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20 de Junho de 2024
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    Abolição e os direitos humanos

    Celebramos este ano a coincidência de muitos aniversários redondos. Entre eles, os 120 anos da Lei Áurea e os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU, que proclama em seu artigo primeiro: “livres e iguais em dignidade e direitos nascem todos os homens.

    Da luta abolicionista ainda ressoam em nossos ouvidos os versos de Castro Alves, em “Vozes da África”, interpelando diretamente a Deus pelo saque escravista. Joaquim Nabuco é o nome mais reverenciado entre os expoentes da elite nacional que tiveram a lucidez de abraçar a causa justa. Mais recentemente, aprendemos a sustentar sérias dúvidas – a partir da crítica formulada por militantes do movimento negro – sobre o real alcance da Lei Áurea.

    Quem ler com isenção o monumental estudo de Florestan Fernandes sobre “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”, não terá dificuldades em concluir que, no século 20, a sociedade brasileira e o Estado não foram capazes de introduzir políticas públicas ou práticas sociais que, de fato, eliminassem as odiosas barreiras de preconceito, exclusão, exploração econômica e violência física que, desde a chegada do primeiro navio negreiro, sempre envolveram esse gigantesco contingente de brasileiros afro-descendentes.

    Evitamos o uso da palavra racismo para não cortar preliminarmente o diálogo com os 113 signatários de um manifesto anti-cotas apresentado recentemente ao Supremo Tribunal Federal. Entre eles, há pessoas dignas de todo o respeito, como Ruth Cardoso e Wanderley Guilherme dos Santos, para pinçar apenas dois nomes nacionalmente reconhecidos por sua dignidade intelectual e política. Outro manifesto com 400 assinaturas foi igualmente entregue ao STF com os argumentos opostos, sustentando, no fundo, que equidade, como justiça do caso concreto, consiste em tratar desigualmente os desiguais, para produzir igualdade.

    Mas, entre uns e outros, cabe construir consenso em torno da idéia de que a democracia não estará consolidada em nosso país enquanto as estatísticas, teimosamente, seguirem sendo as que temos hoje. Recente estudo do IPEA revela que os brasileiros afro-descendentes auferem rendimento equivalente apenas à metade do recebido pelos outros segmentos (53%) e uma pesquisa do Instituto Ethos mostra que apenas 3,5% dos cargos de chefia são ocupados por negros nas 500 maiores empresas do país.

    Num contexto assim, quaisquer que sejam as diferenças intelectuais entre os que se declaram anti-racistas, existe a necessidade de somar forças, unir diferentes, agregar propostas e idéias em torno do objetivo comum, humanitário e civilizatório, de completar o processo ainda inconcluso da Abolição.

    Já é possível computar avanços e conquistas palpáveis. A valorização do 20 de novembro, dia de Zumbi, como principal março cronológico da luta, a decisão da Câmara dos Deputados, dia 13 de maio, de finalmente anistiar o navegante negro João Cândido, evocado na música de João Bosco e Aldir Blanc, pela voz de Elis, os debates em torno do Estatuto da Igualdade Racial, experiências emocionantes como a Unipalmares/Educafro, as controvérsias em torno das políticas de ação afirmativa e de reparação simbólica, o próprio debate sobre aperfeiçoar (e até delimitar no tempo) o sistema de cotas, eis alguns eixos em torno do qual o tema da igualdade racial não deveria permitir hesitações.

    Ou completamos o processo histórico inacabado, ou seguiremos reconhecendo que, também no tópico “cor da pelé” segue persistindo no Brasil uma crônica violação dos princípios formalizados pelas Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, 60 anos depois da Lei Áurea, 60 anos antes deste 2008 de tantos aniversários.

    Paulo Vannuchi é ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

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