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17 de Junho de 2024
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    A revolução de 64: os movimentos artístico-culturais- Des. Brandão de Carvalho

    há 10 anos

    A REVOLUÇAO DE 64: OS MOVIMENTOS ARTÍSTICO-CULTURAIS E MUSICAIS. CENSURA

    Examinando os pormenores que de uma forma intrínseca e extrínseca permearam luta contra o regime militar instalado no Brasil a partir de março de 64, não podemos olvidar do peso incontestável dos movimentos artísticos que se levantaram de forma heroica dentro da musicalidade, apesar da forte censura que gravitava soberbamente neste meio artístico brasileiro.

    Foi exatamente neste período, de certa forma longo, que os artistas passavam a cantar de forma contestatória, o que o povo não podia se expressar por suas palavras, por meio da grande imprensa.

    Nesta fase áurea da música brasileira, surgem nomes de vanguarda no meio artístico, quebrando a hegemonia do status quo através dos importantes festivais, principalmente na Rede Record, que abalaram a estrutura monolítica do sistema rígido da Revolução.

    Nosso despretensioso trabalho se baseia no tema de graduação interdisciplinar acerca dos efeitos da censura em nossa produção musical durante o regime revolucionário.

    Estes estudos foram levados a cabo pelos estudantes de jornalismo da Universidade Mackenzie de São Paulo, André Rocha, Gabriel Pelosi e Lucas Mota; completo e importante trabalho de pesquisa de campo e inúmeras entrevistas à custa de sacrifícios, resgatando fracionadas informações da época. Documentos importantes do setor musical, trilhas sonoras, depoimentos, músicas conhecidas e cantadas pelo grande público e também canções desconhecidas, serviram de esteio para que chegassem ao nosso conhecimento as inúmeras canções que foram vetadas por todo o período, através das Divisões de Censura de Diversões Públicas, tendo os elencados pesquisadores bebido da seiva do conhecimento por meio dos documentos oficiais da censura dispostos no Arquivo Nacional de Brasília e no Arquivo Público do Estado de São Paulo. A produção litero-cultural e musical do país na época, até parecendo contrário ao comum do que se passava, foi de um fervor absolutamente incontestável em que as pessoas eram podadas do seu livre arbítrio na exposição de suas ideias.

    No artigo anterior, tratamos dos momentos mais negros da nossa vida política, tendo de um lado a guerra fria entre as duas grandes potências Estados Unidos e a então República Socialista Soviética, da tomada da importante ilha caribenha de Cuba, antes aliada dos Estados Unidos no Governo de Fulgêncio Batista pelo sanguinário golpe revolucionário que ascendeu ao poder o ditador comunista Fidel Castro que até hoje persiste, desgaste político do Presidente João Goulart perante as elites civis e militares, afora o engendrado apoio à Revolução pelo Presidente Jonh Fitzgerald Kennedy, através do seu Ministro das Relações Exteriores no Brasil, o Embaixador Lincon Gordon, como devidamente comprovado pelas Cartas do Ministro Roberto Campos que comprovava diretamente ao Pentágono que o Presidente João Goulart estava sendo perseguido e monitorado pela CIA à época, especialmente nas viagens à China e Inglaterra. Como não houve resistência, os americanos desistiram de colocar seus navios de guerra em nossas costas. A palavra de ordem a partir de então era o autoritarismo, perseguições, torturas, prisões, censura prévia em tudo que se fazia no país. Houve a modernização da indústria nacional, nos serviços públicos, telecomunicações, estradas, hidrelétricas, mas tudo sustentado pelo endividamento externo do país. ALEXANDRE STHEPHAMOU em Censura e Militarização das Artes resume bem o discurso dos novos fardados governantes do Brasil pós-golpe:

    O combate ao comunismo, a promoção do desenvolvimento econômico, a garantia da soberania, a manutenção da integridade do território nacional e a defesa da democracia.

