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Administração Pública e Servidores Públicos - Vol. 2 - Ed. 2022

Administração Pública e Servidores Públicos - Vol. 2 - Ed. 2022

Capítulo 5. Autarquias

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Sumário:

Fabrício Motta

1. Origem e sentido

No direito administrativo brasileiro, o instituto jurídico da autarquia conta com longos anos de existência e tem sido objeto de atenção detida da doutrina e jurisprudência. Diversos autores se dedicaram ao estudo do significado do vocábulo como um dos pontos de partida para o estudo de sua natureza jurídica. Themístocles Brandão Cavalcanti faz referência às acepções do termo:

“Em vernáculo, porém, ‘autarquia’ tem a dupla significação, econômica e administrativa, sendo que geralmente no primeiro sentido emprega-se a denominação de autarquia econômica. O Prof. Rafael Bielsa insiste, entretanto, no uso da palavra autarquia, pela sua etimologia mais rigorosa e certa que a denominação que se atribuía anteriormente a essas entidades consideradas autônomas – repartições autônomas – entidades autônomas. Efetivamente, enquanto que a palavra ‘arquia’ tem um sentido administrativo, a autonomia exprime uma ideia política – a deu autolegislação, capacidade para atribuir-se leis, a si próprio”. 1

O sentido etimológico do vocábulo é trazido por Silveira Bueno:

“Suficiente a si mesmo, autossuficiência, independência econômica dos outros. Gr. autarkeia , o bastar a si mesmo. De autos a si mesmo e arkêo , basto , sou suficiente. Como explicam De Bastini e Alessio, antes da primeira grande guerra era esta a forma usada pelo fr. autarcie . Depois dessa conflagração mundial passou-se a dizer autarquia por influência alemã: Autarkie ”. 2

Sabino Cassese 3 aponta vários problemas de ordem terminológica que permeiam o instituto da autarquia, a começar pelo próprio nome (autarchia) que, interpretado a partir de sua derivação helênica, não pode ser utilizado juridicamente em um sentido que não coincida com o vigente pós-revolução francesa, pois a ligação com a origem apenas lhe imprimiria conotação comum, não jurídica. Para o autor, deve ser descartada a acepção de autarquia que implique o significado existente no mundo antigo como autocomando ou autossuficiência: o termo não pode ter outra coisa em comum senão o nome, relativamente ao período histórico pré-revolução francesa. Cassese anota que um segundo motivo de confusão foi o uso do vocábulo inglês self-government (autogoverno), em razão da dificuldade na tradução do termo para o léxico italiano, implicando um critério multifacetado que confere excessivo relevo ao aspecto pessoal do ente autárquico. 4

Na doutrina italiana, a autarquia é encarada como princípio sustentado basicamente em dois pilares: o primeiro, a titularização de determinados interesses públicos; o segundo, a atribuição a determinado ente público de uma parte dos poderes do Estado, equiparando-se, assim, os atos do ente aos atos administrativos. Na verdade, na lição de Massimo Severo Giannini,

“Autarchia sarebbe così il nome di uma potestà cha hanno enti pubblici minori, in ordini all’attività amministrativa lor propria. Si la norma la configura come attività di diritto pubblico anzichè di diritto privato, l’ente pubblico emette provvedimenti amministrativi, si comporta seguendo procedimento amministrativi, è – si disse – pubblica amministrazione (sottinteso: di carrattere autoritativo). Non che si tratti di provvedimenti amministrativi equiparati ai provvedimenti amministrativi dello Stato, come talora si è detto; si trata di provvedimenti amministrativi puramente e semplicemente: nessuno può emanare, per sua natura, provvedimenti amministrativi, neppure lo Stato; è la norma che a certi atti atribuisce tale qualifica”. 5

A autarquia é também tratada como capacidade reconhecida às pessoas jurídicas públicas de agirem na execução das leis, em seu próprio interesse, com o uso de poderes de império. Feliciano Benvenuti caracteriza a autarquia a partir da diferença entre a autonomia atribuída aos particulares para a persecução de interesses próprios e os poderes reconhecidos à Administração para a realização do interesse público, concedidos e limitados pelo ordenamento:

