Página 27 da Seção 1 do Diário Oficial da União (DOU) de 8 de Janeiro de 2013

Diário Oficial da União
há 11 anos

água) os índios encontram plantas que aproveitam para usos variados. Dentre todos os produtos de coleta, as plantas medicinais têm um papel bastante privilegiado. A partir dos estudos ambientais realizados foi possível perceber a riqueza e a sofisticação do conhecimento sobre os elementos de um território onde os Kaiowa têm vivido por séculos, procedendo eles a uma investigação e a experimentações, obtendo, portanto, resultados mais condizentes com as necessidades para a reprodução física e cultural desses grupos. O conhecimento ecológico e o uso tradicional dos recursos naturais se mantêm, com vigor, nos dias de hoje, mesmo com condições ambientais bastante deterioradas. O modo de ocupação territorial dos kaiowa consiste em um meio excelente de manejo, que contribui para a manutenção e a reprodução de condições otimizadas na relação das pessoas com o ambiente, e que, sobretudo, será um fator fundamental para a recuperação e manutenção dos recursos e para a reprodução física e cultural no interior da Terra Indígena Iguatemipegua I. Os recursos necessários ao bem estar dos kaiowa desta TI encontram-se na área compreendida pelos córregos Mandiy, Ypane e Siriguelo, pelo rio Mbarakay e por todas as demais nascentes e cursos d'água conexos que compõem a microbacia do rio Hovy ["Jogui"] (por sua vez, constituinte da bacia do rio Iguatemi), contemplados na presente proposta de limites.

V - Quinta Parte - Reprodução física e cultural

A terra é concebida como o lugar que foi entregue pelas divindades aos Kaiowa, para que nela vivessem e dela cuidassem; nesses termos, o valor dado à terra não é unicamente econômico, mas também, e de modo fundamental, um valor simbólico. A relação que cada comunidade estabelece com espaços territoriais específicos (tendápe ou microrregiões) é única e inextricável. No que tange às práticas relativas à morte e portanto ao desaparecimento de um indivíduo tanto do seu mundo físico quanto social, entre os grupos de fala guarani em geral, a morte implica cuidados excepcionais para com a "alma" do falecido. Grosso modo, enquanto ser completo, a pessoa é composta pelo menos de duas diferentes almas. A alma que corresponde à identidade pura e divina da pessoa (denominada ñe'e [= fala] expressa-se como ayvu [= pássaro]), a qual, após a morte do corpo, retornará ao patamar celeste de onde é originária. A segunda alma (o anguê ou anguêry) é aquela que se carrega das vicissitudes e impurezas da vida na terra; é a que constitui a sombra da pessoa e, com o falecimento do corpo, torna-se um potencial perigo aos vivos. Deve haver todo um cuidado ritual para que esta segunda alma não provoque males aos vivos; caso contrário, ela pode impingir-lhes doenças e mesmo a morte, sendo tida como geradora também dos suicídios. Por tal motivo, outrora, com espaço à disposição, se queimava a casa do falecido e seu grupo familiar se transferia para outro lugar. Um conjunto de fatores - como a intervenção dos modos não indígenas de proceder aos sepultamentos e a cada vez maior dificuldade de queimar a casa e transferir-se, dentro das aldeias superpovoadas - levou à definição de um espaço único para sepultamento de todos os que habitam uma determinada terra indígena: o cemitério. Devido a concentração física dos corpos dos mortos - algo novo para estes indígenas - com os procedimentos e a relação com o morto permanecem nos limites estritos do seu grupo político e de parentesco. É importante destacar o imperativo da ligação inextricável com a terra à qual esta pessoa pertenceu em vida, tornando-se a lembrança do falecido e os seus despojos mortais parte do patrimônio simbólico daqueles vivos que constituem a sua comunidade de pertencimento. Sepultar a pessoa numa terra com a qual não guarda uma relação de identidade, ou seja, à qual ela não pertence, constitui uma anomalia de difícil equação em termos cosmológicos e espirituais para os Kaiowa, constituindo-se em algo que deve ter, em algum momento, conserto para que o ordenamento sociocosmológico se torne aquele que deve ser, o correto. Por constituírem um indício significativo e materialmente visível da ligação dos indígenas com seu território, uma prática generalizada foi a de os proprietários não indígenas destruírem as sepulturas (yta) que se encontravam nos limites das fazendas, fato que provocou grande insatisfação e preocupação entre os indígenas também de modo generalizado. A realização deste sentimento de autoctonia se dá através do recorte de espaços específicos dessa terra, que se tornam suporte para o desenvolvimento da vida de cada comunidade política kaiowa. Assim, é justamente uma jurisdição exclusiva por parte de cada comunidade sobre cada um desses espaços que permite identificar as fronteiras intercomunitárias. Com efeito, não estamos diante da imagem de um território unívoco, como uma totalidade homogênea, mas de espaços territoriais diferenciados, de acordo com as comunidades que os povoam - ou seja, cada comunidade relacionada a seu tendápe (lugar ou microrregião específica). Neste sentido, o valor que é dado à terra tem sido imensamente potencializado pelas comunidades kaiowa, justamente pelo fato de ela ter sido parcialmente retirada de seus domínios - o que lhes impede de realizar, como deveria, o seu próprio modo de ser e de viver (o teko porã). As metáforas utilizadas pelos Guarani para indicar as características da terra são geralmente ligadas ao corpo humano, onde as funções primárias de comer, descansar e alimentar passam a ser atributos importantes para sua fisiologia. De acordo com pesquisas etnológicas recentes, os Kaiowa permitem que a terra se alimente durante o descanso previsto nas técnicas de coivara, mediante o qual haverá um reflorestamento espontâneo (denominado pelos índios de ñemboka'aguyjevy, ou seja, "deixar o mato voltar a crescer"), enquanto no lugar plantado será a própria terra que alimentará os índios. Os rituais (como o avatikyry), por sua vez, permitirão que esta terra não adoeça, mantendo o equilíbrio nessa relação simbiótica. Assim, as áreas necessárias à reprodução física e cultural dos kaiowa da TI Iguatemipegua I, segundo seus usos, costumes e tradições, encontram-se na área compreendida pelos córregos Mandiy, Ypane e Siriguelo, pelo rio Mbarakay e por todas as demais nascentes e cursos d'água conexos que compõem a microbacia do rio Hovy ["Jogui"] (por sua vez, constituinte da bacia do rio Iguatemi).

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