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Litigância Climática no Brasil

Litigância Climática no Brasil

12. Estudo de Impacto Ambiental e Mudanças Climáticas

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Autor:

Guilherme J. S. Leal

1.Introdução

Em 2018, por muito pouco, o Presidente da Câmara dos Deputados não levou ao plenário, para votação, o Projeto de Lei 3.729/04, 1 que dispõe sobre a “Lei Geral de Licenciamento Ambiental”. 2 Festejado por uns 3 e criticado por outros, 4 tal PL – que alegadamente simplificaria e agilizaria o processo de licenciamento ambiental 5 – tende a voltar à pauta em 2019, 6 sobretudo à vista do discurso de desburocratização que vem sendo adotado, desde a campanha presidencial de 2018, pela Administração Bolsonaro. 7 Assim, para que retrocessos sejam evitados e avanços, promovidos, é fundamental que se aprofunde o debate sobre o licenciamento ambiental, importante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA). 8

O tema, é verdade, tem sido objeto de diversos trabalhos acadêmicos, já há muitos anos. Poucos, porém, o exploraram à luz dos desafios impostos pelas mudanças climáticas provocadas por fontes antropogênicas 9 – tema que, aliás, não parece ser uma prioridade para o novo Presidente da República. De fato, antes mesmo de ser empossado, Bolsonaro cogitou retirar o Brasil do Acordo de Paris 10 e abriu mão da candidatura do país como sede para a 25ª Sessão da Conferência das Partes (COP-25, sigla em inglês) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, sigla em inglês). 11

Nesse contexto, discute-se, neste capítulo, como o licenciamento ambiental pode ser usado no Brasil para reduzir a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera e, assim, mitigar os efeitos adversos das mudanças climáticas. 12 Sem ignorar a sua complexidade procedimental, 13 divide-se o licenciamento ambiental em duas etapas: (i) a avaliação de riscos, de caráter eminentemente científico, na qual são elaborados estudos técnicos com vistas a subsidiar a tomada de decisão; e (ii) a gestão de riscos, com viés político, na qual o órgão ambiental, no exercício do seu poder discricionário, defere ou indefere o pedido de licença e fixa as condicionantes julgadas necessárias à realização da atividade, quando aprovada. Este capítulo cuidará apenas da primeira fase, com ênfase no Estudo de Impacto Ambiental (EIA), aplicável, em regra, a projetos potencialmente causadores de significativo impacto ambiental. 14

A análise ora proposta – de um instrumento que, frise-se, se restringe, em regra, a um projeto específico (normalmente conduzido por uma empresa) – parte das seguintes constatações: (i) o problema climático, embora mais evidente sob uma perspectiva global, também se manifesta em escalas menores (nacional e subnacional), cada qual com suas particularidades, que, somadas, compõem a realidade que hoje preocupa todo o mundo; e, (ii) apesar de ser tradicionalmente discutido no plano internacional, tal problema vem exigindo, cada vez mais, soluções domésticas complementares àquelas costuradas – para alguns, de forma ainda modesta 15 – pelas vias diplomáticas.

No Brasil, a matéria, por ser de competência concorrente e comum de todos os entes federativos, comporta discussões à luz de um amplo rol de normas e atos, editados em todos os níveis da federação. Este capítulo, porém, concentra-se em normas federais em vigor (especialmente a Res. CONAMA 01/86) e no PL 3.729/04. 16

2.Mudanças climáticas em diferentes escalas

Durante muito tempo, imaginou-se que as mudanças climáticas, por constituírem um problema de escala planetária, 17 seriam solucionadas por acordos multilaterais entre países, com alcance global. 18 Porém, como se verá a seguir, muitos sustentam que tais instrumentos – embora louváveis, há que se reconhecer – têm sido insuficientes no enfrentamento do desafio climático. Assim, para que se alcancem resultados efetivos e tempestivos, novas frentes de ação, de menores escalas, precisam ser exploradas. Diante disso, antes de examinar o licenciamento ambiental como uma dessas frentes (sobretudo a avaliação de riscos ambientais via EIA), cumpre analisar (i) a crescente necessidade de se somar às iniciativas internacionais soluções domésticas no combate às mudanças climáticas; e (ii) como tais soluções se inserem na estrutura federativa brasileira, vis-à-vis as competências legislativa e administrativa previstas na Constituição Federal.