“(...) la legge pone così alla Pubblica Amministrazione non soltanto i limiti esterni al suo agire, ma le prestabilisce i mezzi giuridici di quell’agire, dove exatamente si può dire che la Pubblica Amministrazione agisce sempre nell’esplicazione di uma funzione executiva rispetto alla legge stessa”. 6

Criação do direito administrativo italiano, entre nós a autarquia foi acolhida e considerada como ente descentralizado da Administração Direta, com personalidade de direito público, para execução de atividades do Estado. Guimarães Menegale acentua essa origem:

“Foi Santi Romano quem vulgarizou, em relação a essas entidades, a qualificação de autárquicas , em substituição à de autônomas . Autonomia qualifica politicamente; autarquia é que significa administração própria. Esta distinção impõe-se, sobretudo no direito brasileiro para afastar equívocos que a difusão do termo autarquia certamente acarretará. E é cabível, porquanto se deduz da terminologia italiana, que a instituiu. Aqui ainda é oportuno assinalar que a administração autárquica se diferencia relativamente da corporação administração, como a entendem os alemães, e de estabelecimento público, como a concebem os franceses. A nota distintiva da administração autárquica em relação à administração pública é que atua por meio de pessoas jurídicas diversas da administração central”. 7 - 8

Celso Antônio Bandeira de Mello também ressalta a contribuição dos administrativistas italianos para a compreensão das autarquias:

“(...) Na Bélgica, na Espanha, na França, falta um vocábulo que seja juridicamente o correspondente exato da expressão autarquia. Na Alemanha, o termo ‘corpo de administração própria’ desempenharia esta função. Todavia, o uso frequente desta categoria jurídica só se encontrará largamente desenvolvido na Itália e, naturalmente naqueles países já mencionados, em que sob sua influência teórica se desenvolveram tais estudos. Cabe, por conseguinte, procurar sobretudo na doutrina italiana os conceitos de autarquia que ganharam notória influência. Como observado, tais foram os de Orlando e Santi Romano”. 9

2. Autonomia e autarquia

Autonomia, em direito público, é um termo amplo localizado no domínio da distribuição territorial e funcional do poder, e, portanto, relacionada com as definições específicas sobre a forma jurídica e política do Estado. No direito italiano, o conceito de autonomia possui maior importância no tocante aos entes públicos territoriais locais, cuja denominação própria é “autonomia locale”. Leciona Massimo Severo Giannini:

“Per quanto attiene al profilo organizzatorio, il tratto tipico dell’autonomia locale risiede nel fatto che l’organo fondamentale degli enti locali territoriali è il popolo in corpo elettorale, e che conseguentemente essi derivano l’indirizzo politico-amministrativo non dallo Stato, ma dalla loro propria comunità, ossia dalla maggioranza della propria comunità; con la conseguenza che tale indirizzo può divergere da quello dello Stato, e perfino con esso contrastare, ove non vi sia corrispondenza di maggioranze tra la comunità statale e quella degli enti territoriali. Gli enti locali territoriali hanno, pertanto, nel quadro del sistema dei pubblici poteri, una posizione del tutto propria rispetto a qualsiasi altro potere non statale, e quindi rispetto a qualsiasi altro ente pubblico; tanto che studiosi recenti hanno perfino avanzato l’ipotesi che essi formino una categoria di enti pubblici completamente eterogenea rispetto all’altra.

L’autonomia locale non è però solamente un’autonomia organizzatoria: è anche, come si è esposto indietro, un’autonomia normativa avente tratti caratteristici, per la collocazione nella gerarchia delle fonti assunta dagli atti normativi con cui si manifesta. Essa è quindi, per il suo contenuto giuridico, un’autonomia composita; ma per il suo contenuto costituzionale generale, certo preminente è in essa l’aspetto attinente all’autonomia organizzatoria. (...)

