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29 de Maio de 2024

A História pouco conhecida do direito brasileiro: entrevista com o historiador Amílcar D'Avila de Mello

A Histria pouco conhecida do direito brasileiro entrevista com o historiador Amlcar DAvila de Mello

Quando o historiador gaúcho residente em Florianópolis, Amílcar D’Avila de Mello, 57 anos, ainda pesquisava para escrever sua obra Expedições e Crônicas das Origens – Santa Catarina na Era dos Descobrimentos Geográficos, se deparou com documentos jurídicos tão valiosos que não teve dúvida: renderiam mais um livro. Foi dessa maneira que nasceram as 562 páginas que compõem Primórdios da Justiça no Brasil (Florianópolis: Tekoá et Orbis, 2014). Prefaciada por Marco Aurélio Mello, ministro do STF, a obra traz, em primeira mão, os mais antigos documentos do direito romano-germânico concebidos em terras brasileiras. Esses documentos, porém, não são provenientes da Justiça portuguesa, mas sim da Justiça castelhana. Segundo o autor, eles foram formulados anos antes dos primeiros processos mais completos feitos pelos portugueses no Brasil.

Qual é o objetivo do seu livro?

O livro é o recorte jurídico de uma obra maior, lançada em 2005, fruto de 15 anos de pesquisa: Expedições e Crônicas das Origens – Santa Catarina na Era dos Descobrimentos Geográficos (Florianópolis: Expressão, 3 vols., 1.500 p.). Este livro, lançado no ano passado, é uma coletânea de documentos jurídicos castelhanos do século 16. Nela apresento dois grupos de documentos. O primeiro é composto por documentos datados de 1526, 1527 e 1530. Provenientes da expedição do navegador Sebastião Caboto, eles foram escritos durante a escala que a esquadra desse célebre navegador fez no Brasil quando rumava para a Ásia. O segundo grupo, de 1541, teve origem no governo do andaluz Álvar Núñez Cabeza de Vaca, primeiro governador oficial da Ilha de Santa Catarina.

Do que tratam esses documentos?

Boatos de que fermentava um motim durante a travessia atlântica da esquadra de Sebastião Caboto, fizeram que três oficiais caíssem em desgraça com esse comandante que, em Pernambuco, decidiu desterrar esses homens entre os guaranis da Ilha de Santa Catarina. Dois deles, veteranos da circum-navegação de Fernão de Magalhães, morreram afogados ao tentar fugir da ilha. O sobrevivente foi transferido para São Vicente. Esses desterros e as mortes dos fidalgos castelhanos geraram uma série de depoimentos, petições, testemunhos e outros documentos jurídicos. Eles constituem os primeiros registros do direito romano-germânico no Brasil. Além disso, as notícias dos maus-tratos e do trágico episódio dos afogamentos tiveram grande repercussão entre os familiares das vítimas que, na Espanha, entraram com processos contra Sebastião Caboto. Os documentos do segundo grupo foram elaborados na Ilha de Santa Catarina pelos operadores da Justiça da expedição de Álvar Núñez Cabeza de Vaca. Eles tratam dos litígios ocorridos entre pessoas que participaram da expedição desse governador ao Rio da Prata. Nenhum desses registros, porém, teve relevância na construção do atual judiciário brasileiro, pois eles não permaneceram no território que seria colonizado pelos lusitanos.

Em que ponto da história, então, a Justiça brasileira ganha uma estrutura mais semelhante à dos dias atuais?

Podemos dizer que o aparato jurídico luso-brasileiro teve início com a instalação do sistema das capitanias hereditárias, a partir de São Vicente, em 1534. Isso ocorreu, portanto, quatro anos depois de terem sido escritos, nessa mesma região do litoral paulista, os últimos documentos da expedição de Caboto lavrados em nosso território.

De onde surgiu o interesse em investigar esse período da História do Brasil?

A maior parte da história oficial do nosso país foi escrita na segunda metade do século 19 por pessoas que estavam a serviço da diplomacia luso-brasileira. Nessa época ainda fumegavam os diversos conflitos de fronteira travados com os nascentes países de origem castelhana. Dessa maneira, esses historiadores não poderiam trazer à tona, em riqueza de detalhes, os episódios que marcaram a presença dos antigos rivais ibéricos em nosso país. Achei que era oportuno escrever essas duas obras, como uma contribuição à uma nova historiografia que dá destaque à presença da Coroa de Castela em nosso território, no ainda pouco estudado século 16.

As vocações econômicas, as vontades políticas e os interesses culturais dos países do Cone Sul hoje convergem para a união em torno de um projeto de megapaís que pretende se integrar à inexorável globalização que a todos leva de roldão. No caso específico de Santa Catarina, o livre trânsito de mercadorias, serviços e, sobretudo, pessoas, não é apenas um imperativo econômico desse novo esquema. É o reflexo atávico de um fluxo que já existiu. As centenas de milhares de argentinos, uruguaios e paraguaios que têm buscado refúgio nas belíssimas praias e no pitoresco interior de Santa Catarina são a melhor prova disso. Eles, tanto quanto nós, merecemos e clamamos por conhecer a nossa história comum, ponte de entendimento, paz e prosperidade que nos permitirá avançar no novo milênio como verdadeiros irmãos.

B. S. / J. M.

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