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Ato Administrativo, Consequencialismo e Compliance - Ed. 2019

Ato Administrativo, Consequencialismo e Compliance - Ed. 2019

4. Consequencialismo Jurídico e a Nova Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb)

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Consequencialismo jurídico é ferramenta hermenêutica do Direito, estabelecida pela LINDB, que determina a necessidade de consideração dos efeitos e das repercussões jurídicas e do mundo real para a determinação de validade de atos jurídicos (em especial, conforme a LINDB, dos atos administrativos, ao focar no Direito Público).

Parece ser o caminho ideal para a superação das questões controvertidas do mundo real ter em conta os reflexos de tais problemas nessa mesma dimensão da realidade interativa humana. Isso porque, permanecer no virtual universo jurídico, como se os impasses reais fossem transportados para essa dimensão e lá fossem resolvidos, significa ignorar que a vida ocorre para além do Direito, não nos limites do Direito.

Assim, ao considerar uma lógica consequencialista da aplicação do Direito, evidencia-se, na verdade, que se faz necessário voltar os olhos aos problemas reais e às suas repercussões na vida de quem sente e reflete o universo jurídico como instrumento de desenvolvimento contínuo e sustentável.

Para tanto, não se pode ignorar que o Direito é ciência de regulação do outro, quando da interação consigo, com a finalidade de pacificação dessas relações voltada à promoção do desenvolvimento intersubjetivo dos partícipes do Estado.

Ou seja, apenas se imagina Direito quando há oposição do ´outro´ em face da vontade de um ´interlocutor´, pois, do contrário, regulações externas de ´universos individuais´ não seriam necessárias para a delimitação de atitudes de um indivíduo que repercutissem exclusivamente nesse ´universo individual´.

Logo, aplicar a hermenêutica consequencialista é, antes de tudo, reconhecer a necessidade do outro para o desenvolvimento do todo (e de todos). Glauco Barreira Magalhães Filho bem destaca que “quando a interpretação esquece o outro, ela se torna um monólogo em vez de um diálogo” 1 .

O autor bem assinala que “a verdade é que a nossa compreensão das coisas deve estar ligada ao mundo real, ao mundo em si. É uma exigência da natureza humana que as coisas só adquiram sentido para mim se eu as tiver como válidas para si”.

Nesse contexto, a partir da técnica da hermenêutica consequencialista, a verificação de legalidade da atuação estatal passa da mera conformação do texto legal com o fato jurídico analisado para, de outro modo, a realização do exame das consequências da aplicação do texto legal no mundo real e jurídico.

Assim, o consequencialismo jurídico tem como finalidade a análise da potencial adequação legal do ato avaliado na realidade concreta de interação humana, e com o meio onde tal atividade acontece, com os valores do Direito. De igual forma, visa aferir como o Sistema Estatal reage frente ao cenário fático e jurídico formado a partir de tal interação humana.

Se reagir positivamente, a legalidade é estabelecida de forma a promover os objetivos fundamentais da República (art. da CF) e o interesse público a ser realizado no caso concreto sob averiguação. Na ocorrência de reação negativa, faz-se necessário indicar caminhos de superação desse contexto que, diversamente aos valores do Direito, causam um retrocesso na missão maior constitucional do Estado, qual seja, de permanente viabilização do desenvolvimento intersubjetivo de seus partícipes.

Nessa esteira, toda atuação estatal precisa seguir a nova hermenêutica indicada pela atualização da LINDB (em seus arts. 20 a 22) realizada no ano de 2018, em especial, a atividade de controle da Administração Pública. E assim se aplica por meio de mecanismos de consolidação da norma ao caso concreto, voltada à realização dos objetivos fundamentais da República.

Tal emprego pode ser verificado, por exemplo, por meio da ponderação racional dos valores envolvidos, quando existirem dúvidas sobre o melhor caminho estatal a ser adotado; por meio do estabelecimento do nexo causal entre a produção do ato administrativo e o concretizável interesse público a ser impulsionado; e por meio da aplicação dos princípios da prevenção, precaução, proporcionalidade e sustentabilidade ao caso posto.

O exposto encontra consonância com a doutrina de Ricardo Guastini, que leciona acerca da necessidade de se questionar quais são os efeitos que um ato jurídico produziu e que vem a produzir 2 . Dessa forma, a nova indicação da hermenêutica consequencialista do sistema jurídico pátrio tem como objetivo trazer mais estabilidade e segurança jurídica para as relações intersubjetivas com o fito de diminuir os custos de transação das interações desenvolvidas no ambiente público, tornando-as, desse modo, mais eficientes, a partir da buscas dessas respostas acerca dos efeitos causados e daqueles que poderão ocorrer a partir da atividade estatal sindicada.

Assim compreendido, é o momento de sublinhar que o desempenho estatal consequencialista, tal como firmado nas lições de Pontes de Miranda 3 , também deve estar disposto nos ladrilhos da Lei e do Direito 4 . Nesse contexto, caso ocorra alguma dúvida, ou receio de aplicação, entre o atendimento à expressão positivada (Lei) ou aos seus valores alicerces (Direito) do sistema, certamente o segundo deve preponderar.

Arremata, então, o jurista: “teremos o ensejo de ver que a subordinação é ao Direito, e não à Lei, por ser possível a Lei contra o Direito.” Pode ser essa, então, uma boa síntese da lógica consequencialista positivada na atualização da LINDB, em que os artigos 20, 21 e 22 foram incluídos 5 .

Isso porque, a partir dessas novas normas-base do Direito pátrio, o Sistema Jurídico Nacional passou a buscar uma clara e determinante superação da hermenêutica puramente positivista, característica de boa parte do século passado.

