Página 1235 do Diário de Justiça do Estado de Rondônia (DJRO) de 25 de Julho de 2019

indispensável à resolução do litígio, questão prejudicial pertinente à validade jurídico-constitucional de determinado ato emanado do Poder Público. A discussão em torno desse tema impõe algumas reflexões, que, por necessárias, apresentam-se indispensáveis à apreciação da controvérsia suscitada nesta sede processual. É inquestionável que a utilização da ação civil pública como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, além de traduzir situação configuradora de abuso do poder de demandar, também caracterizará hipótese de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Esse entendimento - que encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (ARNOLDO WALD, “Usos e abusos da Ação Civil Pública - Análise de sua Patologia”, in Revista Forense, vol. 329/3-16; ARRUDA ALVIM, “Ação Civil Pública - Lei 7.347/85 - Reminiscências e Reflexões após dez anos de aplicação”, p. 152-162, vários autores, 1995, RT; HUGO NIGRO MAZZILLI, “A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo”, p. 115/116, item n. 7, 12ª ed., 2000, Saraiva; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 565/567, item n. 9.1.4, 7ª ed., 2000, Atlas; GILMAR FERREIRA MENDES, “Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade”, p. 396/403, item 6.4.2, 2ª ed., 1999, Celso Bastos Editor: JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Ação Civil Pública”, p. 74/77, item n. 8, 2ª ed., 1999, Lumen Juris, v.g.) -reflete-se, por igual, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no entanto, somente exclui a possibilidade do exercício da ação civil pública, quando, nela, o autor deduzir pretensão efetivamente destinada a viabilizar o controle abstrato de constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo (RDA 206/267, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Ag 189.601-GO (AgRg), Rel. Min. MOREIRA ALVES). Se, contudo, o ajuizamento da ação civil pública visar, não à apreciação da validade constitucional de lei em tese, mas objetivar o julgamento de uma específica e concreta relação jurídica, aí, então, tornar-se-á lícito promover, incidenter tantum, o controle difuso de constitucionalidade de qualquer ato emanado do Poder Público. Incensurável, sob tal perspectiva, a lição de HUGO NIGRO MAZZILLI (“O Inquérito Civil”, p. 134, item n. 7, 2ª ed., 2000, Saraiva): “Entretanto, nada impede que, por meio de ação civil pública da Lei n. 7.347/85, se faça, não o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis, mas, sim, seu controle difuso ou incidental. (...) assim como ocorre nas ações populares e mandados de segurança, nada impede que a inconstitucionalidade de um ato normativo seja objetada em ações individuais ou coletivas (não em ações diretas de inconstitucionalidade, apenas), como causa de pedir (não o próprio pedido) dessas ações individuais ou dessas ações civis públicas ou coletivas.” (grifei) É por essa razão que o magistério jurisprudencial dos Tribunais - inclusive o do Supremo Tribunal Federal (Rcl554-MG, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA - Rcl 611-PE, Rel. Min. SYDNEY SANCHES, v.g.) - tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificarse como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial indispensável à resolução do litígio principal, como corretamente assinalado pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 722/139): “Apresenta-se lesivo à ordem jurídica o ato de Município com menos de três mil habitantes, que, a pretexto de organizar a composição do legislativo, fixa em 11 o número de Vereadores, superando o mínimo de 9 previsto pelo art. 29, IV, a, da CF. Controle difuso ou incidental expressamente permitido (CF, arts. 97, 102, III, a, b, e c e parágrafo único, 42, X, 105, III, a, b e c). Ininvocabilidade de direito eleitoral adquirido.” Assentadas tais premissas, entendo que a espécie ora em exame não configura situação caracterizadora de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, pois a controvérsia pertinente à validade jurídico-constitucional do art. 8º da Lei Orgânica do Município de Sorocaba/SP foi suscitada, incidentalmente, no processo de ação civil pública, como típica questão prejudicial, necessária ao julgamento da causa principal, cujo objeto identifica-se com o pedido de redução, para catorze (14), do número de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 