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Direito Constitucional Brasileiro: Constituições Econômica e Social

Direito Constitucional Brasileiro: Constituições Econômica e Social

20. Comunicação social e democracia: regime jurídico dos serviços de televisão aberta

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20 Comunicação social e democracia: regime jurídico dos serviços de televisão aberta

Ericson Meister Scorsim

Sumário: 1. Apresentação – 2. Princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal: 2.1 Incidência no regime de outorgas; 2.2 Garantia do pluralismo democrático; 2.3 Acesso às frequências radioelétricas – 3. Regime de serviço público – 4.Televisão comercial: 4.1 Regime legal: considerações prévias; 4.2 Crítica à concessão de serviço público: 4.1.1 Outorga; 4.1.2 Obrigações das emissoras; 4.3 Parâmetros constitucionais para regulação da televisão privada: 4.3.1 Divisão estrutural entre serviços de telecomunicações e radiodifusão; 4.3.2 Autonomia privada e liberdade de programação; 4.3.3 Liberdade de informação jornalística; 4.3.4 Direitos fundamentais; 4.3.5 Proibição de monopólio e oligopólio dos meios de comunicação social; 4.3.6 Princípios da produção e programação de televisão; 4.3.7 Restrições ao capital estrangeiro nas empresas de radiodifusão; 4.3.8 Agência reguladora independente: necessária revisão do art. 223 da CF; 4.3.9 Questões do futuro marco regulatório das comunicações – 5. Televisão pública: 5.1 Garantia do serviço público; 5.2 Empresa Brasil de Comunicação: problema da autonomia; 5.3 TV Cultura; 5.4 TVs educativas – 6. Televisão estatal: 6.1 Autonomia dos poderes públicos e da federação; 6.2 Dever de informar do Estado vinculado ao direito à informação; 6.3 Limites democráticos: pluralismo político e pluralismo informativo – 7. Referências bibliográficas.

1. APRESENTAÇÃO

A Constituição do Brasil completa 25 (vinte e cinco anos). Esta data comemorativa enseja necessária reflexão sobre comunicação social e democracia. 1 Devido à amplitude deste tema, este artigo deliberou por analisar os serviços de televisão aberta. Por duas razões específicas esta delimitação: (I) a conexão entre televisão, comunicação social e democracia; (II) a relevância constitucional dos serviços de televisão, 2 (III) a sua importância para o Brasil e os brasileiros. 3 A televisão privada é ainda uma das principais fontes de informações 4 e acesso à cultura, 5 e ocupa ainda a centralidade do espaço público do País, 6 e influencia o processo democrático 7 e a vida privada das pessoas. 8 Enfim, a televisão é ainda central na estruturação e funcionamento da sociedade brasileira, daí a justificação desta análise. 9

O estudo apresenta as medidas de democratização da comunicação social (as conquistas democráticas, representadas pela liberdade de informação jornalística e a vedação à censura) 10 e as inércias legislativas quanto à regulamentação do texto constitucional (os impasses políticos). 11 O foco do presente artigo é a análise das questões constitucionais que envolvem os serviços de televisão por radiodifusão (TV aberta), aquela cujo acesso é gratuito para o público e utiliza as frequências radioelétricas. 12 A lei aplicável aos serviços de televisão do setor privado é de 1962, porém ela não está adequada à Constituição e à evolução tecnológica que culmina na convergência das mídias, 13 daí a necessidade de novo marco regulatório. 14

Além desta lei, a radiodifusão está sujeita ao Decreto da TV Digital, o qual muda o padrão de transmissão da radiodifusão do sinal de televisão: do analógico para digital. O novo padrão digital oferece inúmeras vantagens quanto à oferta de serviços de televisão aos usuários. 15 Devido aos limites textuais deste artigo não são abordados os demais meios de comunicação social. 16

