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Técnica da Interpretação Jurídica: Breviário para Juristas

Técnica da Interpretação Jurídica: Breviário para Juristas

Capítulo 4 - Antinomias

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«Contrarium autem aliquid in hoc codice positum

nullum sibi locum vindicabit nec invenitur, si quis

suptili animo diversitatis rationes excutiet»

Codex Iustinianus

4.1.Antinomias e sentenças judiciais

Neste capítulo, analogamente ao que se tentou fazer no capítulo precedente acerca das lacunas, proponho-me a delinear um compêndio das noções que possam ser úteis, em sede de análise argumentativa das sentenças (mas o discurso vale, como de costume, também para os escritos doutrinários), com a finalidade de realizar uma identificação metodologicamente informada e uma conceituação rigorosa das situações nas quais os juízes, no seu discurso, enfrentam e resolvem problemas atinentes a “antinomias”, ou “conflitos normativos”, no direito positivo.

Com esse propósito, pareceu-me oportuno:

1. Distinguir, ao lado de um conceito genérico de antinomia, alguns conceitos específicos, elaborados a partir dos significados, de sentido comum ou teóricos, dos quais o termo “antinomia” – ou expressões equivalentes na língua italiana e em outras línguas naturais – é portador no âmbito da experiência jurídica;

2. Desenhar algumas tipologias de antinomias – centradas na distinção entre antinomias próprias e impróprias –, que podem ser utilizadas como rede conceitual para classificar, e melhor compreender, no ponto de vista que aqui interessa, o conteúdo dos discursos judiciais;

3. Esboçar um quadro das relações entre antinomias e interpretação, com o auxílio de um modelo metodológico rudimentar concernente à “constatação”, ou identificação, das antinomias;

4. Desenvolver, por último, um rápido reconhecimento dos critérios de resolução das antinomias, prestando atenção no seu funcionamento e nas suas recíprocas interferências.

As noções explicitadas nos quatro pontos precedentes referem-se, respectivamente, à dimensão definitória, taxonômica e metodológica (que, por sua vez, concerne à identificação e resolução de conflitos normativos) daquilo que há algum tempo poderia ser chamado de “o problema das antinomias”; e identificam – conjuntamente à dimensão ontológica, aqui descartada – outras tantas partes de uma teoria das antinomias bem construída.

4.2.Três conceitos de antinomia

Façamos, para iniciar, a título de experiência heurística, a pergunta (para nós, aqui) crucial: o que é uma antinomia?

As oscilações dos usos linguísticos correntes na prática do direito, e um reconhecimento sumário da literatura metodológica – na qual podem ser encontradas inúmeras propostas definitórias 1 – desaconselham, aparentemente, o fornecimento de uma resposta a essa pergunta que não seja de algum modo articulada.

Agora, de um ponto de vista analítico, parece útil distinguir entre três conceitos de antinomia, relacionados entre si 2 .

Primeiro conceito (A1):

Antinomia é qualquer incompatibilidade entre duas normas (que se assume sejam), simultaneamente vigentes, ao menos prima facie, para um mesmo ordenamento jurídico (a seguir, omitirei essa precisação, assumindo-a como subentendida 3 ).

Segundo conceito (A2):

Antinomia é qualquer incompatibilidade entre duas normas, que não pode ser eliminada mediante interpretação.

Terceiro conceito (A3):

Antinomia é qualquer incompatibilidade entre duas normas, que não pode ser eliminada mediante interpretação, nem pode ser superada aplicando um critério de resolução pré-constituído.

Uma análise, ainda que sumária, do primeiro conceito (A1) permitirá – como veremos em seguida – enriquecer nosso aparato conceitual com noções ulteriores de antinomia, mais precisas e clarificadoras, e examinar algumas taxonomias dos conflitos normativos (infra, §§ 4.3 a 4.7).

Uma análise – igualmente sumária – dos outros dois conceitos permitirá, de outro lado, tratar das relações entre antinomias e interpretação (§ 4.8), bem como dos critérios de resolução de antinomias (§ 4.9).

4.3.As antinomias como incompatibilidades normativas

O primeiro conceito de antinomia – (A1) antinomia é qualquer incompatibilidade entre duas normas – é um conceito genérico e estático.

