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28 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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há 5 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

TRIBUNAL PLENO

Julgamento

Relator

Iolanda Santos Guimarães
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Inteiro Teor

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE

ACÓRDÃO: 201813587
RECURSO: Direta de Inconstitucionalidade
PROCESSO: 201800100681
RELATOR: IOLANDA SANTOS GUIMARÃES
AUTOR PREFEITO DO MUNICIPIO DE ARACAJU Procurador Municipal: SAMUEL SPONTAN DE CARVALHO
INTERESSADO CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES DE ARACAJU Advogado: JOSE GOMES DE BRITTO NETO

EMENTA

Constitucional – Pedido cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei nº 4.938/2017 do Município de Aracaju – Proibição de venda de botijão de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) em postos de combustíveis – Competência privativa da União para legislar sobre energia – Art. 22, inciso IV, da CF/88 – Norma de reprodução obrigatória – Competência do Tribunal de Justiça para julgar a ADI – Fumus boni iuris demonstrado – Periculum in mora – Medida cautelar deferida.

I – Como regra, o Tribunal de Justiça tem competência para examinar, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, a incompatibilidade de leis estaduais e municipais em relação à Constituição Estadual. Ao Supremo Tribunal Federal cabe examinar a constitucionalidade de leis federais e estaduais em relação à Constituição Federal;

II – Porém, o próprio STF já sedimentou entendimento no sentido de ser possível à Corte Estadual o exame da constitucionalidade de lei estadual ou municipal em relação à Constituição Federal, desde que a norma paradigma seja de reprodução obrigatória nas constituições estaduais;

III – Considerando que, de acordo com precedentes do próprio STF, o art. 22 da CF/88 é de reprodução obrigatório, resta confirmada a competência desta Corte de Justiça para processar e julgar esta ADI;

IV – A Lei nº 4.938/2017 do Município de Aracaju, objeto de questionamento nestes autos, alterou o art. 15 da Lei nº 2.529/97, passando a permitir a comercialização de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) em postos de combustíveis;

V – O art. 22, inciso IV, da CF/88 prevê ser de competência privativa da União legislar sobre “energia”, conceito que se inclui o GLP;

VI – No mesmo sentido, o art. 238 da CF/88 estabelece que “a lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição”. A Lei Federal nº 9.478/97, que regulamenta o dispositivo constitucional, delega à Agência Nacional do Petróleo (ANP) a competência para “regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios” (art. 8º, inciso XVI, da Lei nº 9.478/97);

VII – Nesse cenário, a plausibilidade do direito invocado pelo autor se mostra presente, restando preenchido o primeiro requisito para a concessão da medida cautelar vindicada;

VIII – O periculum in mora, por sua vez, reside no fato de que, a persistir a produção de efeitos da legislação aparentemente inconstitucional, poderá estar sendo permitida a comercialização de produto inflamável à revelia da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a qual, como visto, fora incumbida de regulamentar a matéria pela Lei nº 9.478/97, editada, por sua vez, em atenção ao disposto no art. 238 da CF/88;

IX – Medida cautelar deferida.



ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os integrantes do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em sua composição plenária, por unanimidade, deferir a medida cautelar vindicada até o julgamento final da ação, em conformidade com o relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


Aracaju/SE, 27 de Junho de 2018.


DESA. IOLANDA SANTOS GUIMARÃES
RELATOR

RELATÓRIO

Desembargadora Iolanda Santos Guimarães (Relatora): – O Município de Aracaju ajuizou a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido cautelar, para declarar inconstitucional a Lei nº 4.938/2017 do Município de Aracaju, aprovada pela Câmara de Vereadores, a qual deu nova redação ao art. 15 da Lei Municipal nº 2.529/97, autorizando os postos de revenda de combustíveis a revender gás liquefeito de petróleo (GLP).

Após tratar da competência desta Corte de Justiça para julgar a presente ação, o Autor aduz que foram questões de segurança e tragédias ocorridas no Município de Aracaju que levaram à edição de legislação suplementar à da União e do Estado de Sergipe proibindo a comercialização de GLP em postos de combustíveis.

Historia a respeito das leis municipais editadas sobre o tema, inclusive o Código de Segurança contra Incêndio do Município, aduzindo que todas elas foram criadas com base nas disposições do art. 8º, inciso XVII, alíneas b, d e h, da Constituição de 1967 e da Emenda Constitucional nº 01/69 bem como dos arts. 24, inciso V e VIII, e 30, incisos I e II, da Constituição de 1988.

