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3 de Maio de 2024
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    A sociedade é quem precisa de cura para sua intolerância

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    Parte de nossa sociedade arrota sentimentos de justiça, grita por igualdade e usa religião de forma extremista buscando os ensinamentos da fé de respeito ao próximo, no entanto, essa mesma vertente social apresenta pensamentos, atitudes, comportamentos, sentimentos e impulsos discentes de suas próprias convicções, sentindo-se perturbados como o diferente, com o diverso e incomum aos seus padrões unilaterais de verdade absoluta, necessitando urgentemente de “terapia de reversão” para frear seus impulsos de exclusão social, já que gritam e rezam por igualdade.

    Dentro desse conceito “egodistônico”, o judiciário tem sido cenário de um desserviço social em inúmeras decisões calcadas em preconceito, misoginia e lgbtifobia, vivemos numa sociedade de construção emocional covarde e preconceituosa, onde a justiça, cada dia mais, vem sendo palco de ações discordantes de seu próprio conceito verbal.

    Diante disso, do contrário do contexto social doente que não se equaliza entre o real e o que se acredita defender, não se aceitando de fato como é, não existe egodistonia nas homossexualidades, visto que o sofrimento, a angustia, o sentimento de exclusão, de não aceitação, não derivam das pessoas por se entenderem como homossexual ou bissexual, mas sim da segregação social imposta às diversidades.

    Ações para essa exclusão social, não faltam, além do famigerado e preconceituoso, Estatuto da Família, da Resolução 34/14 da Anvisa, da proibição de discutir gênero, orientação sexual e identidade de gênero nas escolas e tantas outras manobras, ano passado, presenciamos uma vitória na luta dos Direitos Humanos.

    O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão unânime, manteve os termos normativos da Resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia, em especial o art. 3º, que proíbe os psicólogos de exercerem qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, um ano depois, aqui estamos nós discutindo novamente a liberdade e dignidade humanas por meio de decisão incongruente, num permissivo de preconceito judicial latente contra as homossexualidades.

    Conforme o Juiz Waldemar Claudio de Carvalho, da 14ª Vara Federal de Brasília, em sua liminar na Ação Popular nº 1011189-79.2017.4.01.3400:

    A norma em questão, em linhas gerais, não ofende os princípios maiores da Constituição. Apenas alguns de seus dispositivos, quando e se mal interpretados podem levar à equivocada hermenêutica no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual. Digo isso porque a Constituição, por meio dos já citados princípios constitucionais, garante a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da pessoa humana, inclusive sob o aspecto de sua sexualidade, valores esses que não podem ser desrespeitados por um ato normativo infraconstitucional, no caso, uma resolução editada pelo CFP”.

    O argumento apresentado tem um equívoco ao fundamentar-se na dignidade da pessoa humana, visto que, é a própria dignidade da pessoa humana de não ter sua orientação sexual discutida por terceiros, que está sendo aviltada, ignorada e desrespeitada.

    Se a decisão não foi calcada em lgbtifobia, gostaria de saber como será o tratamento de reversão, se uma pessoa que sempre se identificou como heteroxessual, resolver mudar a orientação para homossexual. Será que o direito a livre pesquisa científica e desenvolvimento da liberdade profissional do psicólogo será respeitada num tratamento de “reversão” inverso? Sabemos a resposta.

    Nossa sociedade é castradora e impinge sobre nossos corpos, nossa liberdade e nossos desejos, regras inflexíveis de aceitação heteronormativa. É a sociedade que precisa de tratamento, pois além de ser doente, provoca em seus membros danos de exclusão social, sofrimentos emocionais por estigmatização, solidão social, depressão, instiga violência, segregação e até mesmo o suicídio das pessoas que não se sentem enquadradas no modelo retrogrado, moralista e cruel de sociedade patriarcal, heteronormativa e binária que vivemos.

    Chega a ser irônica a justificativa da Psicóloga Rosangela Alves Justino, ao dizer que se sentiu amordaçada no direito de exercer a psicologia de reversão, uma inversão de valores pungente, vista e aceita pela justiça brasileira.

    Não se pode tratar o que não é doença e muito embora a decisão judicial que ora se comenta, manteve a resolução 1/99 do CFP, permite de forma escancarada a discussão sobre a patologização das homossexualidades, assunto já pacificado desde 1973, quando deixam de ser consideradas doença pela Associação Americana de Psiquiatria.

    Como se não bastasse, a partir de 1990, a patologia não consta no Código Internacional de Doenças pela OMS, e, em 1991, a Anistia Internacional considerou a discriminação contra homossexuais uma violação aos direitos humanos.

    Ou seja, não há possibilidade jurídica de tratar como patologia as homossexualidades, por decisão da Organização Mundial de Saúde, não havendo cabimento legal sequer no acolhimento da exordial interposta.

    O Brasil continua insistindo em ignorar os direitos de milhões de brasileiros que lutam diariamente para conseguir visibilidade social, respeito, igualdade e segurança, ignorando a crescente LGBTTfobia que mata todos os dias e seguimos permitindo que posições pessoais ou religiosas continuem lesando direitos coletivos, sem fundamentos legais, ignorando, aos arrepios da lei, os direitos humanos, o estado laico, o direito a identidade e intimidade pessoal.

    Algozes discursam condutas predeterminadas para uma sociedade aprisionada em condutas misóginas, racistas e LGBTTfóbicas; livros de fé instigam o ódio; e, entre um escárnio e um maldizer, a sociedade segue ignorando ou, pior, odiando, as diversidades inerentes a um país plural.

    Aqui, me permito citar um trecho do artigo que escrevi em 2016 – “Dignidade da pessoa humana – um direito que não cabe recurso”.

    “Como se não bastasse o desrespeito à dignidade da pessoa humana, há uma usurpação de poder ou capacidade legal, sobre a competência e legitimação profissional. Cabe, apenas ao Conselho Federal de Psicologia, alterar ou manter suas resoluções, desde que elas não sejam contrárias à lei. E, no caso em tela, não há qualquer ilegalidade em proibir o tratamento, patologização ou ação coercitiva que vise estimular homossexuais a tratamentos não solicitados, visto que a orientação sexual não é doença.

    Não é cabível, num Estado Democrático de Direito, ainda discutirmos o tratamento ou a interferência na orientação sexual ou identidade de gênero. É inaceitável o poder público valer-se de sua força normativa e coercitiva para segregar e criar rótulos estigmatizantes. Parece que o moralismo, o fundamentalismo religioso e a ignorância, na concepção real da palavra, impedem o país de caminhar para uma sociedade justa e inclusiva”.

    Vivenciamos todos os dias mulheres sendo espancadas, mortas, assediadas, estupradas, tendo seu pescoço atingido por uma ejaculação em pleno ônibus, pai espancando a filha por perder a virgindade, somos o país que mais mata pessoas transexuais e travestis, o bullying lgbtifóbico é o grande responsável pela evasão escolar, agressão e suicídio de crianças e adolescentes LGBTIs, os meios televisivos mostram pedofilia, tráfico de drogas, estupros, incestos, traições, meninas em algumas localidades no Brasil, ainda são obrigadas a casar e submeter-se aos prazeres sexuais do marido, grandes empresários corruptos e traficantes são soltos, mas o infrator com baixa ou nenhuma condição financeira apodrece na prisão mesmo depois de ter cumprido a pena, tudo sob o manto permissivo da justiça.

    A sociedade é quem precisa de cura para sua intolerância.

    Patrícia Mannaro é Secretária Geral da Aliança Nacional LGBT.

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