava elementos presidenciais e parlamentares, a nova Constituição visava criar um equilíbrio entre um executivo forte e um legislativo ativo. (Tavares, 2018, p. 66)

    Alguns estudiosos franceses não adotam o termo "semipresidencialismo" ao descrever o funcionamento dos mencionados elementos políticos. Vale ressaltar que essa nomenclatura é comum na obra de Duverger (1993), onde ele a utiliza para descrever um sistema de governo caracterizado pela presença de um Poder Executivo dividido, composto por um Presidente eleito por voto direto e com atribuições significativas, e por um Governo que responde, por meio do Primeiro-Ministro, perante o Parlamento. (Duverger, 1993, p.13-46 apud Almeida, 2020, p. 132)

    No aspecto de equilíbrio institucional, cumpre reforçar que o semipresidencialismo é um sistema que demonstra uma opção viável e construtiva entre os modelos clássicos do parlamentarismo e do presidencialismo. (Almeida, 2020, p. 132)

    Para tornar o entendimento melhor, vejamos o seguinte trecho:

    Para colocar um fim à instabilidade governamental, para afirmar o poder do executivo e moderar o do legislativo, os “pais” da Vª República imaginaram um sistema no qual o governo não procede mais das assembleias, a separação dos poderes é reorganizada e a atividade do Parlamento estritamente delimitada e regulamentada. A Constituição de 4 de outubro de 1958 coloca, efetivamente, um termo ao “parlamentarismo absoluto” dos regimes que o haviam precedido. Na opinião dos constituintes de 1958, o Parlamento, que não deve ser mais o único soberano, ocupa somente o terceiro lugar no seio da hierarquia dos poderes públicos, atrás do presidente da Républica e do Governo. (França, 1993, p. 5)

    Cumpre reforçar que a divisão de atribuições do Poder Executivo no sistema semipresidencialista é evidente, uma vez que está compartilhado entre um Presidente com competências políticas e administrativas externas, e um Primeiro-Ministro que detém atribuições de gestão pública e administração interna, podendo ser destituído pelos deputados, a exemplo dos sistemas parlamentares. (Almeida, 2020, p. 132)

    Diante dessa nítida separação de funções, o sistema semipresidencialista da França se tornou muito singular. O Presidente da República é eleito pelo sufrágio universal para um mandato de cinco anos, com a possibilidade de reeleição. Já o Primeiro-Ministro é escolhido pelo Presidente. Geralmente, o candidato selecionado para assumir o cargo de Primeiro-Ministro é membro proveniente do partido ou da coalizão com maior representação na Assembleia Nacional, já que lidera a corrente política mais influente dentro da maioria parlamentar da Assembleia Nacional Francesa. No entanto, o presidente da República tem a possibilidade de nomear uma figura que não seja membro nem da câmara dos deputados nem do senado. (Aragão, 2017, p. 35)

    Indubitavelmente, a seleção apropriada Primeiro-Ministro, que irá comandar o Governo, é um dos atos estratégicos mais significativos para o Presidente. Mesmo quando há alinhamento entre a maioria presidencial e a da Assembleia, a escolha de um representante político do Legislativo ou de um administrador competente requer que essa figura tenha respaldo no parlamento. De igual modo, o presidente não pode ignorar as correntes partidárias que lhe oferecem suporte na formação do gabinete, pois o uso efetivo dessa atribuição é um aspecto crucial para garantir apoio político. (Tavares, 2018, p. 75)

    Conforme será discutido adiante, uma vez que o Governo necessariamente representa a maioria parlamentar, as relações entre o Executivo e o Legislativo são menos tensas do que em Estados com regime presidencialista, como é o caso do Brasil. (Aragão, 2017, p. 36)

    Algumas atribuições do Presidente francês merecem destaque, incluindo, mas não se limitando a, liderar o Conselho de Ministros; sancionar as leis ou solicitar ao Poder Legislativo uma revisão antes de um determinado prazo; encaminhar para referendo propostas de legislação à estrutura dos órgãos públicos e mudanças nas áreas de política econômica, social, ambiental ou serviços públicos, entre outras. (Almeida, 2020, p. 133)

    Outrossim, existem responsabilidades como ratificar decretos e determinações acordadas pelo Conselho de Ministros, designar certas classes de funcionários civis e militares, habilitar os embaixadores e os representantes especiais, liderados pelas Forças Armadas, tomar medidas de caráter urgente, assim como indicar o Diretor e três membros do Conselho Constitucional, e também ingressam na Corte como membro vitalício ao término de seu mandato. (Almeida, 2020, p. 133)

    Por sua vez, o Governo estabelece e orienta a política da Nação, controlando a Administração e as Forças Armadas. Assim sendo, é o Primeiro-Ministro encarregado das ações do Governo, assumindo a responsabilidade pela defesa nacional e garantindo a execução das leis, isto é, exercendo poder regulamentar, contudo, em colaboração com o Presidente da República. Além disso, ao Primeiro-Ministro compete convocar reuniões extraordinárias do Parlamento, iniciar o processo legislativo em conjunto com os deputados e senadores, provocar procedimentos para votos de confiança e apor a sua contra-assinatura, em conjunto com os ministros de estado, em alguns atos do Presidente da República (Almeida, 2020, p. 133).