Destaca que, ao contrário de todas as outras leis citadas, a ora impugnada foi objeto de veto, tendo sido promulgada de forma unilateral, apesar de estarem presentes vícios formais de iniciativa, em afronta ao disposto no art. 106, inciso III, da Lei Orgânica Municipal, e ao disposto no art. 22, inciso IV, da Constituição Federal.

Faz uma diferenciação entre a “Autorização para o Exercício da Atividade de Revenda de GLP” e o “Alvará de Localização e Funcionamento”, aduzindo que este último é documento exigido pela ANP para a emissão do primeiro.

Cita precedente do Tribunal de Justiça do Paraná, proferido no julgamento do Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 976.042-1/01, que declarou a inconstitucionalidade de Lei do Município de Piraquara que dispunha sobre o armazenamento, transporte e comercialização de GLP por entender ter sido violado o art. 22, inciso V, da CF/88.

Postula, ao final, a concessão da medida cautelar, a fim de se determinar a suspensão da eficácia do diploma questionado até o julgamento definitivo desta Ação Direta de Inconstitucionalidade. No mérito, requer seja declarada a inconstitucionalidade do ato normativo municipal.

Em despacho exarado em 18/01/2018, determinei a intimação do autor para se manifestar a respeito da sua legitimidade ativa para ajuizar a presente ação, haja vista as disposições do art. 108 da Constituição Estadual.

O Prefeito do Município de Aracaju peticionou em 15/02/2018 ratificando integralmente a inicial.

Em despacho datado de 19/02/2018, determinei, primeiramente, a retificação da autuação do feito, fazendo constar como parte autora o Prefeito do Município de Aracaju. Na mesma oportunidade, determinei a notificação da Câmara de Vereadores do Município de Aracaju para que, no prazo de 05 (cinco) dias, apresentasse manifestação acerca do pedido cautelar ofertado, nos termos do art. 195 do Regimento Interno desta Corte.

A Câmara Municipal de Aracaju, em petição juntada aos autos em 28/02/2018, aduziu não estar presente um dos requisitos para a concessão da medida cautelar, qual seja, o periculum in mora, apontando que a Lei discutida está em vigência desde 17/10/2017 e a presente ação somente foi ajuizada em 11/01/2018.

Defende, também, não estar presente o fumus boni iuris, defendendo, em apertada síntese, que a Lei em foco não dispões sobre questões energéticas, mas apenas sobre a comercialização de GLP, matéria inserta na competência legislativa do art. 30, incisos I e II, da Constituição Federal de 1988.

É o Relatório.

VOTO

Desembargadora Iolanda Santos Guimarães (Relatora): – A presente ação foi inicialmente proposta pelo Município de Aracaju, a partir de seu Procurador Geral. Contudo, após a intimação do Município para se manifestar sobre sua legitimidade ativa, o Prefeito do Município de Aracaju ingressou no feito, peticionando em 15/02/2018 para ratificar e petição inicial e assumir o polo ativo da demanda.

Assim, resta claramente demonstrada a legitimidade do Requerente para a propositura da presente ação.

Inexistindo preliminares a solver, passo ao exame do pedido liminar, direcionado a suspender a eficácia da Lei nº 4.938, de 17/10/2017, do Município de Aracaju, que modificou o art. 15 da Lei Municipal nº 2.529/97 para autorizar a comercialização de GLP em postos de combustíveis.

Antes, porém, é preciso fazer algumas considerações a respeito da competência desta Corte de Justiça para examinar a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).

A Constituição Federal, no seu art. 102, inciso I, alínea a, prevê a competência do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

(...)

A Constituição do Estado de Sergipe, por sua vez, faz a seguinte previsão sobre a competência deste Tribunal de Justiça quanto ao julgamento de ADI:

Art. 106. Compete, ainda, ao Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar originariamente:

(...)

c) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou atos normativos estaduais em face da Constituição Estadual, e de lei ou de ato normativo municipal em face da Constituição Federal ou da Estadual;

(...)

Assim, à Corte Estadual compete examinar, em sede de ADI, a adequação das normas estaduais e municipais em relação à Constituição Estadual. Eventuais incompatibilidades com a Constituição Federal, quando suscitadas em ADI, devem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal.

Porém, o STF já se pronunciou admitindo a possibilidade de os Tribunais de Justiça Estaduais efetuarem o controle concentrado de constitucionalidade de leis municipais em relação à Constituição Federal, desde que as normas paradigmas desta última sejam de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. Ação direta de inconstitucionalidade estadual. Parâmetro de controle. Regime de subsídio. Verba de representação, 13º salário e terço constitucional de férias.