117). Cabe referir, neste ponto, que, além de revelar-se plenamente cabível o controle incidental de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição da República (RTJ 164/832, Rel. Min. PAULO BROSSARD), assiste, ao magistrado singular, irrecusável competência, para, após resolução de questão prejudicial, declarar, monocraticamente, a inconstitucionalidade de quaisquer atos do Poder Público: “Ação declaratória. Declaração ‘incidenter tantum’ de inconstitucionalidade. Questão prejudicial. O controle da constitucionalidade por via incidental se impõe toda vez que a decisão da causa o reclame, não podendo o juiz julgá-la com base em lei que tenha por inconstitucional, senão declará-la em prejudicial, para ir ao objeto do pedido. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RTJ 97/1191, Rel. Min. RAFAEL MAYER -grifei) Tendo-se presente o contexto em que proferida a sentença que julgou procedente a ação civil pública promovida pelo Ministério Público da comarca de Sorocaba/SP, constata-se que o objeto principal desse processo coletivo não era a declaração de inconstitucionalidade do art. 8º da Lei Orgânica do Município. Ao contrário, a alegação de inconstitucionalidade da norma legal em referência foi invocada como fundamento jurídico (causa petendi) do pedido, qualificando-se como elemento causal da ação civil pública, destinado a provocar a instauração de questão prejudicial, que, decidida incidentemente pelo magistrado local, viabilizou o acolhimento da postulação principal deduzida pelo Ministério Público, consistente na redução do número de Vereadores à Câmara Municipal (fls. 117). Nem se diga, de outro lado, que a sentença proferida pelo magistrado local poderia vincular, no que se refere à questionada declaração de inconstitucionalidade, todas as pessoas e instituições, impedindo fosse renovada a discussão da controvérsia constitucional em outras ações, ajuizadas com pedidos diversos ou promovidas entre partes distintas. É que, como se sabe, não faz coisa julgada, em sentido material, “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo” (CPC, art. 469, III). Na realidade, os elementos de individualização da ação civil pública em causa não permitem que venha ela, na espécie ora em exame, a ser qualificada como sucedâneo da ação direta de inconstitucionalidade, pois, ao contrário das conseqüências que derivam do processo de controle normativo abstrato (RTJ 146/461, Rel. Min. CELSO DE MELLO), não se operará, por efeito da autoridade da sentença proferida pelo magistrado local, a exclusão definitiva, do sistema de direito positivo, da regra legal mencionada, pelo fato de esta, no caso ora em análise, haver sido declarada inconstitucional, em sede de controle meramente difuso. Mais do que isso, o ato sentencial em causa também estará sujeito, em momento procedimentalmente oportuno, ao controle recursal extraordinário do Supremo Tribunal Federal, cuja atividade jurisdicional, por isso mesmo, em momento algum, ficará bloqueada pela existência da ora questionada declaração incidental de inconstitucionalidade. Os aspectos que venho de ressaltar -enfatizados em irrepreensível magistério expendido por OSWALDO LUIZ PALU (“Controle de Constitucionalidade - Conceitos, Sistemas e Efeitos”, p. 220/224, item n. 9.7.2, 1999, RT) - foram rigorosamente expostos por PAULO JOSÉ LEITE FARIAS (“Ação Civil Pública e Controle de Constitucionalidade”, in Caderno “Direito e Justiça”, Correio Braziliense, edição de 02/10/2000, p. 3): “Na ação civil pública, o objeto principal, conforme já ressaltado, é o interesse público, enquanto que, na ação direta de inconstitucionalidade, o objeto principal e único é a declaração de inconstitucionalidade com força de coisa julgada material e com eficácia erga omnes. Na ação civil pública, a inconstitucionalidade é invocada como fundamento, como causa de pedir, constituindo questão prejudicial ao julgamento do mérito. Na ação civil pública, a constitucionalidade é questão prévia (decidida antes do mérito da ação principal) que influi (prejudica) na decisão sobre o pedido referente à tutela do interesse público. É decidida incidenter tantum, como premissa necessária à conclusão da parte dispositiva da sentença. Uma vez que a coisa julgada material recai apenas sobre o pedido, e não sobre os motivos, sobre a fundamentação da sentença, nada obsta

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