    No que diz respeito à saída do cargo, o Presidente só encerrará as funções do Primeiro-Ministro quando este apresentar formalmente o pedido de demissão do Governo (art. 8º). Portanto, enquanto mantiver o respaldo do Parlamento, o Primeiro-Ministro não pode ser impedido de permanecer no cargo, caso opte por fazê-lo. Somente diante de uma séria inconveniência política é que esse funcionário público cederia ao desejo oposto do Presidente, optando voluntariamente por apresentar sua renúncia. (Almeida, 2020, p. 134).

    Por outro lado, o Governo, representado pelo Primeiro-Ministro, é politicamente responsável perante a Assembleia Nacional, o que implica na capacidade desta Casa Legislativa votar uma moção de censura. Esse movimento é considerado válido se assinado por, no mínimo, um décimo de seus membros, podendo ser contratado após um período de 48 horas, caso obtenha o apoio da maioria dos membros da Assembleia. (Maculan; Marinho, 1974, p. 73).

    Por outro lado, o Primeiro-Ministro também pode propor a responsabilidade do Governo em relação ao seu programa, a uma declaração de política geral ou mesmo a um projeto de lei orçamentária, de financiamento da seguridade social ou qualquer outra proposta legislativa - neste último caso, uma sessão legislativa apenas. Estas propostas serão consideradas aprovadas, a menos que uma moção de censura seja votada nas condições previamente delineadas (art. 49). Se a Assembleia Nacional adotar um movimento de censura ou desaprovação do programa ou uma declaração de política geral do Governo, o Primeiro-Ministro é obrigado a enviar a renúncia do Governo ao Presidente da República (art. 50), sem margem para interpretação livre (Maculan; Marinho, 1974, p. 74).

    Se a censura ao Governo for votada, este é obrigado a apresentar sua renúncia, a menos que o Presidente da República responda à censura pela dissolução da Assembleia Nacional. [...] A dissolução aparece como uma arma de dois gumes, apesar de ter a mesma sido concebida, originariamente, como um mecanismo constitucional destinado a garantir ao Executivo uma maior estabilidade perante ao Parlamento. (Maculan; Marinho, 1974, p. 74)

    É interessante observar que essa estrutura constitucional leva o Presidente, dependendo dos recursos políticos disponíveis, a se encontrar em duas situações opostas. Por um lado, se ele contar com uma maioria parlamentar sólida e garantir a cooperação de um Primeiro Ministro aliado, exercerá plenamente toda a autoridade conferida ao Poder Executivo. Essa é, por sinal, a situação normal ou mais comum desde a promulgação da Constituição de 1958, evidenciada nos mandatos de Charles de Gaulle (1959-1969), Georges Pompidou (1969-1974) e Valéry Giscard d'Estaing (1974-1981). É fato que, sem alterações no texto constitucional, eles exerceram plena capacidade de direção na condução geral do governo, mesmo em questões formais designadas para determinados Primeiros-Ministros (Almeida, 2020, p. 135).

    Em contrapartida, quando o Presidente se depara com uma maioria adversária no Parlamento, não pode persuadir (ou submeter) o Primeiro-Ministro a adotar a sua visão política, e tampouco possui garantias de sua lealdade. Nessa circunstância, ele se vê obrigado a nomear um Primeiro Ministro aceito (ou seja, indicado) pela maioria parlamentar, sob o risco de a oposição derrubar qualquer Governo que o desagrade em apenas 48 horas. É precisamente nesse cenário, em que o Presidente e o Primeiro Ministro têm orientações políticas divergentes, que se convencionou chamar de coabitação Almeida, 2020, p. 135).

    Certamente, no entanto, o Presidente da República poderia responder com a dissolução da Assembleia Nacional, um mecanismo constitucional que levaria a uma nova eleição em um intervalo de 20 a 40 dias após essa medida, considerando a tentativa de buscar a maioria necessária que ela estava faltando. Se, de um ponto de vista, essa escolha demonstra a vantagem de conferir a decisão final ao povo, de acordo com Maurice Duverger, os “cidadãos não gostam de ser tomados por imbecis e geralmente confirmam seus votos, quando se diz a eles que erraram o jogo e precisam recomeçar a partida”. (Duverger, 1993, p.13-46 apud Almeida, 2020, p. 135)

    Caso uma nova configuração da Assembleia permaneça necessária ou se o Presidente optar por não utilizar o direito de dissolução, ele será obrigado a aceitar um Primeiro Ministro da oposição. Nesse cenário, seus poderes de governo serão efetivamente reduzidos a um mínimo, como observado pela primeira vez durante a coabitação entre François Mitterrand e Jacques Chirac (1986-1988). (Almeida, 2020, p. 135)

    Em relação ao Poder Legislativo da França, eles adotaram o sistema bicameral, composto pela Assembleia Nacional e pelo Senado. Ambos têm o dever constitucional de supervisionar as atividades do Governo e avaliar as políticas públicas. Nesse contexto, o Presidente da Assembleia Nacional é nomeado para a totalidade da legislatura, enquanto o Presidente do Senado é eleito a cada renovação parcial deste órgão. Além disso, as propostas são discutidas e votadas por ambas as Casas, as quais conjuntamente têm funções semelhantes, apesar de a Assembleia Nacional ser reconhecida como o verdadeiro representante do povo (Almeida, 2020, p. 133).