1. Tribunais de Justiça podem exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis municipais utilizando como parâmetro normas da Constituição Federal, desde que se trate de normas de reprodução obrigatória pelos Estados. Precedentes.

(...)

4. Recurso parcialmente provido.

( RE XXXXX, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/02/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187 DIVULG XXXXX-08-2017 PUBLIC XXXXX-08-2017)

AGRAVO REGIMENTAL. RECLAMAÇÃO. CONTROLE CONCENTRADO DE LEI MUNICIPAL REALIZADO POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PARÂMETRO CONSTITUCIONAL ESTADUAL QUE REPRODUZ NORMA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA POR ESTA CORTE NA ADI XXXXX/SP.

Não configura usurpação da competência desta Corte a fiscalização abstrata de constitucionalidade de lei municipal realizada por Tribunal de Justiça, com base na Constituição do Estado, ainda que o parâmetro de controle estadual consista em reprodução de norma da Constituição da República de observância obrigatória. Precedentes.

Agravo regimental conhecido e não provido.

(Rcl 2130 AgR, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 25/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-160 DIVULG XXXXX-08-2014 PUBLIC XXXXX-08-2014)

Para além disso, também já decidiu o STF que as normas do art. 22 da Constituição Federal são de reprodução obrigatória, ainda que não estejam previstas expressamente no texto constitucional estadual:

Decisão: (...) Verifico que o acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte, que reconhece a possibilidade de as Cortes Estaduais examinarem, em controle direto de constitucionalidade de normas municipais, sua compatibilidade com normas de reprodução obrigatória da Constituição da República. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL CONTESTADA EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. NORMA DE REPETIÇÃO OBRIGATÓRIA. OMISSÃO DA CONSTITUIÇÃO MARANHENSE. A omissão da Constituição Estadual não constitui óbice a que o Tribunal de Justiça local julgue a ação direta de inconstitucionalidade contra Lei municipal que cria cargos em comissão em confronto com o artigo 37, V, da Constituição do Brasil, norma de reprodução obrigatória. Agravo regimental provido”. (RE XXXXX AgR, rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 13.11.2009)“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ICMS. QUESTÕES RELATIVAS À MAJORAÇÃO DO TRIBUTO POR DECRETO E OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE. JULGAMENTO DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. EXAME DAS MATÉRIAS SOB O PRIMA DE NORMAS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL QUE REPRODUZEM DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE REPETIÇÃO OBRIGATÓRIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 125, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Tribunal de origem não ofendeu o art. 125, § 2º, da Constituição Federal ao examinar Ação Direta de Inconstitucionalidade em que se discutiu a legitimidade dos Decretos estaduais 41.961/2009 e 42.303/2010 no ponto em que majoraram o ICMS. II – Agravo regimental improvido”. ( ARE XXXXX AgR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 16.8.2013) Verifico, igualmente, que a jurisprudência desta Corte já se firmou no sentido de reconhecer que a norma do art. 22, I, por fixar competência privativa da União, não poderia deixar de vincular as constituições estaduais, ainda que não reproduzida em seus textos. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. REGIME DA LEI 8.038/90. INSTITUIÇÃO DE FERIADO POR LEI MUNICIPAL. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR TRIBUNAL DE JUSTIÇA”. ( Rcl 19067 AgR, rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 16.8.2016) “DIREITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STF. AÇÃO DIRETA ESTADUAL. CONFLITO ENTRE LEI MUNICIPAL E NORMA CONSTITUCIONAL DE REPETIÇÃO OBRIGATÓRIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À ADI 508. REGIME DA LEI Nº 8.038/1990 E CPC/1973”. ( Rcl 17954 AgR, rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 10.11.2016) Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 932,VIII, do NCPC c/c art. 21, § 1º, do RISTF). Publique-se. Brasília, 24 de março de 2017. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

( RE XXXXX, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 24/03/2017, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-065 DIVULG 30/03/2017 PUBLIC 31/03/2017)

É válido transcrever, do inteiro teor do Acórdão proferido no julgamento do Agravo Regimento na Reclamação nº 19.067/RN, citado na decisão anterior, a seguinte passagem:

“Nada impede, porém, que o Tribunal de Justiça fundamente suas conclusões em norma constitucional federal que seja “de reprodução obrigatória” pelos Estados-membros. Assim se qualificam as disposições da Carta da Republica que, por pré-ordenarem diretamente a organização dos Estados-membros, do Distrito Federal e/ou dos Municípios, ingressam automaticamente nas ordens jurídicas parciais editadas por esses entes federativos. Essa entrada pode ocorrer, seja pela repetição textual do texto federal, seja pelo silêncio dos constituintes locais – afinal, se sua absorção é compulsória, não há qualquer discricionariedade na sua incorporação pelo ordenamento local (...).

