A versão gaúcha do episódio da Decisão Salomônica
Segundo o Antigo Testamento, "sabedoria salomônica é a grande sabedoria, utilizada para governar com justiça e equidade".
A origem remonta aos tempos de Salomão, personagem bíblico, filho de Davi e terceiro rei de Israel, que governou durante cerca de 40 anos e ficou conhecido como um sábio homem público e que também desempenhou as atividades de juiz das questões pessoais - sendo tido como justo e imparcial.
Ficou especialmente notório o julgamento feito por Salomão, do caso em que duas mães disputavam um bebê; ele distinguiu a falsa mãe da verdadeira, ao simular dividir o bebê em dois, dispondo-se a dar a metade a cada uma.
O advogado gaúcho Léo Iolovitch (OAB-RS nº 6.667) acaba de lançar um livro virtual intitulado "Na nuvem". Os textos contêm músicas que lhes dão complemento.
Além de crônicas há uma segunda parte do livro com o nome "Advogados que gostam de escrever", reunindo alguns casos judiciais reais e fictícios.
O livro não existe fisicamente mas apenas na Internet, bastando acessar pelo link http://www.olivronanuvem.com.br/ .
Entre os contos, Iolovitch narra a versão gaúcha de uma passagem da Bíblia conhecida como "Decisão Salomônica".
Seu texto:
Há um episódio bíblico, que é clássico de julgamento interessante: duas mulheres foram ao rei Salomão, ambas alegando que eram a mãe de uma criança, pedindo que ele decidisse de quem era o filho.
O monarca pegou uma espada e disse que iria cortar a criança ao meio, dando metade a cada uma das postulantes. Uma delas adiantou-se até o rei, pedindo para que não fizesse aquilo, preferindo que a criança fosse dada para a outra mulher.
Imediatamente o rei disse que, essa era a mãe, pois preferia perder o filho a vê-lo morto, e mandou entregar a ela a criança, condenando a outra como litigante de má fé.
Passam-se milhares de anos.
Estamos numa comarca no interior do Rio Grande, em que há uma ação de investigação de paternidade. A mãe, representando o filho pequeno, dizia que o pai dele não era aquele que constava do registro de nascimento, mas outra pessoa. Tanto o pai registral, como o suposto pai biológico foram citados.
Foi marcada uma audiência de conciliação a pedido do Ministério Público.
O promotor adorava poesia gauchesca e também gostava um pouco de ter notoriedade. A juíza não tinha muita paciência com ele.
Aberta a audiência, foi dada a palavra ao promotor, que juntou algumas folhas que havia escrito e levantou-se da cadeira. Pigarreou e começou a ler, ou melhor, declamar:
Saúdo a douta magistrada
que preside esta audiência,
vou trazer de forma cantada
o parecer a Vossa Excelência.
Vou lembrar o rei Salomão,
Que governava lá na Judéia,
E quero sugerir uma decisão
Baseada na sua famosa ideia.
O que existe aqui é uma ação
Em que se discute paternidade,
Ainda não se sabe quem é pai
Desta criança de pouca idade
Doutora juíza peça ao escrivão
Que a criança lhe traga,
E encaminhe sua decisão
Podendo usar de uma adaga.
Diga para as partes da ação
Que vai partir o piá ao meio,
E ao mostrar o facão,
Vamos ver quem pisa no freio.
Quem reagir com indignação,
Evitando sangue ou matança,
Vai lhe antecipar a decisão,
Esse é o pai da criança...
O mal estar da magistrada era visível, apenas folhava os autos durante a leitura do parecer em versos.
Esperou em silêncio e, sem olhar para o promotor, perguntou apenas: Terminou?
Ele respondeu que sim, e ela prosseguiu, sem tirar os olhos do processo:
Trata-se de ação de investigação de paternidade, em que o acordo só é possível se uma das partes reconhecer o direito da outra. Como não houve esse reconhecimento, deve ser produzida a prova.
Determino que as partes e o autor forneçam material genético e será feito exame de DNA, em instituição médica a ser indicada por este juízo, em prazo não superior a 20 dias. Após o resultado do exame, volte o processo para ser proferida a sentença.
Então se virou para o promotor e falou:
Pois é doutor, agora não é mais a lâmina da espada, são as lâminas do laboratório, que resolvem estas
questões.
Fechou o processo e disse:
Está encerrada a audiência.
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