    A Assembleia Nacional foi designada e recebeu essa nomenclatura em 17 de junho de 1789, quando os representantes do Estado procuravam um nome adequado para indicar a representação da nação francesa como um todo. No presente, essa casa legislativa é apresentada por 577 parlamentares escolhidos em um número equivalente de áreas eleitorais, representando aproximadamente 100.000 eleitores cada. É crucial salientar que a Constituição francesa faz referência a uma lei orgânica que define a extensão do mandato dos parlamentares (Aragão, 2017, p. 36).

    O Senado da França é reconhecido como Câmara superior da legislatura francesa. Seus membros são eleitos por sufrágio universal indireto, através de um colégio eleitoral composto por cidadãos escolhidos para cargos locais ou membros do Conselho Superior dos Franceses no Exterior, para exercer um mandato de seis anos, renovável em cinquenta por cento a cada três anos. No momento, a assembleia conta com 348 senadores, sob a liderança do presidente correspondente. Como resultado, o Senado é considerado uma assembleia permanente, o que implica que não pode ser dissolvido (Aragão, 2017, p. 37).

    No que diz respeito às atividades legislativas, as sessões são realizadas de forma pública e os debates são oficialmente registrados, permitindo comissões reservadas mediante solicitação do Primeiro Ministro ou de um décimo dos membros de cada Casa. Adicionalmente, a responsabilidade política do Governo pode ser contestada pela Assembleia Nacional através de instrumentos como movimento de censura, excluído de um programa ou desaprovação de uma declaração de política geral do Governo (Almeida, 2020, p. 134).

    3. O MODELO BRASILEIRO

    Conforme previsto pelo artigo 76 [1] da Constituição Federal de 1988, é sabido que o Brasil adota o sistema presidencialista. Nesse sentido, o Poder Executivo é unitário, caracterizado pela concentração das funções de chefe de Estado e de chefe de Governo nas mãos do Presidente da República. Dessa forma, o país segue a doutrina da separação dos poderes de maneira bastante próxima à concepção original de Montesquieu, com ajustes influenciados pelos fundamentos dos fundadores norte-americanos (Almeida, 2020, p. 145).

    Nessa perspectiva, o Presidente da República será eleito por meio de voto direto de todos os cidadãos, para um período de quatro anos, conforme artigo 77 [2], §§ 1º a 5º [3], da Constituição Federal, com a possibilidade de ser reeleito para apenas um mandato subsequente (artigo 14, parágrafo 5) . Após ser eleito por maioria absoluta de votos (desconsiderando os votos em branco e nulos), ele assumirá a carga em uma sessão do Congresso Nacional, fazendo o compromisso de defender, respeitar e cumprir a Constituição, seguir as leis, promover o bem-estar geral do povo brasileiro, e preservar a união, a integridade e a independência do Brasil [4]. (Almeida, 2020, p. 145).

    Compete privativamente ao Presidente da República, dentre diversas outras responsabilidades, a incumbência de designar e demitir os Ministros, exercer a supervisão máxima da administração federal com o auxílio deles, iniciar o processo legislativo em determinadas situações, sancionar, promulgar e publicar leis, além de leis emitir decretos e leis para garantir sua fiel execução. Ele também pode dispor, por meio de decreto, sobre certos assuntos, vetar projetos de lei e criar medidas provisórias com força de lei, estabelecer relações com Estados estrangeiros e credenciar seus representantes diplomáticos, firmar tratados, convenções e acordos internacionais, sujeitos a propostas pelo Congresso Nacional (Almeida, 2020, p. 145).

    Além disso, é da competência presidencial de declarar o estado de defesa e o estado de sítio, executar uma intervenção federal com a liderança das Forças Armadas, e indicar, mediante aprovação do Senado Federal, dos Ministros do STF e dos Tribunais Superiores, assim como outras autoridades e servidores, conforme previsto pela legislação em vigor (Almeida, 2020, p. 145).

    Ao Presidente da República são atribuídas exclusivamente várias responsabilidades, incluindo a designação e dispensa de Ministros, a supervisão superior da administração federal em conjunto com eles, a possibilidade de iniciar o processo legislativo em certas situações, a aprovação, promulgação e publicação das leis, além da emissão de decretos e regulamentações para garantir sua execução adequada. O Presidente também tem a capacidade de legislar por meio de medidas provisórias em temas específicos, vetar projetos de lei e criar medidas provisórias com poder de lei, estabelecer relações com Estados estrangeiros, credenciar diplomatas, celebrar tratados, convenções e acordos internacionais sujeitos à revisão pelo Congresso Nacional. Além disso, possui o poder de declarar o estado de defesa e o estado de sítio, lideranças federais, lideradas pelas Forças Armadas e nomear, mediante aprovação do Senado Federal, dos Ministros do STF e dos Tribunais Superiores, assim como outras autoridades e funcionários, conforme previsto na legislação (Almeida, 2020, p. 145).

    O Poder Legislativo, por sua vez, é exercido pelo Congresso Nacional, constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, de acordo com o art. 44 [5] da Carta Magna. A Câmara dos Deputados é formada por 513 representantes eleitos pelo povo, utilizando o sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal, para mandatos de quatro anos. Enquanto isso, o Senado Federal é composto por 81 representantes dos Estados e do Distrito Federal, em um total de três por unidade política, escolhidos de acordo com o princípio majoritário para mandatos de oito anos, com renovação de um terço e dois terços a cada quatro anos, de forma alternada, conforme art. 45 [6] e art. 46 [7] da Carta Política (Aragão, 2017, p. 20).