Obviamente, a partir dessa atual forma indicativa de como se interpretar o direito público, o gestor público passa a precisar ter em mente, de forma constante, quais serão os reflexos jurídicos e fáticos de sua responsável atuação em nome do Estado, para que sua atividade, efetivamente, alcance a realização do desenvolvimento estatal esperado.

E não apenas no momento de preparação e de realização de atos administrativos essa preocupação precisa ser priorizada no bom agir do Estado, mas, de sobremaneira, na ocasião do autocontrole da gestão pública. Ou seja, quando da conferência de atendimento de metas e de fiscalização de sua execução pela própria Administração que definiu a realização de determinadas tarefas públicas.

Obviamente, o primeiro passo para verificação de adequação das normas consequencialistas trazidas pela atualizada LINDB é a averiguação da conformação legal do ato estatal em análise. Ou seja, avaliar o ajustamento do ato do Estado com a respectiva expressão legal que o sustenta é quesito primordial para a apreciação da atuação consequencialista proposta.

Desse modo, quanto à necessidade de sondagem de controle acerca do critério consequencialista de execução de determinados atos do Estado, sem dúvida, tal dever caminha ao lado da verificação de sua legalidade e de sua juridicidade.

Assim, para se mensurar e avaliar quais são as consequências fáticas e jurídicas de um ato do Estado e se tais reflexos coincidem harmonicamente com a Lei e com os valores do Direito, torna-se imperioso determinar a adequação do respectivo ato estatal ao novo cenário hermenêutico do Direito Público, inaugurado pela mencionada atualização da LINDB.

Nas palavras do Ministro Bruno Dantas do Tribunal de Contas da União: “Ensina Maria Helena Diniz (in Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. 1, 32. ed., 2015) que a Lei de Introdução é um conjunto de normas sobre normas, pois disciplina as próprias normas jurídicas, assinalando-lhes a maneira de aplicação e entendimento. Vincula tanto o direito privado como o direito público” 6 .

Discorre o Ministro do TCU acerca da LINDB, afirmando que se trata de “uma norma preliminar à totalidade do ordenamento jurídico. É uma lex legum, ou seja, um conjunto de normas sobre normas, constituindo um direito sobre direito, ou seja, um superdireito. Rege as próprias normas, indicando como aplicá-las, ou seja, definindo critérios de hermenêutica e de integração de normas, garantindo a eficácia global da ordem jurídica e a segurança e estabilidade do ordenamento” 7 .

Desse modo, Bruno Dantas indica que, “em sintonia com essa qualidade supranormativa da Lei de Introdução, Sílvio de Salvo Venosa (in Direito Civil, vol. 1, 14. ed., 2014), ensina que essa lei ‘estabelece um arcabouço de aplicação, no tempo e no espaço, de todas as leis brasileiras’”.

Finalmente, o Min. Bruno Dantas assevera que “os preceitos contidos na Lei de Introdução voltam-se essencialmente para o intérprete e o aplicador da lei (o julgador), incorporando as orientações para as quais deve estar atento o juiz, quando aplicar as demais normais ao caso concreto”.

Isso porque, com o advento da mencionada atualização normativa da LINDB, passa a ser dever dos respectivos órgãos controladores das atividades estatais prontamente estimarem e objetivamente projetarem qual efeito prático e jurídico – negativo ou positivo – prepondera frente à realização de atividades estatais voltadas à promoção de um determinado (ou determinável) interesse público.

E que assim o façam, considerando todos os necessários estímulos públicos para que tais atividades se amoldem com a legalidade e com o Direito e que, concretamente, amparem proativamente um determinado (ou determinável) interesse público.

Vale lembrar que a questão do consequencialismo está intimamente ligada à determinação do “tempo” e do “espaço” da atividade estatal que está sob apreciação dos legítimos órgãos de controle do Estado e como essa atuação pública impacta a vida das pessoas.

Ou seja, enquanto o tempo consolida direitos (ou a ausência de direitos), o espaço determina qual é a abrangência desses direitos.

Nessa direção, de determinação de direitos e da sua abrangência quando postos em prática, faz-se relevante recordar a importância da proteção dos cidadãos como seres dignos, considerando como o equilíbrio entre os Poderes do Estado e a ponderação de princípios estão organicamente ligados ao Estado Democrático de Direito, com sua missão de balancear deveres e direitos, prerrogativas e garantias, cada qual com sua bem firmada raiz constitucional.

Mediante esse cenário, e sem entrar em discussões de fundo sobre a possível substituição da ideia “clássica de justiça” pelo ideal “racional de eficiência econômica”, propõe-se aqui uma reflexão sobre as consequências práticas da forma de se observar o sistema jurídico a partir da eficiência consequencialista responsável, e sua repercussão no tempo, no espaço e nas pessoas, que de fato sustentam o atual regime jurídico administrativo e a necessidade de se controlar tais consequências da atividade pública.

Desse ponto em diante, então, faz-se imprescindível considerarmos algumas premissas para a compreensão do magistério que ora se apresenta a respeito do consequencialismo jurídico.

4.1. Premissas iniciais

A Lei 13.655/18 estabeleceu uma nova forma de interpretação e de aplicação do Direito: o consequencialismo jurídico. Incluiu no Decreto-Lei 4.657, de 04.09.1942 (LINDB) disposições sobre segurança jurídica e eficiência nas operações estatais, bem como na criação e na aplicação do direito público, a saber:

“Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticasda decisão.

Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas.

Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, …

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16 de Maio de 2024
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