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Parcerias Público-Privadas - Ed. 2023

Parcerias Público-Privadas - Ed. 2023

42. O que Pode Ser a Participação Privada na Geração de Energia Elétrica a Partir de Usinas Termonucleares: Um Exercício Experimental de Neointervencionismo Público

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Sumário:

José Vicente Santos de Mendonça

Doutor e Mestre em Direito Público (UERJ). Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

Introdução

Este artigo 1 defende a possibilidade de participação privada na geração de energia elétrica a partir de usinas termonucleares. A conclusão é contraintuitiva. Ao ouvir o adjetivo nuclear , a resposta de senso comum é a associação imediata a uma execução inteiramente dominada por órgãos e entidades da Administração Federal. Não precisa ser assim.

Se você acredita que há virtudes na experimentação de modelos, irá se interessar no exercício proposto neste texto, que se divide da seguinte forma. No item 1, identifica-se o que vem a ser, para uma interpretação constitucional focada na imparcialidade política, o monopólio público das atividades nucleares. Antes da análise jurídica, cogita-se de observações tiradas da economia comportamental. A conclusão é simples: não há apenas um só modelo de monopólio constitucional.

O item 2 apresenta, em breves linhas, o chamado neointervencionismo estatal: o uso de métodos e técnicas de indução e controle soft do comportamento dos agentes econômicos; estratégia entre a criação de estatais e o exercício do poder de polícia. A explicação do ponto é importante para a compreensão do item seguinte.

O item 3, central ao trabalho, apresenta duas formas de execução da atividade de geração de energia elétrica a partir de usinas termonucleares: via modelos clássicos ou via modelos neointervencionistas . Os modelos tradicionais se dividem entre (i) a execução integralmente pública e (ii) a participação simples do parceiro privado. Os modelos neointervencionistas se dividem entre (iii) a delegação pública para o exercício privado da atividade, mas com o uso de golden shares detidas pelo Poder Público, e (iv) a participação qualificada do parceiro privado no exercício da atividade (que resta público). O item ainda apresenta razões em defesa de um modelo neointervencionista, com participação qualificada do parceiro privado na execução das atividades monopolizadas.

A síntese objetiva resume as ideias centrais do texto.

1. O sentido constitucional do monopólio das atividades nucleares

1.1. Atividades nucleares: entre o risco, o drama e a eficiência. O pano de fundo do debate

Não existem filmes de terror sobre remédios sem tampa de segurança, mas existem dezenas de obras em que, de uma terra arrasada pela hecatombe nuclear, emergem monstros. Na mesma linha, pode-se perguntar: o que gera mais risco – uma piscina doméstica ou um depósito de lixo nuclear?

Para responder às questões, faz-se necessário retroceder até as pesquisas pioneiras de economia comportamental dos anos 1970. A partir delas, viu-se que, quando tomamos decisões, usamos muitas vezes heurísticas – numa definição simples, atalhos mentais.

Na maioria das vezes, utilizar heurísticas é estratégia bem-sucedida. Não teríamos tempo nem energia para devotarmos atenção a cada escolha do dia a dia. 2 Confiamos na opinião de experts ; seguimos recomendações de amigos (você provavelmente perguntou a amigos onde comer numa viagem a um país desconhecido); na dúvida entre dois produtos, um caro e outro barato, optamos pela terceira opção intermediária. Mas há um problema: heurísticas são traiçoeiras. Úteis em muitos casos, tais atalhos, em certas circunstâncias, levam-nos a erros (no jargão da área, elas produzem vieses cognitivos). Kahneman e Tversky, pioneiros da economia comportamental, em estudo seminal, identificaram três heurísticas e seus respectivos vieses: a heurística da representatividade, a heurística da disponibilidade e o efeito de ancoragem. 3 - 4 Para os fins deste texto, interessa apenas a heurística da disponibilidade . 5

A heurística da disponibilidade está associada à saliência de certos eventos na memória coletiva. Tal heurística afirma que as pessoas concluem a respeito da probabilidade de determinado evento com base na facilidade com que ocorrências dele podem ser lembradas. É por isso que, em geral, preocupamo-nos mais com furacões após havermos passado por um; e é por isso que riscos mais recentes ou mais espetaculares são mais combatidos do que riscos mais triviais ou mais distantes no tempo. O viés cognitivo trazido pela heurística da disponibilidade se chama viés de saliência.

Eis, então, a resposta à pergunta inicial: estatisticamente, piscinas domésticas são mais perigosas do que depósitos de lixo nuclear, mas o público não acredita nisso. 6 Troca-se realidade estatística por percepção exagerada, fruto de memória recente e/ou espetacular de evento danoso.

Constrói-se, assim, hipótese para explicar a rejeição ao uso da energia termonuclear: parte da reação negativa do público ao aproveitamento econômico da energia nuclear é resultado de uma heurística da disponibilidade gerando um viés de saliência acerca de seus riscos . Quando o público pensa na geração de energia elétrica por meio de usinas termonucleares, visualiza, de modo imediato, acidentes espetaculares (Fukushima 1; Chernobyl; Three Mile Island). A facilidade com que tais memórias vêm à tona gera uma supervalorização do risco. 7 - 8 Como os Governos ocidentais têm sua fonte primária de legitimidade na vontade popular, não é de se espantar que programas de desnuclearização estejam sendo levados a curso no mundo. 9

É claro que o risco nuclear existe, sendo conhecido há tempos. 10 Mas também sua eficiência: a energia nuclear é relativamente limpa, barata, e, ao contrário do modelo hidroelétrico prevalente no Brasil, independe de fatores naturais ou da transformação do curso aquático. 11

A rejeição/aceitação da geração de energia por meio de centrais termonucleares se coloca como um dos temas centrais do debate a respeito da interpretação das normas constitucionais ambientais. Ora, normas constitucionais ambientais devem ser interpretadas em conformidade com o princípio democrático, deslegitimando teorias ecológicas que descredenciam a democracia como arranjo institucional capaz de dar conta da preservação ambiental (como ocorre com as teorias ecoautoritárias, que propõem um governo de tecnocracias ecologicamente comprometidas). 12

Na prática, portanto, a ampliação, a continuidade ou a rejeição do uso da energia nuclear no Brasil deve ficar a cabo das maiorias democráticas informadas, agindo por meio de seus representantes. Não há argumento constitucional que vede a priori o uso pacífico da energia nuclear. É também de se rejeitar interpretações fundamentalistas, certamente contrárias à razão pública, que mobilizem versões extremas do princípio da precaução para rejeitar toda e qualquer atividade nuclear pacífica. 13 Em todo caso, o debate a respeito do uso de tal energia deve se esforçar para neutralizar o viés de saliência que está sempre na base dos temores. 14

Em suma: a construção de novas usinas termoelétricas no Brasil e a continuidade de operação das já existentes – Angra 1 e Angra 2 – é assunto que se deve resolver na arena do debate não enviesado, sob a égide do princípio democrático. …

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29 de Maio de 2024
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/doutrina/secao/introducao-42-o-que-pode-ser-a-participacao-privada-na-geracao-de-energia-eletrica-a-partir-de-usinas-termonucleares-um-exercicio-experimental-de-neointervencionismo-publico/1804177614