Di recente si è discusso se il tratto tipico dell’autonomia locale sia effettivamente la autonomia dell’indirizzo politico-amministrativo. Vi è stato chi ha temuto che parlando di indirizzo politico si introducessero nell’interno dell’ordinamento statale degli elementi di perturbazione, portando gli enti locali al livello degli organi costituzionali dello Stato. Questi timori, sempre che provengano da persone in buona fede, sono però fondati su un’imperfetta concezione dell’indirizzo politico-amministrativo. Come meglio si potrà vedere a proposito dell’autonomia privata, il potere di dare a se stesso un indirizzo – potere di autodeterminazione – è posseduto da ogni soggetto giuridico, sia esso pubblico o privato. Potrà esser limitato dalla legge in talune sue estrinsecazioni – come avviene per gli enti pubblici comuni –, ma non può tuttavia esser eliminato del tutto. Or questo potere, allorché il soggetto è un ente esponenziale di un ordinamento giuridico generale, cioè di una comunità comprendente persone di ogni età sesso religione categoria classe ecc., è, per definizione, potere d’indirizzo politico, perché la comunità non emette che delle manifestazioni politiche, nel senso rigorosamente scientifico del termine. Stato, regione, provincia e comune hanno tutti, pertanto, un potere di indirizzo politico”. 10

Na doutrina italiana, não há confusão entre os termos autonomia e autarquia , ambos tratados como atributos ou capacidades essenciais dos entes públicos. Com o termo autonomia , a doutrina italiana refere-se não somente à autonomia locale , acima referida, como também à autonomia normativa , sem qualquer relação com independência e significando o reconhecimento de poder normativo a entes auxiliares do Estado para disciplinarem relações jurídicas com efeito interno. Nesse último sentido, a autonomia deve decorrer de uma norma que atribua ao ente público a competência para editar atos que também possam ser qualificados como normativos. 11

Guido Landi e Giuseppe Potenza consideram que a capacidade das pessoas jurídicas públicas pode ser encarada sob as faces complementares da autonomia, autarquia e autogoverno: a autonomia indica a capacidade de reger-se pelas próprias normas; a autarquia se resume na possibilidade de agir para perseguir os próprios fins, por meio do exercício de uma atividade administrativa que tem a mesma natureza e os mesmos efeitos das atividades realizadas pelo Estado; e o autogoverno é a faculdade reconhecida a uma coletividade de administrar-se por meio de seus próprios componentes. 12

Cotrim Neto acentuava a dificuldade de se colocar para o direito brasileiro a conotação política das comunas italianas no que toca à definição de autarquia:

“Por isso, quando o professor paviano Arnaldo de Valles escreveu o verbete ‘Autarchia’, no ‘Nuovo Digesto Italiano’, teve condições de desenvolver uma ideia assim: ‘Autarquia é a faculdade que tem uma comunidade para governar-se por si. Este conceito, na literatura política, separou-se dos outros, indicativos da independência das comunidades locais, e concernentes à descentralização, à autonomia e ao autogoverno. A distinção se estabeleceu, primeiro, só na terminologia, para tornar-se conceitual, com a particularização da noção de autarquia. Em verdade, se autonomia significa a faculdade que tem uma comunidade para dar-se lei, e self-government é termo indicativo de uma forma especial de administração executada por funcionários honorários, instituição própria do direito inglês, os mesmos não podiam adaptar-se bem à designação dos entes organizados pelo direito do Estado, e destinados a prover escopos de uma fração limitada da sociedade, quando não a escopos separados daqueles reconhecidos como públicos pelo Estado. Elementos essenciais da autarquia são, portanto, a qualidade de sujeito, na comunidade que dela é dotada, e o reconhecimento, por parte do ordenamento jurídico estatal, de faculdade para administrar alguns interesses como seus próprios (faculdade constituída ora como um direito perfeito, ora como um direito enfraquecido, em frente da Administração do Estado)’”. 13

Em conclusão, é necessário precisar os contornos das duas figuras – autonomia e autarquia –, sobretudo no que se refere à autonomia política, em nosso ordenamento reconhecida somente aos entes da Federação e nos estritos limites da Constituição. A autonomia que pode ser reconhecida às autarquias não pode ser equiparada à autonomia política, pois compreenderá simplesmente a faculdade de editar normas organizatórias com efeitos internos, como regra. No que toca às autarquias, não há qualquer identificação entre autonomia e exercício de função legislativa, mas tão somente de função normativa submetida às leis. 14 O …

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4 de Junho de 2024
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