O estudo adota como premissa a concepção de regulação democrática dos serviços de televisão. É da essência da democracia a imposição de limites ao poder estatal. 17 A Constituição não somente autoriza a edição de nova lei para a televisão aberta, como também exige lei para compatibilizar direitos e bens em conflito. Esta concepção regulatória democrática impede a adoção do “controle da mídia” pelo estado‑governo ou estado‑legislador. Afinal, a liberdade de expressão, de comunicação e o direito à informação são os pilares estruturantes da democracia. O acesso às informações livres e pluralistas em fontes diversas, é essencial à democracia e ao desenvolvimento social e econômico do País. Além disso, é apresentada a organização do setor de radiodifusão e sua vinculação ao princípio da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e estatal. Este princípio demanda a configuração da TV privada, 18 TV pública 19 e TV estatal, 20 como instrumentos para efetivação de diversos direitos fundamentais: liberdade de expressão, comunicação e informação. 21

Ora, esta estruturação policêntrica da comunicação social é a maior garantia de “concorrência” plublicística em termos de democratização econômica, política, social e cultural. O principal problema democrático é a exclusão de pessoas, grupos, interesses ou temas, no estado, no mercado e na própria sociedade. A inclusão social depende da capacidade de comunicação e mobilização das pessoas, inclusive a representatividade de seus interesses diante dos órgãos competentes. Daí por que se entende que o princípio da complementaridade dos três sistemas de radiodifusão privado, público e estatal, demanda criação e execução de políticas de comunicação inclusivas. Afinal, as pessoas afetadas pelas decisões políticas devem estar incluídas nas deliberações parlamentares. 22 Porém, estas políticas públicas inclusivas devem ser adequadas à natureza dos sistemas de radiodifusão. Por exemplo, uma política inclusiva pode ser mais fortemente implementada nos setores público e estatal. No sistema privado existem limites estruturais (propriedade privada e autonomia privada) à competência regulatória estatal quanto às políticas de inclusão comunicativa. 23

A regulação dos serviços de televisão por radiodifusão do setor privado é objeto de intensas polêmicas no Brasil. O tema desperta o debate sobre a técnica adequada de regulação, sua intensidade e os condicionamentos e restrições admissíveis em relação à liberdade de comunicação. 24 Também, enseja o debate sobre o papel do estado, do mercado e da sociedade em relação à comunicação social. Mas, embora seja autorizada a regulação dos serviços de televisão pelo texto constitucional, evidentemente que a tarefa regulatória não é incondicionada, pois existem limites democráticos à atuação legislativa sobre os setores de radiodifusão, analisados mais à frente. O objetivo da regulação estatal dos serviços de televisão é garantir o equilíbrio de interesses dos diversos atores: mercado, sociedade e estado. O presente estudo parte da perspectiva da relevância do mercado na efetivação das liberdades de comunicação. 25

E de seus mecanismos quanto à produção, transmissão e distribuição de programas e programações televisivas. Daí a defesa da maior incidência do regime de mercado e da concorrência privada no setor da radiodifusão, razão pela qual se faz a crítica à aplicação do regime de serviço público nas televisões comerciais. 26 O objetivo é a efetivação do mercado, sem excessivas interferências governamentais nos negócios relacionados aos serviços de radiodifusão. 27 É claro que a comunicação social do País envolve valores fundamentais, além dos valores econômicos. Televisão envolve aspectos econômicos, mas também aspectos culturais. 28 Daí a relevância da criação e manutenção do serviço público de televisão. Do ângulo democrático, a finalidade maior a ser buscada é o pluralismo de fontes de informação e a diversidade de conteúdos, algo essencial no Estado Democrático de Direito. 29 A livre formação da opinião pública e da vontade política é essencial para o adequado funcionamento da democracia. O propósito constitucional é garantira autodeterminação das pessoas para o livre desenvolvimento de sua personalidade e seus estilos de vida e à autodeterminação do povo quanto às escolhas públicas. 30

Em síntese, existem diferenças significativas entre os serviços de televisão que não podem passar despercebidas na tarefa de interpretação constitucional e dos textos legislativos, sob pena de cometimento de equívocos na formatação da regulação e na aplicação prática das regras. 31

A seguir, são analisados os parâmetros regulatórios estabelecidos pela Constituição de 1988 em relação aos serviços de televisão privados, públicos e estatais.

2. PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE DOS SISTEMAS DE RADIODIFUSÃO PRIVADO, BLICO E ESTATAL

2.1 Incidência no regime das outorgas dos canais de televisão

A Constituição estabelece o princípio complementaridade entre os setores de televisão por radiodifusão privado, público e estatal. 32 É mandamento de democratização do espaço público de frequências, de modo a ampliar as fontes de informações para sociedade brasileira. É garantia de efetivação do direito à informação em fontes informativas privadas, públicas e estatais. A norma garante a outorga de frequências para a sociedade, o mercado e o estado federativo. De acordo com o art. 223 da Constituição, nos procedimentos de outorga e renovação de concessões, permissões e autorizações, o Poder Executivo deve atender ao referido princípio. Mas, também, o Poder Legislativo está vinculado ao referido dispositivo, razão pela qual possui obrigação de adotar normas e procedimentos em lei de modo a garantir a efetivação do princípio. A norma em análise implica a consideração da complementaridade entre as estruturas de comunicação social de diferentes naturezas jurídicas. Isto é, embora a tecnologia de difusão utilizada para a veiculação da programação seja a mesma (radiodifusão analógica ou digital), 33 a finalidade de cada sistema de radiodifusão é diferente, fator de que deve ser respeitado pelo legislador, conforme análise a seguir.

2.2 Garantia do pluralismo democrático: estruturas e conteúdos

O legislador, ao cumprir com sua tarefa constitucional de proteger os direitos fundamentais e organizar os sistemas de radiodifusão, tem que considerar os seguintes aspectos: (I) o setor privado é integrado pela livre‑iniciativa, autonomia privada, liberdade de empresa, propriedade privada, concorrência, defesa do consumidor, publicidade comercial; (II) o setor público é estruturado a partir da liberdade de associação, propriedade pública (coletiva), cooperativas, cidadania, solidariedade, liberdade de programação de interesse público, financiamento público; 34 e, (III) o setor estatal é baseado nas competências da federação quanto à realização de comunicação institucional vinculada à concretização do direito dos cidadãos à informação sobre os poderes públicos e assuntos de interesse público. 35

A interpretação do princípio da complementaridade deve ser feita com base no princípio do pluralismo nos seus âmbitos quantitativo (pluralidade de estruturas comunicativas) e qualitativo (pluralidade de conteúdo audiovisual diverso). Este princípio tem por função a oferta equilibrada de programas de televisão nos setores privado, público e estatal. Cabe ao Estado a adoção de normas e procedimentos de acesso às frequências e, assim, possibilitar o cumprimento da complementaridade na oferta de opções de programas audiovisuais. 36

Registre‑se que não na Constituição, nem em lei, o reconhecimento do direito de acesso dos cidadãos à televisão por radiodifusão nos setores privados, público e estatal. Não há, também, o reconhecimento legal do direito subjetivo à livre criação de emissoras de televisão, eis que estas dependem de concessão, permissão ou autorização. 37

Em seguida é analisado o acesso à frequência do espectro eletromagnético como uma condição prévia para a efetivação do princípio da complementaridade dos sis temas de radiodifusão.

2.3 Acesso às frequências radioelétricas

A prestação dos serviços de radiodifusão requer utilização das frequências do espectro radioelétrico. Trata‑se de bem público essencial à execução dos serviços de radiodifusão. Em razão da escassez natural desse bem público, compete ao Estado e políticas de ordenação de seu uso, para fins de prestação dos serviços de radiodifusão com maximização do aproveitamento por todos os potenciais operadores: privados, públicos e estatais. 38 Os abusos estatais no controle das frequências são condenáveis, razão pela qual podem ser objeto de questionamento judicial. 39 A função das frequências serve à dinamização da comunicação social por radiodifusão, o que exige a conjugação do uso pelos setores estatal e público com os usos privativos exercidos pelas empresas privadas. 40 Entretanto, a garantia de acesso igualitário ao bem público não impede a realização de discriminação positiva em favor dos setores público e estatal a fim de corrigir eventuais falhas do mercado quanto ao atendimento do interesse público, 41 mas, desde que se respeite a subsidiariedade dos sistemas estatal e públic…

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25 de Maio de 2024
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