1. Notas introdutórias: polissemia, imprecisão e evolução

1. Notas Introdutórias: polissemia, imprecisão e evolução O estudo da reclamação, especialmente da natureza jurídica, é tarefa árdua ante a variedade de significados. O vocábulo é utilizado, nas diversas legislações, para designar coisas distintas, a revelar notável polissemia jurídica. 1 2 Sem nenhuma pretensão de esgotar todas as referências existentes no ordenamento jurídico, alguns exemplos auxiliam a compreensão do alcance do termo. No campo do Direito do Trabalho, tem-se não apenas a bem conhecida reclamação trabalhista, como também reclamação de caráter não jurisdicional, prevista no artigo 36 da Consolidação das Leis do Trabalho, consistente em meio de insurgência de empregado, perante Delegacia Regional, contra empregador que não procede à anotação em carteira profissional ou se recusa a devolver o documento. Na área fiscal, verificam-se previsões de reclamação com a finalidade de questionar lançamentos tributários. Outra ilustrativa referência está no artigo 6º do Decreto nº 20.910/1932, no qual versada a prescrição quinquenal contra entes públicos. No domínio do Direito Eleitoral, há reclamações relativas a obrigações contábeis e apuração da origem de recursos de partidos políticos, bem assim aquelas direcionadas a atacar a inércia de juízes quanto ao julgamento de feitos da própria competência. Constatam-se, ademais, reclamações contra votação por eleitor excluído via sentença não cumprida, nomeação de mesa receptora, designação de lugares de votação ou localização de comícios, todas essas indicadas no Código Eleitoral. Isso sem contar a reclamação para abertura de investigação judicial eleitoral, estampada na Lei Complementar nº 64/1990, concernente às inelegibilidades. Nos regimentos internos dos tribunais, não raro vê-se emprego de reclamação como sinônimo de correição parcial, manuseada para questionar abusos ou erros de procedimento. No do Supremo Tribunal Federal, além da reclamação constitucional propriamente dita, há a reclamação por erro de ata, nos artigos 88 a 92, cuja finalidade é impugnar equívoco quanto à proclamação de resultado de julgamento, declarado na ata confeccionada após o encerramento da votação, sem nenhuma ligação com o tema em análise. Por fim, e não menos relevante, cumpre anotar a prática de empregar-se o verbo reclamar, nas mais diversas legislações, como sinônimo de fazer objeção ou requerer em Juízo, como se vê, por exemplo, na Lei nº 8.245/1991 (Inquilinato) e também na de nº 8.078/1990 ( Código de Defesa do Consumidor). O objeto deste trabalho, assim como de toda a obra, é outro. Propõe-se examinar a reclamação hoje tachada de constitucional, porque prevista na Constituição de 1988, mas surgida bem antes, em meados do século XX, a partir da construção pretoriana. É dizer: busca-se explorar a reclamação direcionada a assegurar a competência do Supremo Tribunal Federal e garantir a autoridade de suas decisões. Instrumento em franca evolução, a análise traz consigo risco constante de desatualização, especialmente se considerada, nessa equação, a variável jurisprudencial. É, contudo, missão instigante, por permitir contínuo aperfeiçoamento, a cada novo trabalho doutrinário publicado, de modo a tornar possível, em um futuro próximo, maior uniformidade de pensamento. Este é, portanto, o primeiro passo: ter presente que o foco do debate a seguir está unicamente na reclamação constitucional, utilizada com a finalidade de ver garantidas a competência do Supremo, a autoridade de suas decisões e dos verbetes dotados de eficácia vinculante, a teor dos artigos 102, inciso I, alínea l, e 103-A, § 3º, da Constituição Federal. Na primeira parte do texto, serão apresentados dados a revelarem a importância e necessidade de domínio do tema por todos aqueles que pretendam conhecer mais de perto a dinâmica do Supremo na quadra vivida. Na sequência, aborda-se o surgimento da reclamação, por construção jurisprudencial, além das diversas fases identificadas desde o nascedouro desse instrumental, a partir da teoria dos poderes implícitos, de inspiração norte-americana, até a conformação normativa vigente. O passo seguinte é a análise da natureza jurídica, descartando-se percepções anacrônicas, com enfoque nas categorias que realmente guardam pertinência com o arcabouço legislativo em vigor. Apresentada a reclamação como ação, o estudo prossegue com apontamentos sobre as hipóteses de cabimento, findando por apresentar perspectivas e reflexões a respeito dos horizontes desse meio de impugnação. Pretende-se, com isso, ultrapassar a literalidade da lei, para evidenciar, de modo crítico, a relevância da reclamação como meio de interpretação, eficácia e superação de decisões tomadas pelo Supremo em controle concentrado de constitucionalidade, além de despertar a atenção dos leitores para a utilidade do veículo na delimitação do conteúdo de verbetes vinculantes e na manutenção da concisão da jurisprudência do Supremo. Sobre o assunto, confira-se: DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. 1.ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2000. p. 27-30.

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