    O conjunto de responsabilidades do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal é vasto e minucioso. Para simplificar, pode-se dizer que o Poder Legislativo estipulado pela Constituição de 1988 tem como funções clássicas a criação de leis e a supervisão das ações do Poder Executivo. Quanto a esta última função, é dividida entre as duas Casas a responsabilidade pelo processo de impeachment do Presidente da República, sendo à Câmara atribuída a autorização para iniciar o processo e ao Senado a incumbência de julgar os crimes de responsabilidade do presidente, sem questionar sua responsabilidade puramente política (Aragão, 2017, p. 21).

    Por conseguinte, as atribuições do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal são abrangentes e minuciosas, pode-se afirmar que o Poder Legislativo definido pela Constituição de 1988 possui como tradicionais responsabilidades: a de criar leis e supervisionar as ações do Poder Executivo. No que diz respeito a esse segundo aspecto, a competência para o impeachment [8] do Presidente da República é dividida entre as duas Casas, cabendo à Câmara a autorização para iniciar o processo e ao Senado o julgamento dos crimes de responsabilidade cometidos por ele, sem questionar sua responsabilidade meramente política. (Almeida, 2020, p. 146)

    De acordo com os artigos 64 [9] e 65 [10] da Constituição Cidadã, destaca-se que a discussão e votação dos projetos de lei propostos pelo Presidente da República começarão na Câmara dos Deputados, garantindo, para tais projetos, a supremacia da vontade desta Casa sobre o Senado, caso haja discordância em relação a uma proposta alterada, já que a decisão final cabe à Câmara que iniciou o processo. Isso, no entanto, não ocorrerá nos casos em que o projeto for rejeitado e, consequentemente, arquivado de forma definitiva. (Almeida, 2020, p. 146)

    O sistema presidencialista, não apenas o modelo brasileiro, tem sido alvo de críticas por centralizar apenas a figura do candidato à presidência, destacando demais sua imagem e, por conseguinte, promovendo o papel do partido político e do debate de ideias. Isso, na última análise, facilita a concentração de poder em uma única pessoa e pode resultar no surgimento de governos autoritários. Além disso, o modelo de separação de poderes é apontado como responsável pelo aumento excessivo da política na gestão administrativa e por dificuldades na resolução de crises de governabilidade quando a câmara legislativa e a presidência são controladas por partidos políticos diferentes. (Almeida, 2020, p. 147)

    Ignorando os demais problemas para focar nas situações de impasse entre o Legislativo e o Executivo, é evidente que uma relação tumultuada entre esses poderes não teria uma solução simples no presidencialismo, pois carece de ferramentas similares ao semipresidencialismo (ou parlamentarismo) para garantir um governo com respaldo político. Apesar da grande legitimidade democrática do Presidente, é inegável que implementar seu plano de governo e obter aprovação de suas políticas públicas é essencial para o apoio do poder legislativo, especialmente no contexto brasileiro. Isso não se deve apenas à legislação comum, mas principalmente à constante necessidade de reformas constitucionais. (Almeida, 2020, p. 147)

    Embora os temores observados na transição para a democracia sobre nossos arranjos constitucionais, que se planejados possam causar instabilidade política e paralisia nas decisões, não foram concretizados completamente, períodos de crise na governabilidade não foram raros. Assim, ainda não se tem uma resposta definitiva sobre se, além da influência pessoal de líderes políticos proeminentes, nossa estrutura constitucional é suficiente para garantir uma atuação governamental eficaz. (Almeida, 2020, p. 148)

    Apesar dos desafios, o sistema presidencialista no Brasil tem se mostrado resiliente ao longo das décadas. A Constituição de 1988 estabeleceu um sistema de freios e contrapesos entre os poderes, buscando equilibrar a autoridade presidencial com a necessidade de aprovação legislativa. A pluralidade partidária e a diversidade ideológica no Congresso também são características marcantes desse sistema, refletindo a complexidade e a riqueza do cenário político brasileiro.

    Indubitavelmente, o sistema presidencialista no Brasil é um modelo que confere poderes significativos ao Presidente da República, mas que também exige negociação e diálogo constantes entre os poderes para alcançar uma governabilidade efetiva e representativa. É um sistema em constante evolução, moldado pelas demandas e desafios de uma sociedade dinâmica e diversa.

    Em resumo, enquanto o Brasil adota um sistema presidencialista com forte centralização de poder no presidente, a França possui um sistema semipresidencialista que combina elementos presidenciais e parlamentares, distribuindo certas responsabilidades entre o presidente e o primeiro-ministro, detalhes que serão abordados na seção seguinte.

    4. A (IM) POSSIBILIDADE DE O BRASIL ADOTAR O SISTEMA SEMIPRESIDENCIALISTA

    Para iniciar este segmento, é imprescindível retornarmos à pergunta que este trabalho tem o objetivo de responder, ou seja, é impossível ou possível a adoção do sistema semipresidencialista pelo Brasil? A resposta será realizada sob a perspectiva jurídica e política.

