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5 de Maio de 2024
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    A faculdade de Direito da UERJ como moeda de troca na crise do Estado

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    A elite jurídica fluminense tem sido a camada da burocracia do Rio de Janeiro mais eficiente em se imunizar dos efeitos da crise econômica que assola os fundos do Estado. Essa constatação não é em si uma novidade, já que suas remunerações e privilégios na forma de auxílios – por vezes ultrapassando o teto constitucional – seguem incólumes. Novidade talvez seja a explicitação dos contornos que atravessam toda essa eficiência. O caso da faculdade de Direito da UERJ pode ser a cereja no bolo dentre as manobras e barganhas realizadas que permitam uma boa compreensão do funcionamento da atuação política de atores jurídicos; e ainda em benefício próprio.

    A negociação em torno da salvação dos assaltados cofres tem perpassado o Judiciário e a presença de ministros carioquíssimos na mais alta corte do país garante, por si só – nesse sistema de justiça meio desconcertado em que vivemos –, um lugar prestigiado a tais figuras no manejo da crise. Para relembrar, as relações entre os juristas e a política do Rio de Janeiro remontam às análises que colocam a indicação de figuras locais ao STF na conta das alianças entre PT e PMDB fluminense, na imbricada troca de favores do presidencialismo de coalizão brasileiro, em que o Rio de Janeiro foi imprescindível.

    Judicial e objetivamente, esse lugar de poder na gestão da crise teria sido garantido pelo papel de conciliador avocado pelo Ministro Fux (nas notícias veiculadas na mídia ele é mais conciliador que juiz da causa, bem ao gosto das novas regras processuais defendidas por ele mesmo) na contenda entre o Governo do Rio e a União sobre o acordo de recuperação financeira, que culminou recentemente com a assinatura, por Temer, do decreto que permitirá a avançar no programa de recuperação fiscal do Estado. O acordo teria sido construído sob os olhares de Fux e possuiria o seu aval.

    Pois bem, ao adentrar na gestão dos problemas, a elite jurídica também coloca suas necessidades corporativas na mesa como um requisito para que a sua boa vontade seja garantida. Aí que teria entrado a “salvação” do seu único segmento que segue sendo assolado pela crise: a faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a alma mater dessa mesma elite. E, diga-se de passagem, a predominância política desses juristas nos departamentos e nas linhas de pós-graduação da UERJ é anterior à escalada rumo ao Supremo e pode ser vista inclusive como uma de suas precondições. E cresce exponencialmente com o atingimento do lugar à direita de Deus. Em uma instituição em que qualidade acadêmica se confunde com sucesso profissional, não haveria poder maior que este.

    Em troca da salvação do Estado, teriam pedido a cabeça da autonomia da pesquisa universitária e a imunização completa da elite judiciária fluminense. A faculdade de Direito – primeiro a pós-graduação, pois é ela que presta os serviços mais relevantes aos altos funcionários do aparelho jurídico – passaria às instalações do Tribunal de Justiça, desvencilhando-se fisicamente do estado emergencial da Universidade. Mas será que também não teria sido negociado o pagamento de salários e bolsas pelo Tribunal?

    Nada impede que, diante dos excelentes serviços prestados pela faculdade ao TJRJ e com o aprofundamento da crise, o Judiciário fluminense possa rever o limite da sua generosidade a médio ou longo prazo e avance na incorporação do financiamento total da faculdade.

    Por incrível que possa parecer, a reitoria da UERJ não tem se oposto firmemente contra esse cenário, limitando-se a informar que está ciente do quadro. Será que diante do irrenunciável juízo consequencialista talvez valha a pena abrir mão de uma faculdade em troca da salvação de toda a Universidade? A jogada, portanto, estaria bem armada na eterna estratégia segundo a qual todo mundo sai ganhando. Só quem fica de fora mesmo é quem tem assim ficado ao longo de todas essas tratativas: obviamente, quem não faz parte da elite jurídica.

    Não é à toa que as vozes que se colocam contra advêm de professores que se dedicam exclusivamente à docência e à pesquisa (veja a nota), de estudantes de pós-graduação não integrados à elite profissional do direito (veja a nota) e de uma massa de estudantes de graduação.

    A história toda casa. Um ministro defende o modelo pago norte-americano de universidade. O outro compara seu projeto de faculdade de Direito no Tribunal de Justiça a uma Harvard. Esquecem eles, porém, que em Harvard os professores possuem autonomia para criticar os tribunais e possuem dedicação integral à pesquisa, além de a universidade receber uma quantidade gigantesca de dinheiro público. Para termos uma noção, o financiamento federal em Harvard somou aproximadamente 71% do total da receita patrocinada no ano fiscal de 2016, registrando um aumento de 3% em face do ano anterior e totalizando 597 milhões de dólares. Em média, os fundos de receita patrocinada representam a maior fonte da universidade (36%). Um terço da faculdade de Direito de Harvard é financiada por essa fonte (33%).

    Durante toda a crise universitária, a poderosa elite não foi capaz de se movimentar para apresentar qualquer solução integral que desse esperança à UERJ. Pelo contrário, quando concertam o acordo de recuperação do Estado demandam o seu próprio quinhão. Na última greve tudo o que puderam fazer foi furá-la e questionar a validade do movimento grevista. O projeto, então, ao que parece, jamais teria sido o fortalecimento da Universidade pública, mas o uso da Universidade para benefícios pessoais, profissionais e corporativos, sempre em nome do Direito, claro.

    Vinícius Alves é mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela UERJ e articulador do Fórum Justiça.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-faculdade-de-direito-da-uerj-como-moeda-de-troca-na-crise-do-estado/485944888

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