A escritura pública é necessária para a validade da transferência de propriedade de imóveis cujo valor supere o equivalente a 30 salários mínimos, conforme o artigo 108 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002.
Comentário
A tese jurídica em questão afirma que a escritura pública é necessária para a validade da transferência de propriedade de imóveis cujo valor supere o equivalente a 30 salários mínimos, conforme o artigo 108 da Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002.
A jurisprudência dos tribunais brasileiros tem se posicionado de forma consistente no sentido de que a escritura pública é de fato essencial para a validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país, conforme previsto no artigo 108 do Código Civil.
Um exemplo de precedente que corrobora essa tese é o REsp 1938997/MS, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou um caso de revogação de doação de imóvel. O tribunal entendeu que, em interpretação sistemática dos artigos 107, 108, 109 e 541 do Código Civil, a doação de imóvel, quando recair sobre um bem cujo valor supere trinta salários mínimos, deve ser realizada por meio de escritura pública. No caso em questão, o instrumento público não apenas era silente a respeito da imposição de encargo, como também previa explicitamente o caráter puro e simples da doação. Com base nesse entendimento, o tribunal concluiu pela improcedência do pedido de revogação da doação.
Outro precedente relevante é o REsp 1724716/MS, no qual o STJ analisou uma ação de imissão de posse cumulada com reparação de perdas e danos. O tribunal destacou que, antes do registro imobiliário do título, há apenas um direito pessoal ou obrigacional entre as partes que firmaram o negócio jurídico. Nesse sentido, o registro é essencial para criar um direito oponível perante terceiros, conferindo segurança jurídica à transferência da propriedade do imóvel. Portanto, a escritura pública é necessária para que o título seja oponível ao terceiro de boa-fé que adquire o imóvel.
Além disso, o REsp 1099480/MG tratou de um procedimento de dúvida suscitado pelo oficial do cartório de registro de imóveis. O tribunal entendeu que o valor a ser considerado para fins de aferição da necessidade de escritura pública no caso concreto não é aquele declarado pelas partes, mas sim o da avaliação realizada pelo fisco. A avaliação feita pela Fazenda Pública reflete de forma mais consentânea com a realidade do mercado imobiliário o verdadeiro valor do imóvel objeto do negócio. Assim, a escritura pública é necessária quando o valor do imóvel avaliado pelo fisco for superior a trinta salários mínimos, mesmo que o valor do negócio declarado pelas partes seja inferior.
Diante desses precedentes, fica evidente que a jurisprudência dos tribunais brasileiros tem entendido que a escritura pública é indispensável para a validade da transferência de propriedade de imóveis cujo valor supere o equivalente a 30 salários mínimos, conforme o artigo 108 da Lei nº 10.406/2002. Essa exigência visa conferir segurança jurídica aos negócios que envolvem a transferência da titularidade de bens imóveis.
Jurisprudência que aplica esta corrente
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MS XXXX/XXXXX-7
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 30/09/2021RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE REVOGAÇÃO DE DOAÇÃO. SUPOSTA INEXECUÇÃO DO ENCARGO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. DOAÇÃO DE IMÓVEL. INDISPENSÁVEL A ESCRITURA PÚBLICA. FORMA PREVISTA EM LEI. CONTRATO BENÉFICO/GRATUITO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS. CARÁTER PURO E SIMPLES DA DOAÇÃO EVIDENCIADO. DESCABIMENTO DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO. INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO CONFORME A REAL VONTADE DAS PARTES E A BOA-FÉ OBJETIVA. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O propósito recursal consiste na análise da procedência do pedido de revogação da doação, por suposta inexecução do encargo, mediante a aferição da modalidade em que a doação se realizou em favor da recorrente - se pura e simples ou modal. 2. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide, de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional. 3. Em interpretação sistemática dos arts. 107 , 108 , 109 e 541 do CC , a doação - por consistir na transferência de bens ou vantagens do patrimônio do doador para o do donatário -, quando recair sobre imóvel cujo valor supere o equivalente a 30 (trinta) salários mínimos, deve observar a forma solene, efetivando-se, com isso, mediante escritura pública. 