A verdade e as Forças Armadas - Wadih Damous
'Conclui-se que os dados disponíveis não permitem corroborar a tese de que tenha havido desvio formal de finalidade do fim público estabelecido para essas instalações.'
A frase acima é parte das conclusões de uma sindicância aberta pelas Forças Armadas para a apuração de desvio de finalidade em sete instalações militares usadas como centros de tortura na ditadura. As conclusões foram divulgadas esta semana.
Na sindicância, aberta a pedido da Comissão Nacional da Verdade, perguntou-se sobre a participação de funcionários do Estado em violações aos direitos humanos no interior dessas instalações militares. A resposta equivale a negar que elas tenham sido palco de torturas de presos políticos.
Fazer tal afirmação sobre o DOI-Codi, no 1º Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca, ou a Base Aérea do Galeão, notórios centros de tortura, é um acinte. É o mesmo que continuar sustentando que Vladimir Herzog se suicidou no DOI-Codi de São Paulo ou que o atentado do Riocentro foi obra de militantes de esquerda - versões ainda mantidas pelas Forças Armadas.
Esse comportamento não contribui para passar uma imagem de seriedade dos atuais comandantes militares.
Que fique claro. A ninguém de bom senso passa pela cabeça enxovalhar as Forças Armadas. Elas são uma instituição nacional, necessária para o país. Foram protagonistas de episódios condenáveis na ditadura, mas isso não deve significar uma condenação perpétua.
E preciso virar essa página. No entanto, para que isso seja feito, é preciso lê-la. Não se pode jogar a sujeira para baixo do tapete. A recuperação da memória é essencial para a consolidação da democracia.
Vivemos hoje numa democracia, e é preciso que as Forças Armadas se integrem a ela. Não podem continuar como um corpo â parte do Estado e da sociedade. Os atuais integrantes de Exército, Marinha e Aeronáutica não tiveram participação naqueles crimes. Nada justifica que, por espírito de corpo, continuem protegendo os responsáveis por eles. Insistir nessa questão não é olhar para trás. Ao contrário, é criar anticorpos para que tais crimes não se repitam. É visar ao futuro e adequar as Forças Armadas aos tempos de democracia. Que seus comandantes reflitam sobre isso.
Wadih Damous é presidente da Comissão da Verdade do Rio e da Comissão de Direitos Humanos da OAB.
Artigo publicado no jornal O Dia.
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