A curatela pode ser estendida a outros atos da vida civil, além dos de natureza patrimonial e negocial, de forma excepcional e devidamente fundamentada.
Comentário
A corrente jurisprudencial em análise defende a tese de que a curatela pode ser estendida a outros atos da vida civil, além dos de natureza patrimonial e negocial, de forma excepcional e devidamente fundamentada. Essa controvérsia está relacionada à interpretação do artigo 1767 da Lei nº 10.406/2002, que trata dos sujeitos sujeitos à curatela.
Um dos precedentes jurisprudenciais que sustentam essa corrente é o REsp 2013021/MG (2022/0210730-2), no qual se discute a possibilidade de extensão da curatela para outros atos da vida civil, além dos patrimoniais e negociais. Nesse caso, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que é possível estender a curatela, de forma excepcional e devidamente fundamentada, para proteger o curatelado diante das especificidades do caso concreto. A interpretação conferida aos arts. 84 e 85 da Lei nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) busca evitar distorções e é adequada para garantir a proteção do curatelado.
Outro precedente relevante é o REsp 1686161/SP (2016/0255802-5), que trata da ação de interdição e discute a ausência de nomeação de curador à lide e de interrogatório do interditando. O Tribunal entendeu que a participação do Ministério Público como custos legis não supre a ausência de nomeação de curador à lide, pois há uma antinomia entre as funções de fiscal da lei e representante dos interesses do interditando. Além disso, o interrogatório do interditando é uma medida que garante o contraditório e a ampla defesa da pessoa que se encontra em presumido estado de vulnerabilidade. Assim, são intangíveis as regras processuais que cuidam do direito de defesa do interditando, especialmente quando se trata de reconhecer a incapacidade e restringir direitos.
Um terceiro precedente importante é o REsp 1306687/MT (2011/0244776-9), que trata da possibilidade de interdição de um sociopata que já cometeu crimes violentos. O Tribunal entendeu que a psicopatia está na zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, e que os instrumentos legais disponíveis mostram-se ineficientes para lidar com essa situação. Assim, a possibilidade de interdição de sociopatas que já cometeram crimes violentos deve ser analisada sob o mesmo enfoque que a legislação dá à interdição de deficientes mentais, ébrios habituais e viciados em tóxicos. A capacidade civil, em casos excepcionais, não pode ser ditada apenas pela mediana capacidade de realizar os atos da vida civil, mas deve ser aferida pelo risco existente nos estados crepusculares do interditando. Dessa forma, a curatela pode ser aplicada para proteger o sociopata e a sociedade, garantindo o acompanhamento psiquiátrico necessário.
Diante desses precedentes, conclui-se que a corrente jurisprudencial em análise defende a tese de que a curatela pode ser estendida a outros atos da vida civil, além dos de natureza patrimonial e negocial, de forma excepcional e devidamente fundamentada. Essa interpretação busca garantir a proteção do curatelado diante das especificidades do caso concreto, levando em consideração a necessidade de preservar os direitos e a dignidade da pessoa sujeita à curatela.
Jurisprudência que aplica esta corrente
STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MG XXXX/XXXXX-2
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 21/11/2023RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE RELATIVA. CURATELA. OUTROS ATOS DA VIDA CIVIL. EXTENSÃO. CARÁTER EXCEPCIONAL. CABIMENTO. 1. A controvérsia está relacionada com a possibilidade de extensão da curatela, em caráter excepcional e devidamente fundamentada, para outros atos da vida civil, que não apenas os de natureza patrimonial e negocial. 2. Na hipótese, não há discussão acerca da incapacidade relativa do curatelado. 3. A interpretação conferida aos arts. 84 e 85 da Lei nº 13.146 /2015 objetiva impedir distorções que a própria Lei buscou evitar, mostrando-se adequada a extensão da curatela não apenas aos atos negociais e patrimoniais, mas também a outros atos da vida civil, excepcionalmente e de forma fundamentada, com o propósito de proteger o curatelado diante das especificidades do caso concreto, conforme se observa na situação em apreço. 4. Recurso especial não provido.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX SP XXXX/XXXXX-5
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 15/09/2017PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR À LIDE. INVIABILIDADE. NULIDADE. A ação de interdição é o meio através do qual é declarada a incapacidade civil de uma pessoa e nomeado curador, desde que fique demonstrada a incapacidade para praticar os atos da vida civil do interditando. A questão que exsurge nesse recurso é julgar se a ausência de nomeação de curador à lide e de interrogatório do interditando dão ensejo à nulidade do processo de interdição. A participação do Ministério Público como custos legis em ação de interdição não supre a ausência de nomeação de curador à lide, devido à antinomia existente entre as funções de fiscal da lei e representante dos interesses do interditando. O interrogatório do interditando é medida que garante o contraditório e a ampla defesa de pessoa que se encontra em presumido estado de vulnerabilidade. São intangíveis as regras processuais que cuidam do direito de defesa do interditando, especialmente quando se trata de reconhecer a incapacidade e restringir direitos. Recurso especial provido para nulificar o processo.STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX MT XXXX/XXXXX-9
