Página 560 da Caderno Jurisdicional do Tribunal de Justiça do Diário de Justiça do Estado de Santa Catarina (DJSC) de 17 de Outubro de 2019

dominante do Tribunal de Justiça”. Amoldando-se o caso aos preceitos legais, passo ao exame da questão, em juízo monocrático. Sem prefaciais, passo ao exame do mérito. Saliento, então, que o direito à educação foi estabelecido pelo legislador constituinte, nos termos dos arts. 23, inciso V, 30, inciso VI, 205 e 208, inciso IV, da Carta Magna, que lhe atribuiu nítido caráter de direito social, exegese do art. . A legislação infraconstitucional, e como não poderia ser diferente, também dispôs sobre a matéria, no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 4º e 53) e na Lei n. 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação (arts. 2º, 4º, 5º e 11, inciso V). Toda essa orquestração legislativa demonstra a evidente preocupação em assegurar o pleno desenvolvimento do infante, com a prestação de serviço educacional em seus mais variados níveis. Nesse cenário, não há como afastar a responsabilidade do município na prestação do serviço no nível da educação infantil. A esse respeito, não desconheço a existência da repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo de Instrumento n. 761.908/SC, cuja discussão trata exatamente ao que ora se analisa. Contudo, ausente determinação de suspensão dos processos com relação temática, até porque, redundaria em evidente prejuízo aos infantes, prossigo na análise do feito. É certo que em um passado não muito distante a sociedade impunha à mulher a condição de guardiã do lar, indistintamente; era normal que as mães abdicassem de suas vontades para permanecerem em casa com o afã de cuidar dos seus filhos. Contudo, a dinâmica do mundo moderno não encampa mais este modelo como regra. Afinal, os cidadãos, sem qualquer distinção, passaram a procurar uma colocação profissional a fim de galgar melhores condições de vida, o que inclusive é estimulado pela Constituição Federal, quando traz a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos da República (art. 1º, III e IV), bem como a erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais como seus objetivos (art. 3º, III). Destarte, a obrigatoriedade de prestação de serviço de educação infantil, em todos os seus níveis, decorre da necessidade dos genitores em deixarem seus filhos, em idade incompatível com a pré-escola, em local apropriado, para que possam, então, desempenhar suas atividades laborais de forma adequada. Veja-se que a educação, nesta etapa da vida da criança, revela, além de sua natureza educacional, a importância social. Deixar ao livre alvedrio do administrador municipal o atendimento da demanda, sob a pecha da desincumbência constitucional, não soa razoável e demonstraria conivência judicial com os mais obscuros interesses políticos. Sobre o ponto, o Supremo Tribunal Federal bem firmou que: [...] que os Municípios (à semelhança das demais entidades políticas) não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208 da Constituição, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa do Poder Público, cujas opções, tratando-se de proteção à criança e ao adolescente, não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. [...] O fato que tenho por relevante consiste no reconhecimento de que a interpretação da norma programática não pode transformála em promessa constitucional inconseqüente. O caráter programático da regra inscrita no art. 208, IV, da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - impõe o reconhecimento de que as normas constitucionais veiculadoras de um programa de ação revestem-se de eficácia jurídica e dispõem de caráter cogente. (AgReg No RE/AG n. 639.337/SP, rel. Min. Celso de Mello) Acrescento, ademais, que com a edição dos sucessivos planos nacionais de ensino, hoje regido pela Lei n. 13.005/2014, é possível verificar como meta a inclusão de, no mínimo, 50% dos infantes em creches da rede pública, até o ano de 2016. Demonstra, pois, a preocupação com o atendimento da demanda. Não tenho dúvida, então, que o direito dos infantes em frequentar, na idade própria, creche da rede pública municipal deriva do amplo regramento legal sobre o tema, do que denoto o direito do infante. E esclareço que o atendimento dos pedidos iniciais configura controle jurisdicional de políticas públicas, o que, de todo modo, não viola o preceito constitucional da separação dos poderes, previsto no art. da Carta Magna, que dispõe que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Até porque, o estado contemporâneo não aceita mais a rigidez atribuída a este princípio, que está em irreversível processo de evolução, atualizando a sua compreensão para que proporcione maior efetividade às liberdades individuais. O simples argumento de que a atuação judiciária, em casos como o presente, implicaria na intervenção do Poder Judiciário no mérito administrativo (o que não é admitido), é singelo e merece ser afastado. A inação do Poder Público na implementação de políticas públicas atinge, em verdade, e como já dito, a própria integridade da Constituição Federal, cujo objetivo é a satisfação de direitos fundamentais dos cidadãos. Nesse sentido, transcrevo trecho da doutrina de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, que, em comentários ao art. da Constituição Federal sustentam que: Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria CF, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão, por importar em descumprimento dos encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatário, mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integralidade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à “reserva do possível” (STF, 2ª. T., AgRgRE 436996-SP, Rel. Min. Celso de Mello, j. 22.11.2005, v.u., DJU 3.2.2006, p. 76). (Constituição Federal comentada e legislação constitucional - 2. ed. rev., ampl. e atual. - São Paulo : Editora REvista dos Tribunais. 2009, p. 160). Como se vê, não se trata de interferência do Poder Judiciário no mérito administrativo, acerca da elaboração e consecução de políticas públicas, mas sim em garantir a efetividade destas, as quais se enquadram como aquelas normas de caráter cogente, não se podendo admitir que o administrador público opte em cumprir ou não comandos constitucionais, com eventual comprometimento de direitos sociais básicos. É certo, no entanto, que não se pode simplesmente determinar a inserção de crianças em instituições de ensino, o que faria dos educandários simples depósitos de gentes. De todo modo, não se pode assistir, de forma impassível, a recorrente tentativa de dirigentes públicos de se esquivar de suas obrigações constitucionais. Eventuais limitações impostas pelo ente público municipal esconde-se por trás de uma retórica sem cor e forma que, na maioria das vezes, maquia a política obscura de prioridades, sempre muito variadas e conduzidas a partir de um tempero bastante subjetivo. Quando nesse cenário se desenham as justificativas do Estado, a intervenção é pontual - bem porque o que se impõe não é mais do que reclama a própria Constituição. Tal panorama não se constrói por mera disposição legislativa; requer, é certo, a coordenação da atividade administrativa. Assim, a prestação do serviço de educação não deve se dar de maneira ampla e irrestrita, como a postulação de matrícula em período integral. Ainda que em dado momento, não muito remoto, é verdade, tenha entendido pelo acolhimento da pretensão, sem qualquer distinção, reflui sobre o tema a fim de acompanhar o atual posicionamento jurisprudencial desta Corte de Justiça. Isso se dá por reflexão não apenas jurídica, mas também social. Afinal, a educação infantil, não somente aquela prestada em creches, não possui apenas caráter assistencial, mas também educativo, na qual deve-se incluir o seio familiar, tão necessário quanto o escolar, na formação do caráter das pessoas. Não ignoro, como dito, que a vida cotidiana careça muito mais deste suporte estatal do que remotamente, o que por certo exigirá maiores investimentos públicos para o atendimento adequado da demanda. Contudo, sempre que possível deve ser garantido ao infante a convivência familiar, onde serão criados laços afetivos e colhidos ensinamentos tão importantes

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