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2 de Maio de 2024
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    A privatização da política

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    O homem é um ser político, assim já falava Aristóteles. A política é uma dimensão da vida e da condição humana, como também afirmava Hannah Arendt. De fato, não há organização social sem organização política, ainda mais quando falamos das sociedades complexas de hoje em dia. As instituições políticas possuem finalidades, entre elas promover o bem comum e a justiça social, servem para organizar as relações sociais e de poder que emergem em cada sociedade.

    A política, entendida a partir das instituições e das práticas governamentais, passa por profundas alterações hodiernamente. Essas alterações são impulsionadas por uma transformações ainda mais profundas no campo econômico, que se fizeram presentes no cenário internacional a partir das décadas de 1970/1980 do século passado, processo este que ficou conhecido como globalização neoliberal. Com ela, observamos um alargamento do campo econômico, de modo a se transpor ao próprio campo político. Trata-se de um momento bastante peculiar na história da humanidade, onde a política e os Estados perdem seus poderes de regulação em nome dos interesses econômicos que são – em grande medida – superiores a eles próprios.

    Esse processo pode ser entendido como a privatização da política, onde o espaço privado passa a se alargar de modo a invadir, intervir e reduzir no espaço público de atuação das instituições políticas. Somado a isso ocorre o processo de “fetichização da política”[1], como descreveu Enrique Dussel, onde o poder passa a ser corrompido pelas lógicas dominantes e hegemônicas do capital. Toda a política passa a ser invertida, fetichizada, perdendo-se sua dimensão utópica, seus projetos, e sua própria potencialidade de fazer prevalecer o interesse público, o bem comum e a justiça social.

    99% X 1%

    Recentemente a OGN britânica OXFAM International publicou novo relatório onde conclui que 1% da população mundial possui riqueza igual ao restante do mundo, ou seja, os outros 99%. O mesmo relatório ainda evidencia que apesar das mudanças sociais ocorridas na América Latina nas últimas décadas e anos, sobretudo no que tange à diminuição da fome e das desigualdades sociais, essa parte do globo continua sendo a mais desigual e, consequentemente, a mais violenta do mundo.

    Esses dados alarmantes nos evidenciam o nível de desregulação política e da dominação econômica que estamos a viver. Tudo isso ocorre, ainda, com a legitimação de grande parte das autoridades políticas, que imersas na ideologia neoliberal, não veem outra solução para atuar no campo político, a não ser se curvar aos ditames internacionais. Esta é a marca da privatização da política. Além disso, as ações que miram a diminuição das desigualdades sociais estão cada vez mais sob risco no contexto de crise econômica em países emergentes como o Brasil, o que pode representar o início de graves retrocessos nas tímidas conquistas que foram feitas.

    Muitos afirmam que o capitalismo não prosperou, não progrediu, mas o capitalismo está prosperando mais do que nunca, pelo menos para o 1% mais ricos da população mundial. Esse fato é suficiente para se manter as estruturas de poder econômico internacionais praticamente intactas e aprofundar a pobreza e as relações de dependência no cenário internacional. Será esse o fim da política em prol da vida boa de todos e não apenas de alguns?

    De fato, a raiz desse problema está na confusão existente entre as esferas pública e privada. De certa forma, se partirmos do pressuposto que a corrupção é um problema sistêmico no Brasi, e em grande parte do mundo – como efetivamente o é – podemos afirmar que a política foi historicamente privatizada, tendo em vista que a corrupção e o patrimonialismo marcam a história do Brasil. Mas o momento em que vivemos é muito mais peculiar, e muito diferente do que aconteceu ao longo de toda a história. Trata-se de um problema muito complexo e profundo, marcado também por contradições.

    O processo mostra-se complexo e contraditório pois o encantamento com a ideologia neoliberal não atinge somente a grande maioria dos representantes políticos, mas também grande parte da sociedade, que aliena as “vítimas” da própria dinâmica que alimenta esse processo.

    Isso nos evidencia que recuperar o sentido da política é urgente, assim como reinventar a gramática do poder político-institucional. Criar, meios, mecanismos, formas e estruturas que possam abrir o caminho para outras perspectivas é o desafio para esse cenário cada vez mais insatisfatório e preocupante.

    Thiago Burckhart é estudante de Direito na FURB. Pesquisador da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst). Pesquisador do grupo de Pesquisa em Direito, Território e Cidadania (FURB). Pesquisador do Grupo de Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação (FURB). Escritor e Membro da Associação de pesquisa, produção cultural e promoção dos Direitos Humanos Imaginar o Brasil.
    [1] Para aprofundamentos, ver: DUSSEL, Enrique. 20 Tesis de Política. Buenos Aires : CLACSO, 2007.
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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-privatizacao-da-politica/300887486

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