A advocacia do dia a dia faliu
Porto Alegre, 23 de julho de 2018.
Ao
Espaço Vital
Ref.: Império da estagiariocracia
Depois de mais de quatro décadas advogando ininterruptamente se adquire experiências gratificantes e a principal delas é o relacionamento com os colegas, juízes e servidores. Também se acumulam muitos sucessos e, além deles, muitas decisões desfavoráveis, desencontradas e sem nenhum nexo.
Nesta época do império da estagiariocracia e da lerdeza processual, os que militam no dia a dia forense se deparam com ordens sem qualquer sentido, isto sem falar na falta de bom senso e na incoerência.
Caso insólito e sem qualquer explicação o acontecido em processo que tramita na 3ª Vara Cível da Comarca de São Leopoldo/RS (Proc. nº 033/11700142992), uma prosaica ação de despejo por falta de pagamento. Ajuizado o feito (novembro /2017), veio despacho determinando o despejo compulsório (dezembro/2017) caso não pago o débito em 15 dias.
Até aí tudo dentro da normalidade e eficiência. Meses depois, expedido o mandado de citação o oficial de justiça certificou (maio/2018) que o prédio estava abandonado, sendo então, requerida a imissão de posse.
E, surpresa, com o deferimento da imissão de posse, determinou a juíza Rosali Therezinha Chiamenti Libardi, em sequência, no mesmo despacho, que “todavia, por cautela, determino, primeiramente, a expedição de mandado de verificação da situação do imóvel objeto da lide, a ser cumprido pelo meirinho com zelo e cautela... ’’.
Ou seja, independente da certidão já exarada, o magistrado ordenou ao oficial de justiça ratificar sua certidão, com zelo e cautela, como se os atos judiciais fossem recorrentemente praticados sem responsabilidade e a certidão exarada fosse uma informalidade que precisaria reconfirmação. Tudo na contramão.
E prosseguiu a magistrada: “No mais, intime-se a parte autora para que, no prazo de 15 dias, dê o andamento ao processo, promovendo, a citação da parte ré, sob pena de extinção do feito. Deverá, ainda, no mesmo prazo, acostar aos autos cálculo atualizado do débito objeto da cobrança”.
Realmente, a advocacia do dia a dia faliu. Não há responsabilidade e custo que sustente um processo assim. Creio até que estou em retirada...e sem munição.
Esta situação revela a forma como uma parte expressiva dos processos está sendo conduzida, demandando trabalho cartorário extra e desnecessário e se acumulando nas prateleiras com despachos e procedimentos incompatíveis com o rito e a formalidade estabelecidos. E assim postergando cada vez mais a jurisdição.
Neste caso não se trata de uma tartaruga forense com muito tempo de existência, mas que poderia ter tido regular processamento e um final mais adequado se a compatibilidade dos procedimentos se ativesse ao regular reconhecimento dos atos processuais.
Os titulares da jurisdição insistem continuadamente que os advogados estão sempre inconformados e recorrendo de tudo. A resposta é que nós não conseguimos mais explicar para o cliente que não está afeito às mazelas da justiça como é que questões de tão pouca simplicidade ou com fatos tão cristalinos, não conseguem ser resolvidos com regularidade e em pouco tempo.
Atenciosamente,
Newton Domingues Kalil, advogado (OAB-RS nº 7.061)
kalil@ndk.adv.br
1 Comentário
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"Estagiariocracia".
A depreciação do estagiário é um exemplo de como advogados são ingratos.
O objetivo do estagiário é aprendizado, somente.
Quaisquer falta de zelo processual na decisão é de responsabilidade do magistrado, tão somente por ser ele o jurisdicionante.
Parecem se esquecer os advogados dos dias de faculdade, dos erros cometidos e dos tropeços nos degraus que os levaram onde hoje se encontram.
Lamentável. continuar lendo