A carne é fraca: entre perdas e danos
“É a economia, estúpido”
(James Carville)
Não é de hoje que se reclama dos excessos cometidos pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público (MP) quando se ajuntam sob o manto do Judiciário em “Força Tarefa” para imaginável combate ao crime. A espetacularização do processo penal tem causado danos e constrangimentos irreparáveis, principalmente, em relação à liberdade, a imagem e a dignidade dos investigados ou acusados.
Quando investigados ou acusados são expostos, notadamente, pela televisão, a degradação da imagem torna-se inevitável. Não é sem razão que muitos tentam sem sucesso esconder seus rostos. Na prisão midiática, a privacidade, a intimidade e a presunção de inocência são sobrepujadas pelas manchetes sensacionalistas de uma imprensa pouco ou nada comprometida com os direitos e garantias fundamentais. Como bem proclamou Noam Chomsky: “a imprensa pode causar mais danos que a bomba atômica. E deixar cicatrizes no cérebro”.
Rubens Casara já observou,
no processo penal do espetáculo não há espaço para garantir direitos fundamentais. O espetáculo não deseja chegar a nada, nem respeitar qualquer valor, que não seja ele mesmo. A dimensão de garantia, inerente ao processo penal no Estado Democrático de Direito (marcado por limites ao exercício do poder), desaparece para ceder lugar à dimensão de entretenimento… No processo espetacular desaparece o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz: um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa em detrimento da função contra majoritária de concretizar os direitos fundamentais… O caso penal passa a ser tratado como uma mercadoria que deve ser atrativa para ser consumida. A consequência mais gritante desse fenômeno passa a ser a vulnerabilidade a que fica sujeito o vilão escolhido para o espetáculo. [1]
Como já dito alhures, a publicidade dos julgamentos e dos atos processuais representa uma garantia para o cidadão e, portanto, não pode se tornar uma arma e se voltar contra o próprio cidadão que a Constituição ambiciona proteger. A publicidade como princípio, existe, especialmente, para proteger o individuo contra o perigo que representa as acusações secretas, contra os julgamentos parciais e arbitrários e, também, como garantia do devido processo legal.
Quando a publicidade expõe e populariza a vida privada e a intimidade do investigado ou do acusado, quando não da própria vítima, se transforma em instrumento de opressão e de exploração da imagem, capaz de exercer através dos meios midiáticos influencia, para o bem ou para o mal, nos julgamentos penais. c
Até então, quando eram “eles” que estavam sendo presos e expostos à execração, o silêncio predominava e apenas vozes isoladas, geralmente da defesa, se levantavam contra os abusos e arbitrariedades.
Agora, na recente operação apelidada de “Carne Fraca”, na qual grandes empresas foram maculadas, causando incomensurável prejuízo à economia – dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) apontam para uma queda brusca nas exportações de carne brasileira desde a deflagração da Operação Carne Fraca. De acordo com a pasta, o Brasil exportou US$ 74 mil do produto na terça-feira (21).
Antes da operação da Polícia Federal, o valor médio das exportações em março, por dia útil, foi bem maior: US$ 60 milhões [2] – até o ministro da Agricultura e o próprio ocupante do Palácio do Planalto se mobilizaram e se manifestaram para condenar os eventuais excessos cometidos pela PF, para assegurar que a carne brasileira continue a ser exportada, garantindo, assim, lucros para os empresários e resultados positivos para economia do país.
Aqui, como costuma acontecer, o interesse econômico gritou mais alto. Mais alto até que a liberdade daqueles que foram presos outrora. Foi preciso que uma operação atingisse a economia para que muitos se dessem conta dos excessos, abusos e arbitrariedades que são constantemente perpetrados contra os cidadãos. Como diria o marqueteiro de Clinton, James Carville: “é a economia, estúpido”.
Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e professor. Foto: Dênio Simões/Agência Brasília.
[1] CASARA, R. R. Rubens. Processo penal do espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
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