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Poder Regulamentar: Espécies Regulamentares no Direito Brasileiro

Poder Regulamentar: Espécies Regulamentares no Direito Brasileiro

3. Constitucionalismo

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Como se sabe, o direito privado se preocupa, basicamente, em regular as relações entre as pessoas. Ele quer evitar que alguém seja incluído, sem a sua vontade, em uma relação jurídica. Por isso seu núcleo duro, até hoje, é o direito contratual , que exige a manifestação de vontade para que surja o negócio jurídico. Se, por exemplo, quero adquirir um par sapatos, não posso obrigar o seu dono a doá-lo para mim, nem sequer a vendê-lo. Só conseguirei obter o produto se o seu dono tiver interesse na venda e se o preço e a forma de pagamento forem livremente ajustados entre as partes.

Daí que não há qualquer dúvida de que o fundamental, para este grande ramo do direito, é a autonomia na manifestação da vontade. Sem esta, não há liberdade, aqui compreendida como a desnecessidade de manifestar qualquer vontade para ser incluído ou não em uma relação jurídica . Mais e além disso, se fôssemos obrigados a cumprir a vontade de outras pessoas, sem nossa anuência, não seríamos iguais a elas. Dividiríamos a sociedade entre pessoas que teriam a capacidade de dar ordens em nossas relações privadas, e outras que não. Na escravidão, é justamente isso que acontece: alguns mandam, e os escravos obedecem, de nada importando a sua vontade em participar daquela relação jurídica que, basicamente, lhes nega a autonomia de vontade, transformando-lhes, por meio de ficção jurídica, em meros objetos, desiguais àqueles que lhes mandam fazer ou deixar de fazer algo. Vê-se, assim, sem sombra de dúvidas, que a liberdade é a face reversa da igualdade .

Estruturado em torno do objetivo de regular as relações entre as pessoas privadas, em que é necessário que existam os gêmeos da liberdade e os da igualdade , diz-se que o direito privado é relativamente antigo, sendo já bastante desenvolvido na época do Império Romano. Nesse contexto, percebe-se que o papel do direito romano era justamente este, o de dar a liberdade e a igualdade para os cidadãos romanos nas suas relações privadas, de sorte que nenhum cidadão romano pudesse, unilateralmente, criar, modificar ou extinguir uma relação jurídica em relação ao outro cidadão.

Claro que, para que uma sociedade funcione, não é necessário somente que haja a juridicização das relações entre as pessoas privadas. Há todo um outro ramo do direito que se propõe a tornar possível a coexistência social por meio da disciplina das condutas da imposição de escolhas. Este é o direito público, que, para funcionar, não precisa de qualquer manifestação de vontade. Aqui é o contrário: trata-se da imposição de condutas, da supressão de autonomia pessoal 1 .

Sem embargo, não há qualquer liberdade ou igualdade das pessoas em relação ao estado – não no sentido da autonomia da vontade pessoal. Não se é livre perante o estado porque este nos obriga a seguir condutas, e não se é igual porque pouco importa se queremos isso ou não.

Existiu, então, no mundo ocidental, por muito tempo, um acordo social que funcionava de maneira dual: o estado era considerado civilizado se permitisse que seus cidadãos fossem livres e iguais entre si, ainda que em suas relações com os cidadãos o poder público pudesse impor livremente condutas 2 .

Porém, por volta de meados do séc. XVIII, restava evidente que a preocupação jurídica de regular apenas as relações particulares estava obsoleta e não se prestava mais à pacificação social. Era cada vez mais necessário que os gêmeos liberdade e igualdade colonizassem, também, as relações entre os homens e o Estado 3 . Eventualmente, isto foi obtido por meio da positivização de complexas ideologias de contenção de poder, em um processo que continua até hoje, que chamamos de constitucionalismo.

Basicamente, com o advento das constituições, permitiu-se que pessoas dispusessem de uma série de regras de oposição (direitos fundamentais de primeira geração) às imposições do estado. Embora isso não as deixasse em uma posição de igualdade perante o Poder Público (no sentido de que este poderia, unilateralmente, criar, modificar e extinguir relações jurídicas), possibilitou que os valores de liberdade e de igualdade finalmente colonizassem as relações jurídicas do Estado com os particulares, dando a estas condições de verificação a respeito do acerto (validade) ou desacerto da atuação estatal 4 .

Ve-se, assim, que o constitucionalismo é, deveras, a juridicização de técnicas de contenção de poder, possível apenas por meio da submissão do poder público a uma ordem jurídica, a qual chamamos de Constituição. As tecnologias jurídicas arquitetadas para conter o poder estatal, contidas nas constituições, têm como objetivo, sobretudo, disciplinar o poder estatal de imposição unilateral de condutas às pessoas, de forma que a sua liberdade e igualdade não sejam aniquiladas pelo gigantismo jurídico estatal, que, por seu lado, tem cada vez mais dificuldade em regrar sociedades que dia a dia se tornam mais complexas 5 .

3.1. Liberdade e Igualdade

A doutrina não dá muita atenção ao fato de que o constitucionalismo deve a sua existência ao esforço de pensadores iluministas em fazer com que os estados respeitassem a liberdade de todos os homens, e tratassem a todos de maneira igual. Programas normativos de limitação de poder, como isonomia, república, democracia, separação de poderes e federalismo, todos podem ser ligados à liberdade e à igualdade. Isonomia, a obrigação estatal de tratar todos de maneira igual. República, a regra estatal de que o estado é de todos, portanto, igualdade. Democracia, o mandamento de que o governo deve ser exercido por representantes de todos, e por tempo determinado, de sorte que, portanto, todos são iguais. Separação dos poderes, a técnica que ensina que os poderes devem ser independentes para poderem conter a si próprios, preservando a liberdade das pessoas 6 . E federalismo, talvez a menos compreendida das tecnologias de contenção de poder, que diz que o poder tem que ser dividido espacialmente, de sorte se que limite geograficamente, e possa ser melhor fiscalizado e contido, para a preservação de nossa liberdade 7 .

Aliás, é justamente por essa razão – o de estarem os direitos fundamentais atrelados à liberdade e à igualdade – que se nota, hoje, uma constitucionalização das relações privadas, especialmente quando uma das partes está em uma posição jurídica em que pode prejudicar a autonomia de vontade da outra 8 .

Montesquieu, por exemplo, quando versa a respeito da separação entre os poderes, o faz com a preocupação de assegurar a liberdade dos homens 9 , seja em relação ao poder público, seja em relação a outras pessoas. Não devemos cometer o mesmo equívoco de desconsiderar esta visão neste estudo 10 . Por isso, é importante estudar e compreender o direito à luz dos direitos fundamentais. Compreender a teoria regulamentar ao longe de uma sólida compreensão do constitucionalismo ou dos direitos fundamentais seria desidratar o assunto, observando-o apenas sob um ponto de vista mecanicista, sem ter em conta de que ao final e ao cabo o que se pode ter é a restrição da liberdade, da propriedade ou da igualdade de alguém 11 .

3.2. Legalidade e Separação dos Poderes

Pois bem, a técnica constitucional fundamental de controle de poder que interessa ao poder regulamentar é a legalidade. Não é, como muito da doutrina ainda quer fazer crer, a separação dos poderes. Isso porque, como se verá, nos estados modernos, praticamente …

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jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/3-constitucionalismo-poder-regulamentar-especies-regulamentares-no-direito-brasileiro/1620615831