    Em relação à análise jurídica, conforme relatório final aprovado pelo Grupo de Trabalho Destinado a Analisar e Debater Temas Relacionados ao Sistema de Governo Semipresidencialista (GTSISGOV), é plenamente possível o Brasil adotar o sistema semipresidencialista, desde que ocorra uma consulta a população para dar legitimidade a alteração.

    Para chegar a essa conclusão, primeiramente, foi necessário um complexo trabalho do GTSISGOV, esse Grupo de Trabalho foi criado por Ato do Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira, datado de 16 de março de 2022. (Brasil, 2022, n.p)

    Os trabalhos contaram com deputados e deputadas: Enrico Misasi (MDB-SP), Felipe Rigoni (UNIÃO-ES), Luisa Canziani (PSD-PR), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), Marcel van Hattem (NOVO-RS), Margarete Coelho (PP-PI), Samuel Moreira (PSDB-SP) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Além do mais, o GTSISGOV contou com Conselho Consultivo formado por juristas e pesquisadores de sólida formação teórica e extensa experiência política e legislativa: Michel Miguel Elias Temer Lulia, Ellen Gracie Northfleet, Nelson Azevedo Jobim, Elival da Silva Ramos, Jorge Octávio Lavocat Galvão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Monica Herman Salem Caggiano, Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch. (Brasil, 2022, n.p)

    Os expedientes do GTSISGOV foram distribuídos em dezesseis encontros, entre audiências públicas e reuniões dos conselhos, que perduraram ao longo de março a outubro do ano de 2022. A discussão foi feita com base em três grandes grupos temáticos: sistemas de governo, semipresidencialismo, semipresidencialismo no Brasil, e neste trabalho, daremos ênfase ao último ponto.

    Conforme adiando, o semipresidêncialismo no Brasil não se trata de uma cláusula pétrea e por isso poderá ser adotado, porém, para sua real aplicação se torna fundamental estabelecer uma engenharia constitucional que vai além da consulta popular.

    O semipresidencialismo no Brasil, de acordo com o GTSISGOV, passará necessariamente pela: 1) eleição popular direta do presidente da República; 2) indicação do primeiro-ministro pelo presidente da República para exercício do cargo enquanto dispuser de confiança da maioria parlamentar; 3) separação entre chefia de Estado, exercida pelo presidente da República, e chefia de governo, exercida pelo primeiro-ministro.

    Temas como Distribuição de competências entre presidente da República e Primeiro-Ministro, também foram objeto de deliberação, assim, chegou-se a seguinte sugestão de atribuições para o aquele: a) indicar e nomear o primeiro-ministro; b) nomear os ministros de Estado; c) receber e aprovar o programa de governo do primeiro-ministro; d) exercer o comando supremo das Forças Armadas; d) iniciar o processo legislativo; e) sancionar e vetar projetos de lei; f) promulgar e fazer publicar as leis; g) decretar o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal; h) convocar e presidir o Conselho da República. (Brasil, 2022, n.p)

    No tocante ao Primeiro-Ministro foi estabelecido: a) exercer a direção superior da administração federal; b) elaborar o plano de Governo e submetê-lo à aprovação do Congresso Nacional; c) indicar, para nomeação pelo presidente da República, os ministros de Estado e solicitar a exoneração destes; d) indicar o Advogado-Geral da União, bem como o presidente e os diretores do Banco Central; e) promover a unidade da ação governamental, elaborar planos e programas nacionais e regionais de desenvolvimento, submetendo-os ao Congresso Nacional; f) expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis; g) editar decretos autônomos; h) enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamentos; i) prestar contas, anualmente, ao Congresso Nacional, até sessenta dias após a abertura da sessão legislativa; j) prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; k) proferir pronunciamento, por ocasião da abertura da sessão legislativa para expor a situação do País e informar as providências a serem adotadas pelo Governo, apreciando a realização das metas previstas no Plano Plurianual de Investimentos e nas leis orçamentárias; l) estabelecer as diretrizes gerais da política, assumindo por isso integral responsabilidade. (Brasil, 2022, n.p)

    Outro ponto importante está associado ao procedimento de escolha do Primeiro-Ministro, bem como de votação de sua nomeação e plano de governo pelo Congresso Nacional. Poder-se-ia presumir que, por tratar-se de um assunto ligado à representação popular, sua discussão se limitasse à deliberação na Câmara dos Deputados. O Senado Federal ocuparia, nesse cenário, uma posição distinta no contexto institucional, evidenciada pelo fato de não estar sujeito à dissolução, ao contrário da Câmara. Outra possibilidade seria considerar que, sendo um tema que demanda amplo consenso nacional, a nomeação do primeiro-ministro deveria ser ratificada separadamente tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal. Embora argumentos sólidos possam ser apresentados a favor de ambas as abordagens, assim como outras alternativas, propõe-se, neste relatório, uma via intermediária: a realização de uma sessão conjunta no Congresso Nacional, onde cada parlamentar teria um voto no processo de escolha do primeiro-ministro. (Brasil, 2022, n.p)

    Para resumir, foram abordados temas fundamentais para a efetivação do semipresidencialismo no Brasil, dentre eles podemos destacar: Responsabilização do primeiro-ministro, contrato de coalizão e programa de governo e perspectiva de coabitação. No entanto, sob a ótica deste trabalho as informações fornecidas acima se mostram razoáveis, mas que podem ser objeto de uma pesquisa futura mais aprofundada.