(...)

No caso dos autos, a norma federal invocada foi o art. 22, I, da Carta da Republica, que atribui à União a competência privativa para legislar, entre outras matérias, sobre direito do trabalho. O caráter privativo dessa atribuição federal significa que está prima facie excluída das esferas estaduais, distrital e municipal a disciplina das relações de trabalho. Em outras palavras, o dispositivo acima interfere diretamente na ordem jurídica dos Municípios, configurando, portanto, norma de reprodução obrigatória. Naturalmente, seria possível discutir se está correta, ou não, a interpretação que lhe foi conferida na origem – o que, como indicam os precedentes citados, seria viável em sede de recurso extraordinário. No entanto, isso não infirma o fato de que, ao aplicar norma de reprodução obrigatória, o Tribunal de Justiça não invadiu competência desta Corte”.

Considerando que a norma da Constituição Federal apontada como paradigma na presente ADI é de reprodução obrigatória – art. 22, inciso IV –, resta configurada a competência desta Corte de Justiça para julgar esta ação.

Superado este ponto, adentro no exame da medida cautelar.

Com efeito, para a concessão da medida perseguida pelo Requerente, faz-se necessário que estejam presentes dois requisitos essenciais, quais sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora. O primeiro ocorre quando a inconstitucionalidade na fase de cognição sumária é saliente; o segundo diz respeito ao aspecto temporal de urgência da apreciação da medida.

De acordo com Carlos Augusto Alcântara Machado, em seu livro Direito Constitucional, volume 5, Editora Revista dos Tribunais, ano 2005, p. 318:

“A medida liminar tem como finalidade principal suspender a aplicação da lei ou ato normativo até o julgamento final da ação. Assim, presentes os requisitos que autorizam a sua concessão, a Corte suspenderá, temporariamente, a aplicação da norma impugnada, tornando aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário. É uma típica situação de efeito repristinatório provisório.”

O diploma legal aqui impugnado – Lei nº 4.938/2017 do Município de Aracaju – possui a seguinte redação:

Art. 1º. O artigo 15 da Lei nº 2.529, de 17 de setembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 15. Ficam os postos de combustíveis autorizados a revender o GLP – gás liquefeito de petróleo.”

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

O cerne do questionamento feito pelo Autor diz respeito à violação ao disposto no 22, inciso IV, da Constituição Federal, assim redigido:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

(...)

O Autor sustenta que, dentro do conceito de energia de que trata o inciso IV anteriormente citado, inclui-se o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o gás de cozinha. Cita, inclusive, precedente do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 855-2/PR, fazendo as seguintes considerações:

“E que não se diga aqui que existe dúvida sobre a abrangência do significado constitucional do termo ‘Energia’ neste passo, pois que tal abrangência é a maior possível.

Afinal, veja-se que mesmo que não se concluísse autônoma e logicamente por esta ampla interpretação do sentido da palavra ‘Energia’, no dispositivo constitucional citado, minimamente tal significação teria de ser compreendida como ‘(....) energia térmica resultante de combustíveis minerais sólidos, líquidos e gasosos (...)’ – na forma inclusive como foi entendida pelos Excelentíssimos Senhores Ministros do STF, no acórdão prolatado por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade XXXXX-2/Paraná (doc, em anexo), baseando-se em exemplar parecer consultivo então prolatado pelo insigne jurista Caio Tácito (doc. em anexo) –, circunstância que fornece lastro suficiente à inequívoca conclusão de que o diploma legal do município, ora atacado, é de fato inconstitucional pela invasão da competência legislativa da União Federal”.

De fato, a Ementa do precedente citado pelo Requerente foi lavrada da seguinte forma:

Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei 10.248/93, do Estado do Paraná, que obriga os estabelecimentos que comercializem Gás Liquefeito de Petróleo - GLP a pesarem, à vista do consumidor, os botijões ou cilindros entregues ou recebidos para substituição, com abatimento proporcional do preço do produto ante a eventual verificação de diferença a menor entre o conteúdo e a quantidade líquida especificada no recipiente. 3. Inconstitucionalidade formal, por ofensa à competência privativa da União para legislar sobre o tema (CF/88, arts. 22, IV, 238). 4. Violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos. 5. Ação julgada procedente.

