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Manual do Tribunal do Júri

Manual do Tribunal do Júri

1. Síntese Histórica do Tribunal do Júri

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As origens remotas do Tribunal do Júri é tema que sempre iluminou grandes polêmicas, eis que diversos povos e, em épocas diferentes, adotaram formas de julgamento popular que, em certa medida, possuíam características do chamado júri moderno.

A investigação do embrião dos julgamentos populares necessita ser feita com a devida cautela diante da relativa escassez de registros históricos seguros e da mística de caráter religioso que envolve o instituto.

Além das origens legais e de relatos históricos, o júri é ainda envolto de uma densa mística de caráter religioso, onde, por vezes, se equiparam os jurados aos apóstolos de Cristo e se exaltam as qualidades do julgamento do homem pelos seus pares 1 .

Dentre a gama de autores que se debruçaram no estudo da origem remota dos julgamentos populares, alguns identificam o seu nascedouro nas Leis Mosaicas, nos Dikastas, na Helieia ou no Areópago Grego. Outros, ainda, nos Judices Romanos, nos Centeni Comitês dos primitivos germanos, ou em solo britânico durante a Idade Média, de onde se propagou para o continente americano – em especial para os Estados Unidos – e europeu (salvo Holanda e Dinamarca) 2 - 3 .

Não se pode firmar a existência uniforme de um tribunal popular 4 ao longo da história, porém, entendemos existir um traço homogêneo e característico para a melhor compreensão do tema: a competência atribuída a membros – em número variável no tempo e no espaço – de uma dada comunidade 5 para decidirem sobre a existência de um fato (criminoso ou não) e a responsabilidade do acusado 6 .

Assim, amparados nessa perspectiva, passamos a estudar a origem remota de algumas das mais significativas formas de julgamentos populares.

1.1.Das Leis Mosaicas

Em obra clássica intitulada “O Jury e a sua Evolução”, Pinto da Rocha identifica o nascedouro de uma forma de justiça popular nas chamadas “Leis Mosaicas” e na constituição do chamado “Conselho dos Anciões” e do “Grande Conselho” 7 . As “Leis Mosaicas” corresponderiam a um conjunto de mais de 600 (seiscentas) leis que teriam sido escritas após Moisés ter recebido na Península do Sinai a tábua contendo os “Dez Mandamentos”.

Nessa época, o julgamento de vida ou morte do cidadão já era feito por seus pares no chamado “Conselho de Anciãos”, o qual tinha a função de julgar os crimes que envolvessem a morte civil ou natural. Contudo, não se tem notícia de quantas pessoas deveriam compor o referido conselho 8 , apenas que deveriam ser sábias e honestas e que os julgamentos seguiam as seguintes regras básicas:

“– publicidade ampla dos debates; liberdade relativa ao accusado para defender-se; garantia do depoimento contra o perigo de falsas testemunhas; nullidade do depoimento de uma só testemunha e, como consequencia, indeclinável necessidade de duas, pelo menos, contestes, para a condemnação” (sic) 9 .

Os anciãos sempre foram respeitados entre os antigos, exercendo uma função de comando e de aconselhamento, mas, segundo a “Lei de Moisés”, cabia ao povo a obrigação de escolher os membros dos tribunais, os quais deveriam ser probos, imparciaise incorruptíveis. O conselho exercia uma função distributiva da justiça, reservando a Moisés as decisões mais importantes a serem tomadas 10 .

Conforme anota Almeida Júnior, a legislação mosaica firmava-se nos seguintes princípios informadores:

“1º) Não havia prisão preventiva: fora do caso de flagrante delito, o acusado hebreu não era prêso senão depois de conduzido ao tribunal para defender-se e ser julgado; 2º) Não era o acusado submetido a interrogações ocultas: segundo os rabinos, ninguém podia ser condenado somente pela confissão; 3º) Ninguém podia ser prêso e, muito menos condenado, pelo dito de uma só testemunha, nem por conjecturas; 4º) A instrução e os debates eram públicos e os julgamentos eram conferidos e acordados em segrêdo; 5º) O recurso era um direito individual e sagrado” 11 . (sic).

Dessa forma, identificamos nas Leis Mosaicas traços característicos da instituição do júri consubstanciados no julgamento colegiado, público e popular de crimes, oxigenado pela oralidade do rito.

1.2.Do Areópago e dos Tribunais dos Heliastas

Na Grécia antiga – aproximadamente 1200 a.C. –, também existiram formas de julgamento popular, não obstante nem todos os residentes gozassem da condição de cidadão, eis que mulheres, escravos – que, em número, excediam o de homens livres – e estrangeiros, não ostentavam essa condição 12 .

Para o cidadão era assegurado o julgamento popular temperado por algumas garantias, como a presunção de inocência. Tal garantia ganha contornos dramáticos na Oresteia de Ésquilo, trilogia composta pelas peças Agamênon, Coéforas e Eumênides, a qual foi encenada pela primeira vez em 458 a. C.

A peça expõe o tema da vingança e desvela o assassinato de Agamênon praticado por sua esposa Clitemnestra que, irresignada pela morte de sua filha Ifigênia – oferecida por Agamênon aos deuses como sacrifício para a vitória na guerra de Troia – e, com a ajuda de seu amante, Egisto, mata o marido enquanto estava na banheira.

Na segunda parte da peça (Coéforas), Orestes, filho de Agamênon, instigado pelo deus Apolo, é compelido à vingança e cumpre a lei vigente à época: assassina Clitemnestra e Egisto. Porém, tal ato atrai a ira das Eríneas (Alepho, Tisífone e Megera), que eram as deusas da fúria, da raiva e da vingança.