Trata-se, sobretudo, de um conceito (eminentemente) genérico: uma antinomia é assim caracterizada, sem distinção nenhuma, como qualquer “incompatibilidade” entre duas “normas” quaisquer – que se assume sejam simultaneamente vigentes, ao menos prima facie, em um mesmo ordenamento jurídico.

Trata-se, de outro lado, de um conceito estático: uma antinomia é de fato caracterizada sem que se faça nenhuma referência às modalidades de sua identificação e de sua resolução – isto é, em um modo que resulta totalmente opaco, e denota indiferença, relativamente aos perfis (que podem genericamente ser chamados de) metodológicos, ou dinâmicos, do fenômeno dos conflitos normativos.

Deixando de lado, por ora, esse último aspecto – do caráter estático de A1 tratarei quando enfrentar os conceitos A2 e A3 –, faz-se necessário examinar alguns dos possíveis modos de precisar o primeiro conceito de antinomia (A1), levando em conta as noções de incompatibilidade e de norma: esclarecendo, em particular, quais incompatibilidades podem subsistir entre quais normas jurídicas 4 .

Na reflexão contemporânea sobre antinomias, costumam-se distinguir diversos tipos de incompatibilidade normativa.

Entre estes, a partir de uma conhecida taxonomia delineada pelo jurista alemão Karl Engisch, encontram-se a incompatibilidade «lógica» (que dá lugar às «antinomias em sentido próprio» ou «propriamente ditas»), de um lado, à qual se contrapõem as incompatibilidades «teleológica», «axiológica», e «de princípio» (que dão lugar, por sua vez, às chamadas «antinomias impróprias») 5 , de outro lado.

Ademais, costumam-se distinguir as incompatibilidades entre “simples normas”, ou “regras” (de detalhe), ou “disposições precisas”; as incompatibilidades entre regras e “princípios”; e, por último, as incompatibilidades (também denominadas “colisões”) entre princípios.

Nos parágrafos que seguem, darei conta brevemente dessas noções e distinções, procedendo à sua reformulação quando (assim se espera) necessário.

4.4.As antinomias como incompatibilidades lógicas entre normas (antinomias em sentido próprio)

4.4.1.Normas contraditórias, normas contrárias: definições preliminares

Se, para efeitos de uma teoria analítica das antinomias, assume-se que as normas jurídicas (gerais) são (oportunamente formuláveis ou reformuláveis como) enunciados sintaticamente condicionais (“Se A, então deve ser B”; “Se F, então C”); ou, na simbologia da lógica dos predicados, “(x) (Fx –> Cx)” 6 ) e considera-se, ademais, que entre as formas mais importantes de incompatibilidade normativa esteja a incompatibilidade (que costuma-se chamar) “lógica”, o primeiro conceito de antinomia (A1) pode ser enunciado do seguinte modo:

(A’1) Antinomia lógica (definição provisória): antinomia lógica é qualquer situação na qual duas normas jurídicas conectam a uma mesma classe de fatos (classe de fatos concretos) consequências jurídicas logicamente incompatíveis.

Quando, no entanto, duas consequências jurídicas são logicamente incompatíveis?

Mesmo que o senso comum metodológico dos juristas sugira o contrário, a questão não é de nenhum modo simples.

De uma forma totalmente provisória, pode-se estipular, recorrendo a uma definição ostensiva, que sejam, “logicamente incompatíveis” todos os pares de normas jurídicas que se estruturem da seguinte forma:

(N1) “Se F1, então C 1” [isto é: “(x) (F1 x –> C 1 x)”]

(N2) “Se F1, então não-C 1” [isto é: “(x) (F1 x –> ¬C 1 x)”]

as quais conectam a uma mesma classe de fatos (F1) consequências jurídicas opostas (respectivamente C 1 e não-C 1), cuja conjunção dá lugar a uma consequência jurídica complexa, que parece absurda ou (como também já se disse) logicamente impossível – da combinação de suas normas, se obtém de fato a norma: “(x) (F1 x –> [C 1 x & ¬C 1 x])” 7 .