4. Ademais, as cláusulas do contrato de doação (negócio jurídico benéfico, porquanto gratuito) devem ser objeto de interpretação restritiva, conforme o disposto no art. 114 do CC : os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente. 5. Na hipótese, em interpretação restritiva das cláusulas contratuais, conclui-se que a doação realizada é deveras pura e simples, a ensejar a improcedência do pedido deduzido na petição inicial (de revogação da doação por inexecução de encargo), sobretudo diante do teor do instrumento público (forma indispensável para a concretização do contrato), que não apenas é silente a respeito da imposição de encargo como prevê explicitamente o caráter puro e simples da doação. 6. A interpretação do negócio jurídico realizado à luz da vontade efetiva das partes (art. 112 do CC ) e da boa-fé objetiva (art. 113 do CC ) conduz, igualmente, à improcedência do pedido de revogação da doação. 7. Recurso especial parcialmente provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MS XXXX/XXXXX-7
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 01/10/2018DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE CUMULADA COM REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 458 , II E III , DO CPC/73 . INOCORRÊNCIA. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA NÃO REGISTRADO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO EM COTEJO COM CARTA DE ARREMATAÇÃO DEVIDAMENTE REGISTRADA PELOS ARREMATANTES DO IMÓVEL EM HASTA PÚBLICA JUDICIAL. TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. NECESSIDADE DE REGISTRO DO TÍTULO NO CARTÓRIO IMOBILIÁRIO COMPETENTE. OPONIBILIDADE ERGA OMNES. 1. Ação de imissão de posse, em virtude de arrematação de imóvel em hasta pública judicial. 2. Ação ajuizada em 10/03/2009. Recurso especial concluso ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73 . 3. O propósito recursal é, a par da análise acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, definir qual direito deve prevalecer: o direito pessoal dos recorridos, fundado em promessa de compra e venda celebrada por instrumento particular com os anteriores promitentes compradores do imóvel, sem anotação no registro imobiliário; ou o direito de propriedade dos recorrentes, arrematantes do imóvel em hasta pública judicial, e que promoveram o registro da carta de arrematação no Cartório Imobiliário. 4. Não há que se falar em violação do art. 535 do CPC/73 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 5. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e fundamentado corretamente o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há que se falar em violação do art. 458 , II e III , do CPC/73 . 6. Antes do registro imobiliário do título, há apenas direito pessoal ou obrigacional entre as partes que firmaram o negócio jurídico, de modo que, consequentemente, com a efetivação do registro, cria-se um direito oponível perante terceiros (efeito erga omnes) com relação à transferência do domínio do imóvel. 7. Sob esse enfoque, ausente a formalidade considerada essencial pela lei ao negócio realizado, não se pode admitir que o título seja oponível ao terceiro de boa-fé que arremata judicialmente o imóvel e promove, nos estritos termos da lei, o registro da carta de arrematação. 8. Ressalte-se que o Tribunal de origem acabou reconhecendo que a pretensão da ação de imissão de posse se esvaziara, diante da procedência dos embargos de terceiro opostos. 9. Diante da prejudicialidade entre as demandas, e, julgados improcedentes os embargos de terceiro por esta Corte, é de rigor que se reconheça a procedência do pedido de imissão na posse formulado. Contudo, como há na ação de imissão de posse pleito de reparação por perdas e danos, sequer analisado pela Corte local, o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para análise do pleito, é medida que se impõe. 10. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MG XXXX/XXXXX-4
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 25/05/2015RECURSO ESPECIAL - PROCEDIMENTO DE DÚVIDA SUSCITADO PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS - DISCUSSÃO SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO ART. 108 DO CC - PROCEDÊNCIA DA DÚVIDA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - ENTENDIMENTO PELA NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA PARA REGISTRO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL CUJO VALOR DA AVALIAÇÃO PELO FISCO FOI SUPERIOR A TRINTA SALÁRIOS MÍNIMOS, AINDA QUE O VALOR DO NEGÓCIO DECLARADO PELAS PARTES TENHA SIDO INFERIOR. INSURGÊNCIA DA EMPRESA REQUERENTE DO REGISTRO. Hipótese em que o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis suscitou dúvida ao Poder Judiciário, referente à interpretação do art. 108 do CC . O oficial cartorário e a empresa requerente do registro divergem quanto ao valor a ser considerado para fins de incidência da regra legal em questão: para aquele, a escritura de compra e venda deve ser feita por instrumento público, já que o fisco municipal avaliou o imóvel em valor superior a 30 (trinta) salários mínimos; para esta, a escritura de compra e venda pode ser feita por instrumento particular, pois o valor do negócio declarado pelas partes no contrato foi inferior a 30 (trinta) salários mínimos. As instâncias ordinárias entenderam que o valor a ser considerado, para fins de aferição da necessidade de escritura pública no caso concreto, não deve ser aquele declarado pelas partes, mas o da avaliação realizada pelo fisco, destacadamente quando o propósito dos interessados e a finalidade precípua do instrumento é a transferência de propriedade do bem, e não apenas o de retratar uma mera transação. 