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Compliance no Direito Penal

Compliance no Direito Penal

8. De-Risking: Parâmetros para Medidas de Diligência nos Programas de Compliance das Instituições Financeiras

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Autores:

ANA CAROLINA CARLOS DE OLIVEIRA

Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Doutoranda e Professora assistente na Universidade Pompeu Fabra (Espanha). Pesquisadora do Instituto Max Planck para a criminalidade, segurança e Direito (Alemanha). Pesquisadora observadora do projeto sobre participação público-privada para o combate de delitos financeiros da Europol (EFIPPP). Consultora.

DÉBORA MOTTA CARDOSO

Doutora em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em associação com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e pela Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo. Professora nos cursos de especialização em compliance do IBCCRIM, APET e PUC/SP. Advogada.

1. Introdução

A delinquência da globalização é a delinquência econômica. Essa conclusão de Silva Sánchez 1 facilmente se comprova no fato de que o crime de lavagem de dinheiro vem impulsionando escândalos políticos e financeiros ao redor do mundo 2 . Concomitantemente, a definição penal de lavagem de dinheiro se apresenta também como uma expressão do direito penal econômico 3 e das críticas que normalmente se lhe confere, pela ampla definição das condutas proibidas, e pelo fato de que a definição do risco proibido das condutas depende fortemente das regras de direito administrativo 4 .

Nos dias de hoje, às custas da revolução tecnológica, a internet se tornou acessível a todos, e os meios de pagamento se dinamizaram a tal ponto, que as movimentações bancárias, independentemente do lugar onde estejam os seus titulares ou se localizem as agências bancárias, estão à distância de um clique 5 . O que notamos é que tamanha agilidade e impessoalidade nos relacionamentos propiciaram que a lavagem de dinheiro fosse elevada a um outro patamar 6 , com a profissionalização de seus métodos para se desvencilhar da origem delitiva dos bens e, reintegrar o produto do crime na economia sem levantar suspeitas. 7

Sabe-se, à vista disso, que o crime de lavagem de dinheiro representa o processo de operações sobre um capital de origem ilícito para dissimular essa procedência criminosa, e com isso permitir sua inserção na economia com aparência de legalidade, ao mesmo tempo em que facilita a ocultação da prática do crime precedente e de seus autores 8 . Na prática, os bancos são os principais vetores dessas atividades, uma vez que seus serviços consistem justamente em possibilitar, de maneira segura e prática, a movimentação de capital, dentro ou fora dos limites territoriais de um país. Não é por acaso que as instituições financeiras se destacam entre os sujeitos obrigados a prevenir a lavagem de dinheiro, e de acordo com a normativa internacional sobre o tema, possuem os deveres mais extensos de prevenção e informação 9 . Há casos, entretanto, frente aos quais o banco decide não arcar com os riscos de aceitar determinado cliente, ou prefere não assumir os custos das medidas de diligência devida para poder tê-lo em sua carteira, optando por excluí-lo potencialmente de sua atividade. Esse movimento é conhecimento mundialmente por de-risking 10 .

Neste artigo discutiremos o contexto no qual se dá o fenômeno do de-risking, os problemas que implica para ambas partes (bancos e clientes), e apresentaremos algumas ideias de lege ferenda para propor soluções aos órgãos supervisores (Banco Central e Coaf) e legislativo. Nesse cenário, não poderemos deixar de mencionar a regulação internacional da lavagem de dinheiro, tendo em vista que a legislação brasileira ainda é insuficiente neste tema.

2. De-risking – exclusão financeira

Como é de conhecimento de todos, os bancos que seguem padrões internacionais de regulamentação, a exemplo daqueles que foram firmados nos acordos da Basileia, têm procurado reavaliar seus relacionamentos num movimento chamado pela bibliografia especializada de de-risking 11 . De-risking se refere ao fenômeno pelo qual uma organização busca limitar sua exposição ao risco, encerrando suas atividades com o cliente segundo padrões generalizados desenvolvidos pelo sistema de compliance, sem que se entre a analisar mais rigorosamente as circunstâncias do caso. Com isso, encerra-se a relação de negócios (conta corrente, investimentos etc.) com base em razões alheias ao cliente em particular, isto é, sem avaliar, caso a caso, se uma operação efetivamente apresenta riscos de delito ou sem chegar a conferir se tratar realmente de um capital de origem ilícita.

Desse modo, os critérios para a exclusão do cliente não são necessariamente o risco concreto de sua uma transação, mas fontes genéricas de decisão, como a possibilidade estatística de que este realize operações de lavagem, notícias de jornal, redução de custos dos programas de seguimento da relação de negócios etc. Daí porque a opção de eliminar certos relacionamentos, produtos, bancos correspondentes e até mesmo jurisdições, a fim de minimizar as preocupações concernentes a lavagem de dinheiro, e de tal modo, reduzir gastos com as políticas de compliance, têm sido cada vez mais frequentes.

No plano da prevenção à criminalidade nas entidades financeiras é primordial que os sujeitos obrigados zelem para que sua atividade profissional não seja instrumentalizada para canalizar valores provenientes de delitos. Nesse desiderato, devem cumprir um detalhado protocolo de diligência devida com relação aos seus clientes, a ser aplicado tanto no momento da admissão quanto durante todo o relacionamento. Naturalmente, a estruturação dos sistemas internos de prevenção implica em investimento em pessoal especializado em compliance e em tecnologia, fatores que naturalmente implicam em despesas significativas 12 . Em contrapartida, no caso de infração dos deveres de prevenção, os sujeitos obrigados estarão submetidos a sanções administrativas e, nos casos mais graves, à possível responsabilidade penal por autoria direta ou participação na lavagem de dinheiro 13 .

A respeito, é muito importante ressaltar que o descumprimento de normas administrativas não acarreta a automática responsabilidade penal 14 . Por outro lado, eventual infração das medidas administrativas de prevenção implicará em uma perda significativa de capital para os sujeitos obrigados, seja na forma de pagamento de multas, seja na forma de custos de reputação e valor de mercado 15 .

Nesse cenário, não é incomum a situação na qual uma instituição financeira se depara com um cliente identificado como potencial possuidor de capital ilícito e para evitar uma possível multa administrativa, bem como o risco reputacional 16 de ter em sua carteira de clientes uma pessoa acusada de delitos, decide encerrar a conta, ou se for o caso, simplesmente negar a sua abertura 17 . A decisão pelo encerramento da relação de negócios pode ocorrer ainda por razões mais pragmáticas, como por exemplo, a ponderação entre o volume de rendimentos que o cliente pode trazer ao banco, comparado aos custos dos programas de compliance para operacionalizar sua inclusão como correntista.

Exemplos como os descritos acima nos colocam diante de dois grupos de interesses de difícil conciliação. De um lado, a instituição financeira, que, para não arcar com as consequências de ter sua estrutura indevidamente utilizada na lavagem de dinheiro, deve aplicar medidas de prevenção, que por sua vez, poderão implicar na exclusão de pessoas, grupo de pessoas, ou até mesmo empresas de sua carteira de clientes, pelas razões que sejam. E de outro lado, as pessoas físicas ou jurídicas que necessitam da prestação dos serviços bancários para poder se …

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jusbrasil.com.br
19 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/8-de-risking-parametros-para-medidas-de-diligencia-nos-programas-de-compliance-das-instituicoes-financeiras-compliance-no-direito-penal/1188256718