A noção de incompatibilidade lógica ora definida ostensivamente, todavia, corresponde a apenas uma das duas formas de incompatibilidade lógica entre normas que os teóricos e juristas costumam distinguir. Trata-se da incompatibilidade, ou oposição, por contradição. Considera-se, porém, que entre as normas podem também ocorrer, e de fato ocorre, relações de incompatibilidade, ou oposição, lógica por contrariedade.

À luz do quanto dito, o conceito de antinomia lógica (A’1) pode ser exposto de maneira mais precisa, da seguinte forma:

(A’1.1) Antinomia lógica: antinomia lógica é qualquer situação na qual duas normas jurídicas conectam a uma mesma classe de fatos (classe de fatos concretos) consequências jurídicas contraditórias ou contrárias.

Assim como ocorre com a noção de contradição lógica, também a noção de contrariedade lógica pode ser definida ostensivamente. Em concreto, pode-se estipular que são “logicamente contrárias” todos os pares de normas jurídicas que se estruturem da seguinte forma:

(N1) “Se F1, então OA” [isto é: “(x) (F1 x –> OAx)”]

(N2) “Si F1, então VA” [isto é: “(x) (F1 x –> VAx)”]

as quais conectam a uma mesma classe de fatos (F1) duas consequências jurídicas que consistem, respectivamente, na obrigação de levar adiante um determinado curso de ação (OA) e na vedação de levar adiante esse mesmo curso de ação (VA) – de modo que da combinação do quanto disposto pelas duas normas resulte a norma, que se pode denominar dilemática: “(x) (F1 x –> [OAx & VAx])”.

4.4.2.Do sentido comum dos juristas ao pragmatismo dos filósofos

Não se dar por satisfeito com as estipulações supramencionadas a respeito da noção de incompatibilidade lógica entre normas, as quais, como disse, refletem modos de pensar consolidados na cultura jurídica, demandaria enfrentar um dos problemas principais da lógica deôntica, que nessa sede não se pode aprofundar.

As noções de contradição e contrariedade lógica foram cunhadas com a finalidade de dar conta de relações entre proposições (declarativas ou apofânticas) e foram definidas, por consequência, mediante a utilização dos predicados “verdadeiro” e “falso”. Duas proposições são “contrárias” quando não podem ser ambas verdadeiras, porém, podem ser ambas falsas. De outro lado, duas proposições são “contraditórias” quando não podem nem ser ambas verdadeiras, nem ser ambas falsas, de modo que necessariamente uma delas será verdadeira e outra falsa 8 .

No entanto, as normas jurídicas, diferentemente das proposições, não são nem verdadeiras nem falsas. São, ao contrário, de acordo com a perspectiva que se adota em cada ocasião: válidas ou inválidas (em algum sentido de “validez” que deve ser definido com precisão), aplicáveis ou inaplicáveis (ao menos prima facie 9 ), justas ou injustas (em relação a uma determinada filosofia da justiça), eficazes ou ineficazes (em relação a seus destinatários ou aos órgãos de aplicação), violáveis ou invioláveis, suscetíveis de serem observadas ou não suscetíveis de sê-lo, utilizáveis (para uma determinada finalidade) ou inutilizáveis, etc. Assim, não parece oportuno definir as noções de contradição e de contrariedade entre normas em termos de verdade ou falsidade 10 . Então, como defini-las?

Alguns teóricos do direito propuseram definições dos conceitos de incompatibilidade (contradição ou contrariedade) entre normas que poderíamos denominar pragmáticas, estruturadas a partir da ideia de que as antinomias são situações problemáticas pelo que causam à prática: são obstáculos que os agentes – sejam os cidadãos destinatários do direito ou os órgãos de aplicação – não podem evitar de confrontar (e isso independentemente da eventual disponibilidade de vias alternativas simples).

No ensaio Sui criteri per risolvere le antinomie, Norberto Bobbio caracteriza a antinomia por contradição como a situação de incompatibilidade entre duas normas, em razão da qual:

(1) as duas normas não podem ser aplicadas simultaneamente a um mesmo caso (concreto); e

(2) trata-se de estabelecer qual das duas deva ser aplicada, preferencialmente à outra.

Bobbio caracteriza, de outro lado, a antino…

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28 de Maio de 2024
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