    Sob a perspectiva política, a adoção do sistema semipresidencialista se torna complexo, pois necessita de apoio político, consenso e interesse da maioria qualificada dos parlamentares para debater e aprovar a mudança.

    O plebiscito, na forma de um Projeto de Decreto Legislativo, foi o último ato do GTSISGOV, tendo em vista a legitimidade popular como força para alteração do sistema de governo. Na oportunidade, os eleitores iriam responder a seguinte pergunta: “O Brasil deve adotar o sistema de governo semipresidencialista, em que o presidente da República é eleito diretamente pelo povo e indica o nome de um primeiro-ministro para a aprovação do Congresso Nacional?” (Brasil, 2022, n.p)

    Importante frisar que o ambiente político e de negociação favorável é fundamental, evidentemente, essas medidas envolvem posicionamentos partidários, divergências ideológicas, interesses setoriais e até mesmo estratégias políticas de determinados grupos que influenciam o capital político. Em suma, é possível sim a mudança de sistema no Brasil, desde que exista vontade e interesse político.

    4.1. A Proposta de Emenda à Constituição que tentou instituir o Sistema Semipresidencialista de Governo no Brasil

    Para analisar o processo de alteração da Constituição brasileira, é essencial entender que o procedimento legislativo pode ser visto por meio de duas perspectivas. A primeira, chamada de visão ampla, está associada às funções distintivas do Poder Legislativo, que basicamente consistem em criar leis, fiscalizar e ser a representação do povo brasileiro. Essas medidas viabilizam o cumprimento das atribuições do Congresso Nacional, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 49).

    A segunda, referida abordagem restrita, está ligada aos passos envolvidos na elaboração de uma lei, ou seja, o conjunto de procedimentos sequenciais realizados para a criação de uma regra específica. Isso representa uma característica intrínseca ao Poder Legislativo, que, conforme a primeira abordagem, possui competência para legislar (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 49).

    Essas etapas sequenciais e estruturadas são descritas pelo pesquisador Pedro Lenza da seguinte forma: “o processo legislativo consiste nas regras procedimentais, constitucionalmente previstas, para a elaboração das espécies normativas, regras estas a serem criteriosamente observadas pelos ‘atores’ envolvidos no processo.” (Lenza, 2022, p. 645)

    A Constituição, em seu artigo 59 [11], lista as formas normativas: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; medidas provisórias; decretos legislativos; resoluções. Nesse momento, iremos focalizar a análise das emendas à Constituição.

    A Lei Maior é a base primordial do direito nacional, sendo o fundamento principal do nosso sistema jurídico, como destacado por Gilmar Mendes e Paulo Gustavo:

    A Constituição, em sentido formal, é o documento escrito e solene que positiva as normas jurídicas superiores da comunidade do Estado, elaboradas por um processo constituinte específico. São constitucionais, assim, as normas que aparecem no Texto Magno, que resultam das fontes do direito constitucional, independentemente do seu conteúdo. Em suma, participam do conceito da Constituição formal todas as normas que forem tidas pelo poder constituinte originário ou de reforma como normas constitucionais, situadas no ápice da hierarquia das normas jurídicas. (Mendes; Branco, 2017, p. 68)

    O Ministro Alexandre de Moraes menciona: “Constituição, lato sensu, é o ato de constituir, de estabelecer, de firmar; ou, ainda, o modo pelo qual se constitui uma coisa, um ser vivo, um grupo de pessoas; organização, formação.” Dentro desse cenário, ele também delimita (Moraes, 2017, p. 28):

    Juridicamente, porém, a Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. (Moraes, 2017, p. 28)

    Considerando o artigo 60 da Constituição, é possível notar certos pontos de restrição para a introdução da Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Estas começam com limitações para os proponentes. Apenas aqueles com autorização específica podem apresentar propostas dessa natureza, incluindo o Presidente da República; um terço dos membros da Câmara dos Deputados, representando no mínimo 171 parlamentares; ou um terço dos senadores, totalizando 27 membros. Ademais, outra possibilidade para a apresentação de uma PEC é o respaldo de mais da metade das Assembleias Legislativas, englobando também a Câmara Legislativa do Distrito Federal e requerendo o apoio da maioria simples de seus legisladores. (Macedo; Nunes; Silva; Feu, 2020, p. 241)

    No que tange às circunstâncias, o texto ressalta que a Constituição não pode ser alterada durante períodos de intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio, pois não é saudável adotar essa postura em um momento tão crítico e delicado no âmbito político (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 416).

    Ainda há os núcleos intocáveis e imutáveis, ou seja, as cláusulas pétreas representam princípios constitucionais autênticos essenciais ao Estado de Direito democrático e que são, em princípio, preservados de qualquer alteração constitucional. Esse tema é destruído em um capítulo específico. No entanto, existem exemplos de dispositivos na Constituição considerados cláusulas fundamentais, como a forma federativa de governo, o sufrágio direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 416).

    Além disso, em relação à sua característica de ser inflexível, requer que seja submetido a discussão e votação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal, em duas etapas separadas, e apenas será considerado aprovado para alcançar, em ambas as graças, três quintos dos votos dos membros, que representam 308 deputados e 49 senadores (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 417).