( ADI 855, Relator (a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator (a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 06/03/2008, DJe-059 DIVULG XXXXX-03-2009 PUBLIC XXXXX-03-2009 EMENT VOL-02354-01 PP-00108)

Neste aspecto, vislumbro haver plausibilidade na argumentação do Requerente, na medida em que não só o Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido. Pode-se citar, reforçando o entendimento do STF, julgamento proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná no Incidente de Declaração de Inconstitucionalidade nº 976.042-1/01, o qual restou assim ementado:

INCIDENTE DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 824/2006, DE PIRAQUARA. ARMAZENAMENTO, TRANSPORTE E COMERCIALIZAÇÃO DE GÁS LIQUEFEITO DE PETRÓLEO (GLP). ENERGIA. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 22, IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. INCIDENTE PROCEDENTE.

(TJPR - Órgão Especial - IDI - 976042-1/01 - Piraquara - Rel.: Clayton de Albuquerque Maranhão - Unânime - J. 17.11.2014)

Fixando-se a premissa de que o termo “energia” referido pelo art. 22, inciso IV, da CF/88 inclui o GLP, pode-se verificar haver plausibilidade também na argumentação de inconstitucionalidade do Requerente.

Ora, se cabe privativamente à União legislar a respeito de energia, nos termos do art. 22, inciso IV, da Carta Política de 1988, não caberia ao Município de Aracaju editar diploma normativo tratando deste tema que, como dito, é restrito ao âmbito Federal.

Seguindo esse raciocínio, pode-se citar também o disposto no art. 238 da Constituição Federal vigente:

Art. 238. A lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis derivados de matérias-primas renováveis, respeitados os princípios desta Constituição.

O diploma legal a que se refere o dispositivo constitucional é a Lei Federal nº 9.478/97, que dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo, institui o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo e dá outras providências. Do seu texto, é válido citar o disposto no art. 8º, inciso XVI:

Art. 8º A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe: (Redação dada pela Lei nº 11.097, de 2005)

(...)

XVI - regular e autorizar as atividades relacionadas à produção, à importação, à exportação, à armazenagem, à estocagem, ao transporte, à transferência, à distribuição, à revenda e à comercialização de biocombustíveis, assim como avaliação de conformidade e certificação de sua qualidade, fiscalizando-as diretamente ou mediante convênios com outros órgãos da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios; (Redação dada pela Lei nº 12490, de 2011)

(...)

Tais disposições reforçam o argumento trazido pelo Autor quanto à competência privativa da União para legislar sobre o tema “energia”, restando demonstrado, portanto, o primeiro dos requisitos necessários para a concessão da medida cautelar requerida, qual seja, o fumus boni iuris.

O periculum in mora, por sua vez, reside no fato de que, a persistir a produção de efeitos da legislação aparentemente inconstitucional, poderá estar sendo permitida a comercialização de produto inflamável à revelia da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a qual, como visto, fora incumbida de regulamentar a matéria pela Lei nº 9.478/97, editada, por sua vez, em atenção ao disposto no art. 238 da CF/88.

Forte em todo o expendido, defiro a medida cautelar vindicada, suspendendo os efeitos da Lei nº 4.938/2017 do Município de Aracaju, revigorando a redação anterior do dispositivo legal, dada pela Lei Municipal nº 2.529/97 de Aracaju, até o julgamento final da presente Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Notifique-se a Câmara de Vereadores do Município de Aracaju, através de seu Presidente, para que se manifeste, querendo, no prazo de 30 (trinta) dias, acerca do mérito desta ADI, a teor do art. 189 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (RITJSE).

Com a manifestação ou o transcurso do prazo, dê-se vista dos autos, sucessivamente, ao Procurador-Geral do Estado e ao Procurador-Geral de Justiça, ambos pelo prazo de 15 (quinze) dias, a fim de se manifestarem no feito, tudo conforme o art. 191 do RITJSE.

Em tempo, cumpra a Escrivania o já determinado na primeira parte do despacho proferido em 19/02/2018 quanto ao cadastramento do feito no SCP-V.

É como voto.



Aracaju/SE, 27 de Junho de 2018.


DESA. IOLANDA SANTOS GUIMARÃES
RELATOR
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-se/776094438/inteiro-teor-776094473

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