Página 78 da Judiciário do Diário de Justiça do Estado do Amazonas (DJAM) de 12 de Março de 2020

cumprimento pela iniciativa privada das normas gerais da educação nacional, nos termos do artigo 209, inciso I, da Constituição da República de 1988. Dano moral configurado. Vistos e examinados. Trata-se de ação de reparação por danos morais proposta por J. D. M. C., representado por sua genitora, em desfavor de CENTRO EDUCACIONAL SEMENTINHA PRECIOSA LTDA., todos devidamente qualificados. Narra a autora que: “(...) No dia 24 de abril de 2019, fora até a escola CENTRO EDUCACIONAL SEMENTINHA PRECIOSA, em busca de vaga para matricular o filho (J.D.M.C DE 9 ANOS E 9 MESES), chegando ao local a postulante fora atendida prontamente pelo Sr. Rômulo Mário Almeida do Nascimento, onde a recebera identificando-se como diretor e proprietário do local.” Prossegue a autora, noticiando que esclareceu aos representantes da escola que seu filho é portador de autismo, bem como informando que tinha a intenção de efetuar a matrícula na escola, ora requerida, o quanto antes. Inicialmente, o Sr. Rômulo (...) disse que teria a vaga em turno vespertino. Afirma a autora que o Sr. Rômulo chegou a apresentar a escola, bem como foi entregue à autora a lista de materiais (...) para que já fossem comprados e escreveu na referida os valores das mensalidades, inclusive ofertando-lhe desconto nas mensalidades, fardas, e quais seriam os materiais pessoais que o aluno necessitaria para seu uso diário. Aduz a autora que no dia que iria ser efetuada a matrícula de seu filho menor, esta fora recusada sem justo motivo. Assevera a autora que o representante legal da requerida disse: - QUE NÃO TERIA VAGA NEM NO MEIO DO ANO, NEM NO INÍCIO DO ANO QUE VEM. Argumenta a autora que neste momento percebeu a ausência de interesse da requerida em acolher pessoas com deficiência (PCD). Ao final, a parte autora solicitou: a) o deferimento da gratuidade processual; b) a citação da requerida; c) a condenação da requerida em R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais) e aplicação da penalidade a que alude o artigo . da Lei n. 12.764/2012, bem como custas e honorários. Decisão interlocutória de fl. 41, deferindo a gratuidade processual, bem como remessa dos autos ao CEJUSC para audiência. Ato ordinatório, fl. 43 (designando data para audiência). Despacho de fl. 45. Petição de fls. 52/53. Despacho de fl. 57, remarcando a audiência. Termo de Audiência, fls. 68/70, sem acordo. Contestação de fls. 73/86, alegando: 1. Impugnação à assistência judiciária gratuita; 2. Que os fatos não ocorreram como estampados na inicial; 3. Que possui cerca de 10 (dez) alunos como “especiais”; 4.Que conforme a lei de diretrizes “(...) para o maternal o número máximo seja de 15 alunos”. Em razão do exposto, requereu a inépcia da inicial e, no mérito, a improcedência do pedido da parte adversa. Ato ordinatório, fl. 125 para recolhimento de custas quanto à impugnação à gratuidade judiciária. Petição de fl. 128, juntando o comprovante de pagamento. Ato ordinatório de fl.130. Manifestação da parte autora, fls. 134/144. Despacho de fl. 147 para que as partes especificassem as provas a serem produzidas em audiência. Petição de fls. 150/151 da parte autora. Termo de Audiência de Instrução, fls. 153/156. Petição de fl. 159. Despacho de fl. 160. Alegações finais do requerido, evento processual n.163/166. Alegações finais da parte autora, evento processual n. 167/173. Certidão de tempestividade das alegações finais apresentadas, item processual n. 174. É o suficiente relatório. Fundamento e decido. No tocante à preliminar suscitada pela parte requerida (item a da página 85), rejeito-a, esclarecendo que a Lei n. 9.099/95 aplica-se à seara dos Juizados Especiais (e não à Justiça Comum). Verifico, ademais, que da leitura da inicial é possível extrair conclusão lógica. No que se refere à assistência judiciária gratuita, julgo que deve ser deferido o pedido da parte autora, visto que são presumidos gastos mais elevados quando há criança na família com espectro autista. Ademais, a parte impugnante não trouxe elementos necessários a afastar a alegada hipossuficiência do demandante. Nos termos do artigo 98 e seguintes do Código de Processo Civil, torno definitivo o deferimento do benefício em comento, negando provimento, por consequência, à impugnação contida na contestação. Não havendo outras questões preliminares a serem conhecidas ex officio, passo a analisar o mérito. Justificase a manutenção na lide do Sr. Rômulo Mário Almeida do Nascimento por ter participação direta nos atos narrados na inicial. O tema merece todo cuidado por parte deste julgador para que de um lado a justiça não possa fomentar práticas de enriquecimento sem causa de quem postula o