Página 1019 do Diário de Justiça do Distrito Federal (DJDF) de 6 de Maio de 2021

Imunidade parlamentar material (Const. art. 53): âmbito de abrangência e eficácia. 1. Na interpretação do art. 53 da Constituição - que suprimiu a cláusula restritiva do âmbito material da garantia -, o STF tem seguido linha intermediária que, de um lado, se recusa a fazer da imunidade material um privilégio pessoal do político que detenha um mandato, mas, de outro, atende às justas ponderações daqueles que, já sob os regimes anteriores, realçavam como a restrição da inviolabilidade aos atos de estrito e formal exercício do mandato deixava ao desabrigo da garantia manifestações que o contexto do século dominado pela comunicação de massas tornou um prolongamento necessário da atividade parlamentar: para o Tribunal, a inviolabilidade alcança toda manifestação do congressista onde se possa identificar um laço de implicação recíproca entre o ato praticado, ainda que fora do estrito exercício do mandato, e a qualidade de mandatário político do agente. 2. Esse liame é de reconhecerse na espécie, na qual o encaminhamento ao Ministério Público de notitia criminis contra autoridades judiciais e administrativas por suspeita de práticas ilícitas em prejuízo de uma autarquia federal - posto não constitua exercício do mandato parlamentar stricto sensu -, quando feito por uma Deputada, notoriamente empenhada no assunto, guarda inequívoca relação de pertinência com o poder de controle do Parlamento sobre a administração da União. 3. A imunidade parlamentar material se estende à divulgação pela imprensa, por iniciativa do congressista ou de terceiros, do fato coberto pela inviolabilidade. 4. A inviolabilidade parlamentar elide não apenas a criminalidade ou a imputabilidade criminal do parlamentar, mas também a sua responsabilidade civil por danos oriundos da manifestação coberta pela imunidade ou pela divulgação dela: é conclusão assente, na doutrina nacional e estrangeira, por quantos se tem ocupado especificamente do tema. (g.n.) Ve-se, por isso, que a imunidade parlamentar não se aplica somente ao mandatário que se encontra no estrito exercício do mandato, desde que, no entanto, exista um liame entre o ato praticado e as funções desempenhadas. Flávio Martins Alves Nunes Júnior (na obra Curso de Direito Constitucional. 2. ed. em e-book. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, Revista dos Tribunais, 2018), por seu turno, assevera: A imunidade parlamentar material não se restringe às palavras proferidas dentro da casa parlamentar. Nesse ponto, a jurisprudência do STF é uníssona. Ora, o parlamentar exerce sua função parlamentar não apenas dentro das respectivas casas, mas também em entrevistas, pronunciamentos, reuniões externas etc. Em regra, estará acobertado pelo manto da imunidade parlamentar material em todas essas hipóteses. Nesse sentido, já decidiu o STF: ?a cláusula de inviolabilidade constitucional, que impede a responsabilização penal e/ou civil do membro do Congresso Nacional, por suas palavras, opiniões e votos, também abrange, sob seu manto protetor, as entrevistas jornalísticas, a transmissão para a imprensa, do conteúdo de pronunciamentos ou relatórios produzidos nas Casas Legislativas e as declarações feitas aos meios de comunicação social, eis que tais manifestações ? desde que vinculadas ao desempenho do mandato ? qualificam-se como natural projeção do exercício das atividades parlamentares? (Inq. 2.332 AgR, rel. Min. Celso de Mello). No mesmo sentido, decidiu recentemente o STF: ?Ofensas em entrevistas a meios de comunicação de massa e em postagens na rede social WhatsApp. O ?manto protetor? da imunidade alcança quaisquer meios que venham a ser empregados para propagar palavras e opiniões dos parlamentares. Possível aplicação da imunidade a manifestações em meios de comunicação social e em redes sociais. Imunidade parlamentar. A vinculação da declaração com o desempenho do mandato deve ser aferida com base no alcance das atribuições dos parlamentares. As ?funções parlamentares abrangem, além da elaboração das leis, a fiscalização dos outros Poderes e, de modo ainda mais amplo, o debate de ideias, fundamental para o desenvolvimento da democracia? ? Recurso Extraordinário com Repercussão Geral 600.063, rel. Min. Roberto Barroso. Imunidade Parlamentar. Parlamentares em posição de antagonismo ideológico. Presunção de ligação de ofensas ao exercício das ?atividades políticas? de seu prolator, que as desempenha ?vestido de seu mandato parlamentar, logo, sob o manto da imunidade constitucional?. Afastamento da imunidade parlamentar apenas ?quando claramente ausente vínculo entre o conteúdo do ato praticado e a função pública parlamentar exercida?. (AO 2.002 ED, rel. Min. Gilmar Mendes). Todavia, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, há que se fazer uma importantíssima distinção. Quanto às palavras proferidas no plenário das respectivas Casas parlamentares, a imunidade é absoluta, não se podendo perquirir o conteúdo das declarações. Todavia, quanto às palavras proferidas fora do plenário da respectiva Casa parlamentar, a imunidade é relativa, devendo haver necessário vínculo com a função parlamentar. Assim, segundo a jurisprudência do STF, podemos sistematizar dessa forma: (...) Dessa maneira, quanto às palavras proferidas no plenário da casa, a imunidade é absoluta, não importando o conteúdo das declarações. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: ?imunidade parlamentar material: ofensa irrogada em plenário, independentemente de conexão com o mandato, elide a responsabilidade civil por dano moral? (RE 463.671 AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence). Em didático voto, o Ministro Carlos Ayres Brito elucidou a questão: ?a palavra ?inviolabilidade? significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da CF, com a redação da Emenda 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da EC 1, de 1969. Assim, é de se distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nestas últimas ofensas irrogadas fora do Parlamento é de se perquirir da chamada ?conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar? (Inq. 390 e 1.710). Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto, abarcado pela inviolabilidade? (Inq. 1.958, rel. Min. Ayres Britto). (...) Embora a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal seja uníssona no sentido de que a imunidade é absoluta quanto às palavras proferidas dentro das respectivas casas, não podendo ser analisado o seu conteúdo, fazemos uma indagação: caso o parlamentar utilize da palavra para fazer ?discursos de ódio? (hate speech), defendendo, por exemplo, a ?supremacia branca?, o ódio aos judeus etc., deve ser mantido esse entendimento? Entendemos que a liberdade de opinião do parlamentar é muito maior que a liberdade de opinião de qualquer outro brasileiro. Os parlamentares são eleitos para representar a ideologia do grupo que os elegeu, ainda que seja essa ideologia repugnante para a maioria dos brasileiros. Uma verdadeira democracia é aquela que consegue conviver com as opiniões da minoria, ainda que essas opiniões sejam desprovidas de bom-senso. Parlamentares que defendem discursos de exclusão são encontrados em parlamentos de todo o mundo. Discursos parlamentares contra os imigrantes, contra os negros, contra os pobres etc. podem ser veementemente criticados, mas não podem ser proibidos. Dessa maneira, se um discurso de ódio (hate speech), se praticado por um particular pode configurar crime (incitação ao crime, racismo etc.), se proferido por um parlamentar será atípico. Todavia, como não poderia ser diferente, embora não seja responsabilizado penal ou civilmente pelo seu ?discurso de ódio?, o parlamentar poderá ser responsabilizado politicamente (por quebra do decoro parlamentar). Assim, um discurso racista, homofóbico, ofensivo à honra ou à intimidade de qualquer pessoa etc. pode ser analisado politicamente pelos seus pares. Não obstante, embora isso jamais tenha sido decidido pelo Supremo Tribunal Federal, entendemos que há que se fazer uma ressalva: se o discurso parlamentar colocar em risco à segurança pública, poderá ser excepcionalmente coibido pelo Poder Judiciário, penal ou civilmente. Por exemplo, se o parlamentar insuflar a população a praticar saques, homicídios etc., entendemos que ultrapassa a cláusula de razoabilidade da imunidade parlamentar, podendo ser perquirida junto ao Poder Judiciário. (g.n.) Desse modo, não se observa na situação examinada que tenha a ré, na qualidade de deputada federal, a quem cabe fiscalizar, dentre outros meios, o exercício da atividade executiva, qualidade essa que não se restringe ao ambiente da Casa Legislativa respectiva, exorbitado de seu direito de manifestar crítica e pensamento; de igual modo, não se extrai ausência de conexão entre o que foi publicado e o exercício de suas atividades, embora a forma empregada calhou de forma intensa. Diferente seria se a ré tivesse, por meio de publicações em rede social, difundido discurso de ódio em face do autor ou incitado contra ele a prática de violência ou discriminação. O emprego de palavras vinculadas a figuras penais, como corrupção, tráfico de influência e falsidade ideológica, não pode causar ao parlamentar, a meu ver, qualquer espécie de repreensão, que, se fosse levada a efeito, violaria a Constituição Federal ? art. 53 ? e colocaria em risco o exercício de sua função política. Por isso, ao Judiciário, em casos como esses, cabe o papel de atuar para impedir que a inviolabilidade sirva como escudo à prática de discursos de ódio ou de incitação à violência ou à discriminação, o que inocorre no caso em tela; quer-se dizer que seu papel, nesses casos, ou sua ingerência, ocorre a título excepcional. A adoção de opiniões duras ou de críticas circunspectas ou até mesmo desagradáveis, mesmo que ligadas à suposta prática delitiva de agente do Estado ou do Governo, situação que ainda existia por ocasião da viagem mencionada na peça vestibular, não escapam, penso, do manto da imunidade material. Verifica-se que a ré, em sua publicação, não se limitou a proferir palavras ou imputar fatos ao autor, mas agiu em contexto de questionar sua entrada em outro país pouco antes de ser exonerado do cargo que exercia junto ao Governo

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