    A tramitação da PEC se dá por meio de duas instâncias legislativas, primeiro progredindo em uma delas e, se aprovada, seguindo para a outra instância, onde será debatida e submetida à votação. Caso seja aprovada nessa fase, será oficializada pelas autoridades da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em uma reunião conjunta e formal, conforme determinadas as normas do Regimento Comum do Congresso Nacional (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 417).

    Se houver uma recusa em uma das Câmaras Legislativas, uma restrição se impõe: uma Proposta de Emenda Constitucional que tenha sido rejeitada ou prejudicada não pode ser novamente proposta durante a mesma sessão legislativa.

    É crucial destacar que uma Proposta de Emenda à Constituição aprovada adquire o caráter de uma norma constitucional, estando inserida ao sistema jurídico com a mesma autoridade e importância de uma disposição presente na Constituição original (Carneiro; Santos; Netto, 2019, p. 415).

    Compreendida a síntese do procedimento de alteração da Constituição, o momento passa a ser oportuno para abordar a PEC [12] de autoria do Deputado Federal Samuel Moreira (PSDB/SP) que instituía o Sistema Semipresidencialista de Governo. Porém, ressalta-se que a PEC não conseguiu reunir as 171 assinaturas necessárias para apresentação, assim não chegou a ser apresentada.

    A proposta se alinha com a pergunta de pesquisa, ou seja, é impossível ou possível a adoção do sistema semipresidencialista pelo Brasil? No caso em tela, a resposta não chegou a ser respondida, considerando os diversos fatores políticos que estavam em jogo. O primeiro está na falta de apoio político, isto é, a ausência de assinaturas indicou claramente ausência de consenso ou de interesse entre os parlamentares para debater e aprovar o sistema presidencialista no Brasil.

    Além disso, o ambiente político e de negociação, evidentemente, não estava favorável. Presume-se que a questão envolveu posicionamentos partidários, divergências ideológicas, interesses setoriais e até mesmo estratégias políticas de determinados grupos podem influenciar na dificuldade de angariar as assinaturas necessárias para levar adiante a PEC.

    Aqui frisa-se que a falta de vontade política, por vezes, está relacionada à ausência de incentivos ou benefícios percebidos pelos parlamentares para apoiar aquela proposta específica. Isso pode se dever a pressões de determinados grupos de interesse, receio de desgaste político, entre outros motivos.

    No mérito, a PEC reconhece que a necessidade uma redefinição na relação entre os Poderes, assim, prevê basicamente as mesmas conclusões estabelecidas no relatório final do Grupo de Trabalho que Grupo De Trabalho Destinado a Analisar e Debater Temas Relacionados ao Sistema de Governo Semipresidencialista (GTSISGOV).

    Pelo texto, o sistema semipresidencialista no Brasil deveria seguir os seguintes preceitos: a escolha popular direta do presidente da República; nomeação do primeiro-ministro pelo presidente da República enquanto mantiver o respaldo da maioria no parlamento; e a distinção entre liderança do Estado, a cargo do presidente da República, e liderança do governo, desempenhada pelo primeiro-ministro. Conforme os artigos 49 inc. XVIII e 86-B, ambos da PEC (Brasil, 2022, n.p):

    Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: [...] XVIII - votar a indicação do Primeiro-Ministro e aprovar seu programa de governo;
    Art. 86-B. Compete ao Presidente da República, após consulta aos partidos políticos que compõem a maioria do Congresso Nacional e sem prejuízo do disposto nos §§ 4º e 7º do art. 86-C, indicar e, após votação na forma do inciso XVIII do art. 49, nomear o Primeiro-Ministro e, por indicação deste, os demais integrantes do Conselho de Ministros. (Brasil, 2022, n.p)

    Assim, pelo texto a indicação do Primeiro-Ministro seria competência do Presidente da República e, o Primeiro-Ministro somente assumiria o cargo após aprovação de sua indicação e de seu plano de governo pelo Congresso Nacional. Ponto que reforça a responsabilidade que o Poder Legislativo passaria a ter, de acordo com as sugestões feitas pelo GTSISGOV para procedimentos de votações presentes no segmento anterior deste trabalho (Brasil, 2022, n.p).

    No que concerne às atribuições do Primeiro-Ministro, o texto da PEC estipula o seguinte em relação ao chefe de governo: dirigir a administração federal em sua instância superior; formular o plano de Governo e submetê-lo à aprovação do Congresso Nacional; sugerir, para serem nomeados pelo presidente da República, os ministros de Estado, bem como requisitar a exoneração destes; propor o nome do Advogado-Geral da União, assim como do presidente e dos diretores do Banco Central; fomentar a coerência na ação governamental, conceber planos e programas nacionais e regionais de progresso, submetendo-os ao Congresso Nacional; entre outras (Brasil, 2022, s.p.).

    Sobre o período de mudança entre os sistemas presidencialistas e semipresidencialistas no Brasil, a PEC prevê a criação do cargo de Ministro-Coordenador, que irá funcionar entre a transição dos dois sistemas de modo a garantir segurança e transparência para o processo. Nesse diapasão, existe previsão para que a eventual Emenda Constitucional entre em vigor na data de sua promulgação, assim, o sistema semipresidencialista será aplicado no primeiro dia do mandato presidencial subsequente.