    O primeiro Presidente Revolucionário foi HUMBERTO DE ALENCAR CASTELO BRANCO, de origem familiar piauiense, que assumiu o poder no dia 15 de abril de 1964 até março de 1967. Também tratamos em artigo anterior, que as ações mais contundentes do seu governo contra a democracia foi a imposição do AI-2 de 27 de outubro de 1965; dissolvendo os partidos políticos colocando-os na clandestinidade, cassa mandatos de expressivos líderes políticos e estabelecendo a eleição indireta para o Presidente da República, nascendo o bipartidarismo formado pela ARENA (governamental) e MDB (oposição). Assumindo Costa e Silva, como segundo Presidente, recrudesce o sistema com a PASSEATA DOS CEM MIL, e o Congresso da União dos Estudantes em Ibiúma (São Paulo), em 1968; 920 estudantes foram presos e com estes acontecimentos veio à tona a promulgação do AI-5 de 13 de dezembro de 1968 com censura à imprensa e prisões indiscriminadas. Foram fechadas, a Casa do Povo (Congresso Nacional), Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais.

    No tocante à MÚSICA, tema específico do nosso trabalho de hoje, passou o regime a endurecer em relação à produção cultural, tivesse ela ou não conteúdo político de qualquer natureza. São alvejados com espada revolucionária o teatro, cinema, literatura, imprensa e a música. Como dissemos, paradoxalmente, o cenário artístico se agiganta, se desenvolve e se profissionaliza, nascendo aí os grandes festivais de música popular brasileira, estourando principalmente na Rede Record de Televisão.

    CARLOS FICO, historiador da Universidade Federal Fluminense, em seu artigo PREZADA CENSURA diz: o grupo militar conseguiu impor, ainda durante o governo de Castelo Branco, o ato institucional Nº 2, mas foi com a subida de Costa e Silva, à Presidência da República que o AI-5 recrudesceu a vitória indiscutível da linha dura.

    É de se explicar que a Censura Musical inserida no setor de Divisões Públicas não era algo novo. Desde o Estado Novo a censura prévia vigiava de perto a música popular. Canções de teor político só eram divulgadas pelo rádio quando elogiosas ao Estado, diz CARLOS FICO. Condenava-se tudo que supostamente parecesse obsceno e pornográfico, tudo alicerçado dentro dos valores conservadores de antanho.

    A ex-técnica de censura, ODETE LANZIOTTI, relata que o Departamento de Censura designava determinados censores para acompanhar as criações de certos compositores para analisarem as canções de cunho político. A Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) era o órgão responsável pela censura das produções artísticas, originária como dissemos, de um Decreto de 1934 com o qual o Presidente Getúlio Vargas criou o Departamento de Propaganda e Difusor Cultural, também da criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), oriundo do Estado Novo. Neste aspecto, a historiadora MAIKA LÓIS atesta exatamente que a legislação montada pelos militares se assentava nas leis de censura da época Getulista:

    Com o golpe, logo nos primeiros momentos se tem a visão de que era necessário centralizar esta censura. Em 1966 é promulgada uma lei que concentrava o Departamento de Censura em Brasília. Compõe-se aí, uma equipe improvisada e desqualificada para promover a censura. Instalada em 1972, a Divisão de Censura e Diversões Públicas, subordinada ao Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, sofre críticas severas e agudas por parte da sociedade brasileira. O processo de aprovação das canções tinha como escopo preliminar o envio da letra à DCDP, através da gravadora ou do próprio artista. Não sendo aprovada, a gravadora poderia recorrer em grau de recurso pelos censores brasilienses. Tempo depois, face ao manancial de concentração de serviços em Brasília, houve a necessidade de criar um Departamento na antiga capital federal. Segundo ODETE LANZIOTTI os censores tinham que tomar muito cuidado com as orientações dos chefes, que distribuíam as músicas. Às vezes a recomendação era para prestar mais atenção na política, no duplo sentido, na preservação da moral e dos bons costumes. Com o passar do tempo, as gravadoras passaram até ter um profissional especializado nesta função de censor, entre os quais o DR. JOAO CARLOS MULER CHAVES, advogado da Phonagram e Odeon-EMI, citado nos arquivos pesquisados pelos estudantes pesquisadores da Universidade de Mackenzie no início deste trabalho. Diz o advogado: Acabei ficando muito próximo das pessoas que atuavam na censura. Eram seres humanos normais, só estavam desempenhando funções que lhes eram atribuídas. Um bom relacionamento com os censores, facilitava o processo de liberação. Diz mais ainda: o critério era não ter critério. Às vezes eles barravam determinada música por não entenderem o que estava escrito ali. Não estavam preparados para aquela atividade, foram remanejados de outros departamentos e caíram numa função jamais imaginada por eles.