Na terceira e última parte (Eumênides), temos o julgamento de Orestes, o qual é presidido por Palas Atena (Minerva, como é conhecida na mitologia romana). A acusação ficou a cargo do “Coro de Eumênides”, e o deus Apolo, em dupla função, atuou como testemunha e defensor do acusado. A convocação do Areópago (tribunal popular), verdadeiros juízes da causa, é feita pela deusa Palas Atena 13 .

O julgamento de Orestes, quiçá pelo primeiro tribunal da história, desvela a superação da vingança privada e é, para muitos, a fundação do direito moderno, pois, delimita o momento em que o destino de um homem acusado de um fato delituoso é dado por um outro homem (Areópago) mediante uma decisão amparada em termos argumentativos, com predomínio da linguagem.

O procedimento adotado no julgamento expõe características que ajudarão a formatar o júri moderno – até mesmo o próprio processo penal –, tais como: a oralidade, a separação das funções de acusar e julgar, o contraditório e a autodefesa.

De certa forma, a justiça continuaria sendo divina, vez que o próprio Areópago foi convocado por Palas Atena, porém, passou a ser administrada pelas mãos dos homens e, uma vez alcançado o empate na votação, eclode o nascimento mitológico da ideia de “presunção de inocência”. Extrai-se do diálogo entre Apolo e Atena:

Apolo. Contai os votos tombados, ó estrangeiros,

bem a não errar, cuidadosos no escrutínio.

Ausente juízo, a calamidade é grande;

lançado, um só voto levanta a casa.

Atena. Este homem está livre da acusação

de homicídio, deu empate nos votos 14 .

Com a votação empatada, Palas Atenas, deusa da sabedoria, não encontra outra solução diversa da absolvição. Surge o famoso “voto de Minerva”.

Como bem retratado anteriormente, o Areópago tinha a função de julgar os chamados crimes de sangue (homicídios premeditados, envenenamentos, incêndios e alguns outros crimes puníveis com a pena de morte 15 ).

Existia ainda o chamado “Tribunal dos Heliastas”, considerado o mais importante dos tribunais, tendo ampla competência para o julgamento de causas públicas e privadas. Era formado por seis mil jurados alistados (dikastaí, heliastaí), maiores de trinta anos, de reputação ilibada e que não ostentassem dívidas com o Estado.

Os membros eram sorteados anualmente pelos nove Archontes 16 , sendo cinco mil titulares e mil suplentes, à razão de seiscentos por cada tribo. Eram divididos em 10 (dez) secções (dikastéria), compreendendo 500 (quinhentos) titulares e 100 (cem) suplentes, que passavam a ser denominados juízes heliastas e recebiam um pagamento 17 para exercer a nobre função após prestarem juramento (hórkos heliastikós):

“Darei o meu suffragio conforme as leis e os decretos do povo atheniense e do Senado dos quinhentos. Não favorecerei, nem a tyrannia, nem a olygarchia, nem a deposição do poder público, nem coisa alguma que o possa comprometter. Não consentirei na extincçao de nenhuma divida, nem na divisão de qualquer terra ou lar dos athenieneses. Não amnistiarei nenhum dos bandidos ou condemnados á morte. Não banirei, nem consentirei que seja banido cidadão algum contra as leis e os decretos do povo e do Senado. Não consentirei que nenhum Archonte passe á segunda magistratura, sem ter servido e prestado contas da primeira, nem que seja reconduzido no seu cargo, nem que occupe dois simultaneamente. Não receberei offerta para fazer justiça, nem qualquer de meu conhecimento as receberá para mim directamente ou indirectamente, seja qual for o pretexto, seja qual for o meio empregado. Não tenho menos de trinta annos. Escutarei com a mesma imparcialidade accusador e accusado, e prounciar-me-ei de bôa fé sobre a causa. Juro-o por Júpiter, Neptuno e Ceres. Que estes Deuses me castiguem, a mim e a minha família, se faltar ao meu juramento; mas se eu for a elle fiel que me cumulem, a mim e aos meus, de prosperidades” (sic) 18 .

Os dikastas exerciam uma dupla função: admitiam a acusação e, caso admitida, julgavam o caso. Ou seja, num procedimento bifásico (aproximado do júri moderno), primeiramente filtravam o caso, apenas admitindo-o se houvesse prova suficiente, quando então o acusado passava a ser submetido a julgamento.

Em sucinto resumo, o procedimento se iniciava com o oferecimento da denúncia pelo acusador a um arconde (magistrado), o qual cabia convocar os cidadãos para servirem de juízes da causa. A acusação apenas tinha seguimento após o pagamento de uma quantia em dinheiro que deveria ser revertida pelo perdedor aos juízes 19 . O teor da acusação era afixado no pretório para que eventuais provas pudessem surgir e o acusado era convocado para comparecer pessoalmente perante o arconde para opor exceções ou solicitar prazo para sua defesa. As provas deveriam ser buscadas pelas partes e eram apresentadas durante o julgamento, na fase de debates. Após, os jurados pronunciavam-se a respeito da culpabilidade e o presidente aplicava a pena. O procedimento tinha assim os seguintes traços característicos:

“1º) O direito popular de acusação e de julgamento; 2º) A publicidade de todos os atos do processo, inclusive o julgamento; 3º) A prisão preventiva; 4º) A liberdade provisória sob caução, salvo nos crimes de conspiração contra a pátria e a ordem política; 5º) O procedimento oficial nos crimes políticos e a restrição do direito popular de acusação em certos crimes que mais lesavam o interêsse do indivíduo do que o da sociedade” (sic) 20 .

Aqui, igualmente, identificamos características que aproximam o Tribunal dos Heliastas do júri moderno: a oralidade, a decisão imotivada dos jurados, a soberania de seus veredictos e o …

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21 de Maio de 2024
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