    Ademais, a PEC previa que os Estados-Membros, o Distrito Federal e os Municípios poderiam adotar o regime semipresidencialista, por meio de Emendas às respectivas Constituições e Leis Orgânicas.

    Por último, a mencionada proposta visando a implementação do sistema semipresidencialista no Brasil simbolizou um importante marco no debate político nacional. Embora não tenha reunido o apoio necessário para seguir adiante, sua discussão foi fundamental para trazer à tona reflexões pertinentes sobre os modelos de governança e a separação de poderes em nossa democracia. A não concretização dessa PEC não encerra a discussão, mas abre espaço para a continuidade do diálogo e da busca por arranjos institucionais que possam fortalecer o sistema político brasileiro.

    5. CONCLUSÕES

    Diante da extensa análise realizada, a resposta à indagação sobre a possibilidade de adoção do sistema semipresidencialista pelo Brasil emerge de um contexto multifacetado, abordado sob duas perspectivas cruciais: a jurídica e a política.

    Do ponto de vista jurídico, é viável a implantação desse modelo no país, considerando que não se trata de uma cláusula pétrea, assim, resta permitida a alteração além disso a análise detalhada do sistema francês, sua adaptação e os elementos constitucionais que possibilitam a transição para um formato semipresidencialista.

    Similarmente, ao examinar as características do presidencialismo brasileiro, identificamos espaço para a introdução de modificações institucionais que poderiam convergir para um sistema semipresidencialista mais funcional e adaptado à nossa realidade política.

    No entanto, é na esfera política que encontramos o principal desafio. A possibilidade real de adotar o semipresidencialismo no Brasil está intrinsecamente vinculada à vontade política. Embora os fundamentos jurídicos e as análises comparativas sustentem a factibilidade dessa transição, a implementação efetiva desse sistema depende crucialmente da disposição dos atores políticos em promoverem as mudanças necessárias.

    A defesa do semipresidencialismo não se baseia na premissa de uma solução pronta para o funcionamento do sistema de governo brasileiro. O impulso por trás desse movimento é a percepção de que esse modelo oferece uma rota para superar os riscos de disfuncionalidade inerentes ao presidencialismo atual, já superado pela dinâmica da realidade política contemporânea.

    Portanto, conclui-se que a possibilidade jurídica e teórica da adoção do semipresidencialismo no Brasil é factível. Contudo, sua efetiva implementação depende crucialmente da vontade política dos atores envolvidos, da capacidade de articulação e consenso entre os diferentes setores da sociedade e dos poderes constituídos para promover as reformas necessárias, visando a uma estrutura governamental mais adaptada e funcional às demandas e desafios do país no século XXI.

    REFERÊNCIAS

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    ANA KGUGER (Brasília). OUL (ed.). SEMIPRESIDENCIALISMO REDUZIRIA “TOMA LÁ DA CÁ”, DIZ DEPUTADO AUTOR DE PEC. 2021. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/area/congresso-nacional/semipresidencialismo-reduziria-toma-la-da.... Acesso em: 06 dez. 2023.

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    CARNEIRO, André Corrêa de Sá; SANTOS, Luiz Claudio Alves dos; NETTO, Miguel Gerônimo da Nóbrega. Curso de Regimento Interno da Câmara dos Deputados. 5. ed. Brasília: Edições Câmara, 2019. 499 p. Coleção Prática Legislativa.

    DUVERGER, Maurice. O Regime Semi Presidencialista. Prefácio da edição brasileira. Ed. Sumaré, 1993.

    FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 9. Ed. rev. ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017.

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    LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 26 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2022. Coleção esquematizado.

    MACEDO, Paulo Sérgio Novais de; NUNES, Nilvia Caldeira; SILVA, Ruthier de Sousa; FEU, Cristiano de Menezes. Regimento Interno Facilitado da Câmara dos Deputados. 4. ed. Brasília: Edições Câmara, 2020. 296 p.

    MACULAN, Anne-Marie Delaunay; MARINHO, Armando de Oliveira. Relatório Final de Pesquisa "O Papel do Parlamento no Sistema Político Francês. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1974. (17). Publicado na Revista de Ciência Política.

    MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2022.

    MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36ª edição. São Paulo: Atlas, 2020.

    TAVARES, Marcelo Leonardo. Semipresidencialismo francês: a relação entre o rei e o pequeno príncipe. 55. ed. Brasília: Revista de Informação Legislativa do Senado Federal, 2018. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/55/217/ril_v55_n217_p65.pdf. Acesso em: 04 dez. 2023.


    [1] Art. 76. O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado.

    [2] Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente. [...]

    [3]§ 1º A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado.

    § 2º Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

    § 3º Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.

    § 4º Se, antes de realizado o segundo turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação.

    § 5º Se, na hipótese dos parágrafos anteriores, remanescer, em segundo lugar, mais de um candidato com a mesma votação, qualificar-se-á o mais idoso.

    [4] Art. 78. O Presidente e o Vice-Presidente da República tomarão posse em sessão do Congresso Nacional, prestando o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil.

    [5] Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

    [6] Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

    [7] Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.

    [8] Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; [...]rt. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;

    [9] Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.

    [10] Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.

    [11] Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de: I - emendas à Constituição; II - leis complementares; III - leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

    [12] A PEC esteve disponível no sistema eletrônico sob o código CD203589241600 no sistema da Câmara dos Deputados

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