2.1.Respostas domésticas às mudanças climáticas

Desde os anos 1970, 19 as respostas às mudanças climáticas vêm se desenvolvendo, principalmente, pelas vias diplomáticas, dentro de um complexo corpo de princípios e normas de direito internacional, sobretudo no âmbito das Nações Unidas. 20 Destacam-se, nesse contexto, a UNFCCC, firmada no Rio de Janeiro em 1992, o Protocolo de Quioto de 1997 e o Acordo de Paris de 2015. 21

Hoje, no entanto, a um passo da década de 2020, há quem considere modestas as respostas aos desafios climáticos dadas, pelos países, sob a égide do direito internacional, que, por natureza, carece de mecanismos fortes de implementação. 22 O próprio Acordo de Paris – muito festejado à época, não só por sua expressiva adesão, 23 mas também por sua inovadora arquitetura de obrigações, flexíveis em substância (bottom-up) e rígidas em procedimento (top-down) 24 – foi recebido, em meio à euforia, com “otimismo cauteloso” por alguns professores, 25 logo justificado. É que, em julho de 2017, com o anúncio de que os Estados Unidos deixariam a aliança constituída na capital francesa, 26 tal pacto mostrou-se, na prática, vulnerável às oscilações das políticas domésticas e das decisões unilaterais de seus membros. 27

É difícil negar o retrocesso provocado por esse recuo dos EUA, 28 que abala a própria essência do Acordo de Paris, centrado nas ideias de progressão e ambição dos compromissos voluntariamente assumidos pelos seus membros. 29 Não à toa, houve quem manifestasse a preocupação de que outros signatários, ainda que vinculados ao Tratado, pudessem desacelerar as ações previstas nas respectivas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês), ou mesmo deixar de ampliá-las. 30 Aliás, estudos já apontam uma lenta incorporação às políticas domésticas das medidas apresentadas, via NDCs, pelos membros do Acordo de Paris. 31

E como o Brasil se encaixa nesse cenário? O ambiente é de desconfiança quanto à vontade política do Governo de se apresentar perante a comunidade internacional como um modelo de progressão e ambição a ser seguido. Aliás, a imagem de liderança global em temas ambientais e climáticos, que o país construiu ao longo das últimas décadas, vem sendo questionada por alguns doutrinadores. 32 Viola e Franchini, por exemplo, entendem que tal reputação não passa de um “mito”, tendo o Brasil criado obstáculos ao incremento da cooperação entre os países ao insistir em uma interpretação – vista como “radical” por aqueles autores – do princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada. 33

Seja como for, não faltam à recente história do Brasil episódios que ajudem a explicar a atual descrença de que ele possa desempenhar algum protagonismo no combate às mudanças climáticas. Segundo Rochedo et al., barganhas políticas durante o Governo Temer prejudicariam a implementação da NDC brasileira, 34 e, como já mencionado, o recém eleito Presidente da República defendeu, em sua campanha presidencial, a retirada do Brasil do Acordo de Paris, 35 ideia que só foi abandonada dias antes de sua eleição. 36 Mesmo assim, para alguns, o novo chefe do Poder Executivo federal representaria um “perigo global” às mudanças climáticas, 37 tema que, como dito, não parece ser uma prioridade para a atual Administração, que, já na fase de transição entre governos, em novembro de 2018, abriu mão da candidatura do Brasil como sede da COP-25 das Nações Unidas, em 2019. 38

Nesse contexto, as iniciativas globais contra as mudanças climáticas, sobretudo do Brasil, seguem sob olhares céticos em relação à efetividade dos instrumentos firmados no âmbito das Nações Unidas, 39 os quais ainda não se provaram suficientes para garantir resultados relevantes e tempestivos. 40 Essa morosidade política, porém, é incompatível com a necessidade de transformações rápidas e sem precedentes apontada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), no seu Relatório Especial publicado em outubro de 2018 (“Global Warming of 1.5ºC”). 41

Portanto, como destacado por Bouwer, é ultrapassada a noção de que as mudanças climáticas sejam um problema exclusivamente global, com soluções restritas a fóruns internacionais de decisão. 42 De fato, nenhum tratado multilateral, por maior que seja a sua adesão, pode ser visto como uma “bala de prata” 43 capaz de acabar, de uma só vez, com aquela que, segundo Obama, é “a maior ameaça às futuras gerações” existente. 44 Como apontado por Bodansky, o sucesso ou o fracasso da luta contra as mudanças climáticas dependerá, em igual ou maior medida, de outros fatores, como os avanços tecnológicos 45 e – o que é particularmente importante para os fins do presente capítulo – as políticas domésticas de cada país, 46 inclusive aquelas estabelecidas nas esferas subnacionais, como ponderado por Osofsky. 47

Assim, diante da insuficiência e da intempestividade das soluções costuradas pela diplomacia internacional, vem ganhando força o entendimento de que as respostas às mudanças climáticas também devem ser dadas internamente pelos Estados, em diferentes níveis legislativos e administrativos, 48 e, também, via tribunais. 49

2.2.Mudanças climáticas na estrutura federativa brasileira

A verticalização das políticas climáticas (i.e., do internacional ao subnacional) depende, em boa medida, da forma de organização político-administrativa de cada país, que, no caso do Brasil (um estado federativo), 50 compreende a União, os Estados e os Municípios, além do Distrito Federal, todos autônomos entre si, 51 respeitadas as respectivas competências.

As regras constitucionais de divisão dessas competências não cuidam – ao menos de modo expresso – de …

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24 de Maio de 2024
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