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17 de Junho de 2024
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    A responsabilidade por atos de terceiros da Lei Anticorrupção

    Publicado por Justificando
    há 9 anos

    No artigo intitulado “A dogmática da Lei Anticorrupção: primeira nota”, publicado em 18 de agosto de 2015, pelo Justificando, Pedro da Conceição questiona a responsabilidade objetiva por fato de terceiros trazida pela Lei Anticorrupção. Com razão, o autor informa que mencionada estrutura de responsabilidade decorre das construções baseadas em precedentes do Foreign Corrupt Practices Act – FCPA, aduzindo contudo – e em nosso entender de forma equivocada – que mencionada construção teria sido incorporada ao direito nacional sem questionamentos.

    Segundo o autor, a responsabilidade objetiva e a responsabilidade por fatos de terceiros se encontrariam em campos distintos no direito civil e, da existência da primeira, não se poderia induzir a presença da segunda. Ao contrário, desfazendo equívoco comum à doutrina civilista, o autor pontua que a responsabilidade por fato de terceiros decorre de lei. Sendo assim, aduz de forma sintética que:

    “responsabilidade objetiva não implica responsabilidade por fato de terceiro – nem vice-versa. Pelo contrário, é preciso previsão legal expressa para que a responsabilidade por fato de terceiro se dê de modo objetivo – ou vice-versa”.

    Ainda, segundo o autor, a responsabilidade por fato de terceiros não teria sido ventilada pela Lei Anticorrupção, tratando-se de interpretação extensiva do termo “indiretamente”, insculpido no art. 5º, inciso I, da Lei Anticorrupção, que de mais a mais, é expressão legislativa vaga e plurívoca.

    Com a devida vênia, discordamos do autor na medida em que a responsabilidade de terceiros, na Lei Anticorrupção, não decorre da mera mimetização dos precedentes norte-americanos, nem tampouco da utilização da expressão “indiretamente” na definição dos atos lesivos contra a administração pública do inciso I, do art. 5º, da Lei Anticorrupção.

    O termo “indiretamente” utilizado na descrição típica do ilícito administrativo (e aqui vale comentar a inequívoca utilização do método de definição do direito penal) é sem dúvida objeto de críticas tendo em vista sua imprecisão. A maneira indireta poderia ser correlacionada ao modus operandi (como p. ex., a doação indireta, a promessa indireta), bem como ao sujeito ativo do ilícito (como p. ex., dar ou oferecer por meio de outra pessoa). Seria daí que surgiria, segundo o autor, a interpretação pela qual emergiria a responsabilidade por fatos de terceiro.

    Mas se de fato o termo possa enunciar, em termos vagos, esse tipo de responsabilização, não é ele o instituto determinante para a responsabilidade por fato de terceiros. Pelo contrário, a imprecisão absoluta do termo, em verdade, inutiliza sua própria aplicação. É o que também acontece com outros termos imprecisos e inúteis, como o advérbio “comprovadamente”, utilizado nos incisos II e III, do mesmo art. 5º, da Lei Anticorrupção. E isso porque, é corolário constitucional a presunção da inocência, mediante o qual, ninguém pode ser condenado sem a comprovação do ato antijurídico culpável.

    Em verdade, a responsabilidade de terceiros não decorre dos costumes estrangeiros ou da expressão legislativa vaga, mas sim, por determinação legal insculpida no art. 5ª, inciso III, da Lei Anticorrupção, que assim versa:

    “comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.

    Como explicamos anteriormente, o termo “comprovadamente” é completamente inútil e desnecessário no texto legal, à luz do princípio da presunção da inocência. É claro que deve-se comprovar o fato de terceiro, assim como deve-se comprovar (i) que esse ato de terceiro constitua hipótese de ato lesivo contra a administração pública, nos termos do mesmo art. 5º, da Lei Anticorrupção e (ii) que esse ato de interposta pessoa tenha ocultado ou dissimulado os interesses ou a identidades dos beneficiários finais dos atos lesivos praticados.

    Sendo assim, existe na Lei Anticorrupção previsão expressa da responsabilidade por atos de terceiros, que não se confunde, mas sim, se soma à responsabilidade objetiva – a nosso ver, diga-se de passagem, de maneira extremamente gravosa e desproporcional. Pois se por um lado o art. 5º, inciso III, sacramenta a responsabilidade por fato de terceiro (ou, nos termos da lei, de “interposta pessoa”), por outro, o art. 2º, do mesmo diploma, enuncia a responsabilidade objetiva.

    Em conjunto, os institutos acabam por formatar no ordenamento jurídico brasileiro estrutura semelhante à responsabilidade por fatos de terceiros do direito norte-americano, tendo em vista que, a exclusão das componentes da culpa ou do dolo da responsabilidade, faz com que a pessoa jurídica possa ser responsabilizada pelo fato de terceiro (i) considerado ato lesivo e (ii) que a beneficiou; ainda que não soubesse do fato e não quisesse o resultado. E isso porque a consciência somada ao binômio intenção e vontade são elementos típicos do dolo, elemento subjetivo descartado na responsabilidade objetiva.

    Sendo assim, é de se considerar que a responsabilidade por fatos de terceiros não se configura mera utilização de precedentes estrangeiros ou de interpretação extensiva (que, de fato, deve ser proscrita do âmbito sancionador), mas emerge em decorrência de previsão legal expressa da Lei Anticorrupção, da qual exsurge a necessidade de criação de mecanismos preventivos que procurem evitar que os atos praticados por terceiros possam engendrar a responsabilidade da pessoa jurídica beneficiada.

    Bruno Salles Pereira Ribeiro é Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo. Coordenador da Biblioteca do IBCCRIM. Coordenador do Projeto Educação para Cidadania no Cárcere do IDDD. Autor do livro “Análise Crítica do Direito Penal Secundário” (2015) e organizador do livro “Lei Anticorrupção: uma análise interdisciplinar” (2015).
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