Jurisprudência • Acórdão • Data de Publicação: 22/04/2014PROCESSUAL CIVIL. CIVIL.RECURSO ESPECIAL. INTERDIÇÃO. CURATELA. PSICOPATA. POSSIBILIDADE. 1. Ação de interdição ajuizada pelo recorrente em outubro de 2009. Agravo em recurso especial distribuído em 07/10/2011. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial publicada em 14/02/2012. Despacho determinando a realização de nova perícia psiquiátrica no recorrido publicado em 18/12/2012. 2. Recurso especial no qual se discute se pessoa que praticou atos infracionais equivalentes aos crimes tipificados no art. 121, § 2º, II, III e IV (homicídios triplamente qualificados), dos quais foram vítimas o padrasto, a mãe de criação e seu irmão de 03 (três) anos de idade, e que ostenta condição psiquiátrica descrita como transtorno não especificado da personalidade (CID 10 - F 60.9), esta sujeito à curatela, em processo de interdição promovido pelo Ministério Público Estadual. 3. A reincidência criminal, prevista pela psiquiatria forense para as hipóteses de sociopatia, é o cerne do presente debate, que não reflete apenas a situação do interditando, mas de todos aqueles que, diagnosticados como sociopatas, já cometeram crimes violentos. 4. A psicopatia está na zona fronteiriça entre a sanidade mental e a loucura, onde os instrumentos legais disponíveis mostram-se ineficientes, tanto para a proteção social como a própria garantia de vida digna aos sociopatas, razão pela qual deve ser buscar alternativas, dentro do arcabouço legal para, de um lado, não vulnerar as liberdades e direitos constitucionalmente assegurados a todos e, de outro turno, não deixar a sociedade refém de pessoas, hoje, incontroláveis nas suas ações, que tendem à recorrência criminosa. 5. Tanto na hipótese do apenamento quanto na medida socioeducativa - ontologicamente distintas, mas intrinsecamente iguais - a repressão do Estado traduzida no encarceramento ou na internação dos sociopatas criminosos, apenas postergam a questão quanto à exposição da sociedade e do próprio sociopata à violência produzida por ele mesmo, que provavelmente, em algum outro momento, será replicada, pois na atual evolução das ciências médicas não há controle medicamentoso ou terapêutico para essas pessoas. 6. A possibilidade de interdição de sociopatas que já cometeram crimes violentos deve ser analisada sob o mesmo enfoque que a legislação dá à possibilidade de interdição - ainda que parcial - dos deficientes mentais, ébrios habituais e os viciados em tóxicos (art. 1767 , III , do CC-02 ). 7. Em todas essas situações o indivíduo tem sua capacidade civil crispada, de maneira súbita e incontrolável, com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a sua própria integridade física sendo também ratio não expressa, desse excerto legal, a segurança do grupo social, mormente na hipótese de reconhecida violência daqueles acometidos por uma das hipóteses anteriormente descritas, tanto assim, que não raras vezes, sucede à interdição, pedido de internação compulsória. 8. Com igual motivação, a medida da capacidade civil, em hipóteses excepcionais, não pode ser ditada apenas pela mediana capacidade de realizar os atos da vida civil, mas, antes disso, deve ela ser aferida pelo risco existente nos estados crepusculares de qualquer natureza, do interditando, onde é possível se avaliar, com precisão, o potencial de auto-lesividade ou de agressão aos valores sociais que o indivíduo pode manifestar, para daí se extrair sua capacidade de gerir a própria vida, isto porquê, a mente psicótica não pendula entre sanidade e demência, mas há perenidade etiológica nas ações do sociopata. 9. A apreciação da possibilidade de interdição civil, quando diz respeito à sociopatas, pede, então, medida inovadora, ação biaxial, com um eixo refletindo os interesses do interditando, suas possibilidades de inserção social e o respeito à sua dignidade pessoal, e outro com foco no coletivo - ditado pelo interesse mais primário de um grupo social: a proteção de seus componentes -, linhas que devem se entrelaçar para, na sua síntese, dizer sobre o necessário discernimento para os atos da vida civil de um sociopata que já cometeu atos de agressão que, in casu, levaram a óbito três pessoas. 10. A solução da querela, então, não vem com a completa abstração da análise da capacidade de discernimento do indivíduo, mas pela superposição a essa camada imediata da norma, da mediata proteção do próprio indivíduo e do grupo social no qual está inserido, posicionamento que encontrará, inevitavelmente, como indivíduo passível de interdição, o sociopata que já cometeu crime hediondo, pois aqui, as brumas da dúvida quanto à existência da patologia foram dissipadas pela violência já perpetrada pelo indivíduo. 11. Sob esse eito, a sociopatia, quando há prévia manifestação de violência por parte do sociopata, demonstra, inelutavelmente, percepção desvirtuada das regras sociais, dos limites individuais e da dor e sofrimento alheio, condições que apesar de não infirmarem, per se, a capacidade do indivíduo gerenciar sua vida civil, por colocarem em cheque a própria vida do interditando e de outrem, autorizam a sua curatela para que ele possa ter efetivo acompanhamento psiquiátrico, de forma voluntária ou coercitiva, com ou sem restrições à liberdade, a depender do quadro mental constatado, da evolução - se houver - da patologia, ou de seu tratamento. 12. Recurso especial provido.