1. A interpretação dada ao art. 108 do CC pelas instâncias ordinárias é mais consentânea com a finalidade da referida norma, que é justamente conferir maior segurança jurídica aos negócios que envolvem a transferência da titularidade de bens imóveis. 2. O art. 108 do CC se refere ao valor do imóvel, e não ao preço do negócio. Assim, havendo disparidade entre ambos, é aquele que deve ser levado em conta para efeito de aplicação da ressalva prevista na parte final desse dispositivo legal. 3. A avaliação feita pela Fazenda Pública para atribuição do valor venal do imóvel é baseada em critérios objetivos previstos em lei, refletindo, de forma muito mais consentânea com a realidade do mercado imobiliário, o verdadeiro valor do imóvel objeto do negócio. 4. Recurso especial desprovido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MS XXXX/XXXXX-6
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 22/08/2013SUCESSÕES. RECURSO ESPECIAL. MEAÇÃO. ATO DE DISPOSIÇÃO EM FAVOR DOS HERDEIROS. DOAÇÃO. ATO INTER VIVOS. FORMA. ESCRITURA PÚBLICA. 1. Discussão relativa à necessidade de lavratura de escritura pública para prática de ato de disposição da meação da viúva em favor dos herdeiros. 2. O ato para dispor da meação não se equipara à cessão de direitos hereditários, prevista no art. 1.793 do Código Civil , porque esta pressupõe a condição de herdeiro para que possa ser efetivada. 3. Embora o art. 1.806 do Código Civil admita que a renúncia à herança possa ser efetivada por instrumento público ou termo judicial, a meação não se confunde com a herança. 4. A renúncia da herança pressupõe a abertura da sucessão e só pode ser realizada por aqueles que ostentam a condição de herdeiro. 5. O ato de disposição patrimonial representado pela cessão gratuita da meação em favor dos herdeiros configura uma verdadeira doação, a qual, nos termos do art. 541 do Código Civil , far-se-á por Escritura Pública ou instrumento particular, sendo que, na hipótese, deve ser adotado o instrumento público, por conta do disposto no art. 108 do Código Civil . 6. Recurso especial desprovido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX AM XXXX/XXXXX-3
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 02/08/2012REGISTROS PÚBLICOS E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.EMBARGOS DE TERCEIRO. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DESPROVIDADE REGISTRO. INSTRUMENTO LAVRADO EM COMARCA DIVERSA DA SITUAÇÃO DOIMÓVEL. IRRELEVÂNCIA. ART. 8º DA LEI N. 8.935 /94. NÃO COMPROVAÇÃO DEFRAUDE OU SIMULAÇÃO NA VENDA DO IMÓVEL PELO DEVEDOR AO EMBARGANTE.INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 84 /STJ. 1. Nos termos do que dispõe o art. 108 do Código Civil , é aescritura pública o instrumento hábil para documentar compra e vendade bem imóvel de valor superior ao de alçada legal, formalizando onegócio jurídico que, em si, não transfere a propriedade do imóvel,e que antecede ao ato efetivamente translativo da propriedade, istoé, o registro. 2. O artigo 8º da Lei n. 8.935 /94 (Lei dos Cartórios) franqueiaampla liberdade para escolha do tabelionato visando à celebração davenda do imóvel, formalizada em escritura pública, pois este é atoeminentemente negocial e do qual exsurgem apenas efeitos pessoais. Ésomente o registro do título que deve ser realizado no respectivocartório de registro de imóveis no qual o bem se encontramatriculado, nos termos dos arts. 167 e 169 da Lei n. 6.015 /73 (Leidos Registros Públicos). 3. Com efeito, sendo irrelevante o fato de a escritura pública decompra e venda desprovida de registro não ter sido lavrada nacomarca da situação do imóvel, somando-se ao fato de não ter havidoreconhecimento de fraude, simulação ou falsificação, aplica-se aSúmula n. 84 : "É admissível a oposição de embargos de terceirofundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra evenda de imóvel, ainda que desprovido do registro". 4. "Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevidadeve arcar com os honorários advocatícios" (Súmula n. 303 ). 5 . Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.