direito a qualquer custo e de outro para que instituições públicas ou privadas não desrespeitem a legislação em vigor ou dispensem tratamentos discriminatórios em razão de qualquer deficiência de seus alunos. Feitas tais considerações, faz-se necessário comentar as impressões da audiência de instrução: 1. À genitora da autora teria sido entregue a lista de materiais escolares, fls. 34/37; 2. Não houve apresentação das filmagens, tal como previsto no item 45 dos autos; 3. Aplica-se a Lei n. 8.078/90 quando do simples atendimento realizado pelo prestador do serviço a ser adquirido; 4. A comprovação pela escola de que determinadas turmas excedem o número de 15 alunos. Registro que as informações prestadas pela instituição requerida, revestem-se de unilateralidade, havendo por bem este julgador traçar o cotejo das alegações das partes e documentos com os depoimentos trazidos em audiência de instrução. Assim, restam algumas indagações: Se não havia vaga ou se a provável vaga do autor estaria pendente, qual o motivo de entregarem aos pais desse aluno a lista de material escolar? Se cada turma é composta de, no máximo 15 alunos, qual o motivo de determinadas turmas possuírem 16 ou 17 alunos? Pois bem, estas são as indagações que a demandada não conseguiu responder satisfatoriamente. Vejamos, a escola errou, no mínimo, ao dar falsa esperança de vaga. Sabe-se, na prática, que crianças diagnosticadas com espectro autista são rejeitadas, pois algumas instituições não se encontram preparadas para lidar com PCD ou oferecer um serviço educacional inclusivo, especialmente escolas de pequeno e médio portes. Tenho que as deficiências estruturais dessas instituições com falta de profissionais capacitados não deve, por si, ser justificativa a amparar práticas exclusivas ou discriminatórias. Muitos pais escondem o diagnóstico até que seja efetivada a matrícula de seus filhos ou que estes sejam, enfim, incluídos em programas educacionais e recreativos. Imaginamos que o medo de alguns pais quanto à recusa/rejeição de seus filhos em diversos ambientes seja uma constante, infelizmente. Na espécie, tal como assinalado pela parte autora, chamo atenção para a vaga do aluno E.F.R o qual, embora matriculado e com vários documentos de cancelamento e retorno, não fora comprovada sua frequência efetiva no curso, o que demonstra total verossimilhança quanto à alegação de recusa injustificada do aluno, ora autor. Se todo Juiz é escritor do destino dos homens, quero nestas breves linhas escrever o futuro do cidadão J.D.M.C. Ele não quer ser diferente. Ele apenas quer ter direito a estudar como qualquer outro aluno. Ele também quer um dia, quem sabe, fazer faculdade, trabalhar e não ser dependente de seus pais ou de programas sociais concedidos pelo Poder Público. Ele apenas quer ser igual , algo tão óbvio que não precisaria estar sendo escrito, mas que em razão de certos preconceitos, alguém, neste caso, este escritor de destinos, deve aclarar e registrar em cores fortes para que nunca mais nenhum João, Davi, Maria ou José passe pela mesma situação. A vedação de acesso à educação sem motivo plausível, ainda que verse sobre instituição educacional particular, configura constrangimento passível de indenização, tendo em vista a necessidade de cumprimento pela iniciativa privada das normas gerais da educação nacional, nos termos do artigo 209, inciso I, da Constituição da República de 1988. No mesmo sentido, a jurisprudência: APELAÇÃO- AÇÃO INDENIZATÓRIA- RECUSA NA MATRÍCULA DE CRIANÇA COM NECESSIDADES ESPECIAISNÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS POR SALA- DANOS MORAIS VERIFICADOS. O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146/15) estabelece que a matrícula de pessoas com deficiência é obrigatória pelas escolas particulares e não limita o número de alunos nessas condições por sala de aula; - As provas dos autos denotam que havia vaga na turma de interesse da autora, mas não para uma criança especial, pois já teriam atingido o número máximo de 2 alunos por turma; - Em que pese a discricionariedade administrativa que a escola tem para pautar os seus trabalhos, a recusa em matricular a criança especial na sua turma não pode se pautar por um critério que não está previsto legalmente. A Constituição Federal e as leis de proteção à pessoa com deficiência são claras no sentido de inclusão para garantir o direito básico de todos, a educação; - Não há na lei em vigor qualquer limitação do número de crianças com deficiência por sala de aula, a Escola ré sequer comprovou nos autos que na turma de interesse da autora havia outras duas crianças com deficiência- e também o grau e o tipo de deficiência- já matriculadas,- Dano moral configurado-

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