    Com o início da abertura política no do governo de João Batista Figueiredo e após a anistia política foi criado o Conselho Superior de Censura (CSC), visando amainar a fortíssima atuação dos censores; é o começo da lenta e gradual extinção dos órgãos censores do governo federal. Com o advento do Decreto nº 83.973 de 13 de setembro de 1979, o Ministro da Justiça, Senador Petrônio Portela, representante do Piauí, cria este Conselho que teria a competência de rever em grau de recurso as decisões censórias proferidas pelo Diretor Geral da Polícia Federal da Divisão de Censura de Divisões Públicas.

    O historiador e jornalista RICARDO CRAVO ALBIN, no livro DRIBLANDO A CENSURA, relata sobre o abrandamento trazido a censura pelo novo Conselho: O CSC era órgão de recursos das partes censuradas das decisões tomadas pelo DCDP. Funcionava como uma instituição de colegiado instituída pelo Ministro da Justiça para dirimir, amenizar, tornar mais digerível a brutalidade do órgão onde a censura era exercitada, a famigerada DCDP.

    Este Conselho tinha uma constituição mais eclética, menos autoritária em relação aos anteriores, uma vez que participava o Ministério de Justiça, Itamaraty, Comunicação, Conselhos Federais de Cultura e Educação, Associação Brasileira de Imprensa, Academia Brasileira de Letras, Associação Brasileira dos Críticos de Cinema e Arte.

    Mesmo com esta abertura, dando uma maior oxigenação em face das entidades envolvidas, muitas letras continuavam sendo censuradas pelo aludido departamento. Podemos citar Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Raul Seixas, Taiguara, Chico Julião, Zé Rodrix, Paulo Coelho, Toquinho e Vinícius de Moraes, Sérgio Sampaio, Belchior, Odair José, Geraldo Vandré, Geraldo Azevedo, Rita Lee, Gonzaguinha, Genival Lacerda, José Eduardo, Torquato Neto, Carlos Lira, Luiz Ayrão, Milton Nascimento, Dom e Ravel, entre muitos outros.

    Com o advento do ano de 1985, já no final do último governo militar, com eleição de José Sarney para Presidente da República em face da morte repentina do Presidente Tancredo Neves, todos esperavam finalmente que a censura seria proscrita do sistema político nacional o que não veio a acontecer. O Deputado Fernando Lira, nomeado para o Ministério da Justiça surpreende a todos: decide manter toda a estrutura do DCDP de não desativar o CSC. Somente em abril de 1987, data em que assume o Deputado Federal gaúcho PAULO BROSSARD, O CSM volta ao pleno funcionamento, dando início ao fim negro da censura, sendo completada com a promulgação da constituição cidadã, como diria o grande patriota e homem público DEPUTADO ULISSES GUIMARAES, mais precisamente no dia 05 de outubro de 1988, quando é finalmente extirpada a censura que tanto mal fez à cultura brasileira.

    Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho

    Decano do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí e Presidente da Academia de Letras da Magistratura Piauiense

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