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6 de Junho de 2024
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    Alternativas Penais: entre a efetividade e a invisibilização

    Publicado por Justificando
    há 7 anos

    O panorama brasileiro orquestrado pelo aparato conservador e a crescente supremacia de conceitos ultramorais impostos pelos “cidadãos de bem”, abrem ofensiva contra direitos fundamentais como as liberdades, a justiça e a igualdade, que são marcadores imprescindíveis para uma sociedade equilibrada e equânime.

    Neste contexto adverso, integrar a política de alternativas penais torna-se cada vez mais desafiante, pois os embates contra-hegemônicos são travados cotidianamente e é preciso ter a insurgência como componente decisivo para que as Alternativas Penais sobrepujem a sanha punitivista e o encarceramento.

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    As reflexões que trago são fruto do lugar que ocupo, como Gestora da CEAPA – Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas – Bahia, cujo trabalho especializado fornece acompanhamento multidisciplinar aos cumpridores atendidos em 17 unidades, e tal experiência agrega embasamento suficiente para identificar os benefícios e a função social da aplicação das Alternativas Penais.

    Assim, o sujeito, mesmo sendo identificado como agente da ação, é percebido também como parte de um conjunto de elementos que compõem a gramática dos dramas sociais.

    Estar envolvida tão visceralmente neste trabalho faz com que, para além de enxergar o quanto é importante contrapor as experiências retributivas e fracassadas do cárcere, eu vivencie uma constante inquietação. A partir dela, é alimentada uma série de movimentos e articulações com entidades públicas e da sociedade civil organizada, que também promovem rebatimentos contra-hegemônicos e, junto conosco, potencializam as ações em busca de um sistema de justiça verdadeiramente justo.

    Não faltam dados consolidados acerca das vantagens da aplicação das Alternativas Penais que pesam para a opinião pública, tais como: resolução de conflitos com a lei com baixo custo para o poder público, dados quanti-qualitativos que comprovam a efetividade no cumprimento e o desafogamento das penitenciárias. Ainda assim, prevalece a invisibilização desta política, a tentativa de macular suas ações e o destaque ao encarceramento como solução.

    Numa análise feita ao longo dos anos, percebi que os cumpridores e as instituições comunitárias da sociedade civil organizada, são quem sentem e expressam mais diretamente os benefícios das Alternativas Penais. Talvez este seja um dos grandes pontos que produzem a invisibilização. Neste modelo de justiça criminal não há beneficiamento de organizações privadas com fins lucrativos, não há mercantilização da punição e isto pode frear um circuito altamente lucrativo. Pensemos nisto num país de natureza capitalista, impregnado pela seletividade racial e de classe.

    Outro aspecto bastante preocupante é que a lógica e os princípios das Alternativas Penais chocam com a privatização das penitenciárias, uma tendência que vem sendo fomentada no Brasil, estimulando que empresas privadas a identifiquem como um nicho de investimento com alto retorno financeiro, já que estamos falando de um público que cresce vertiginosamente.

    Segundo dados do INFOPEN, temos a 4.ª maior população carcerária do mundo, com crescimento de 33% entre 2008 e 2013. Nestes moldes, o que deveria ser uma política pública, que proporcionasse por meio de suas ações a redução da massa carcerária, torna-se uma oportunidade de mercado.

    E, pelo padrão do empresariado brasileiro, seria ingênuo vislumbrar algum investidor deste campo que desejasse políticas de desencarceramento.

    Além de tudo, lidamos com uma população deformada pela cultura punitivista, impulsionada por uma mídia nefasta, que discursa com base no senso comum e acredita que é preciso prender mais e asseverar as sanções, mesmo que o encarceramento tenha crescido 267% em 14 anos, segundo o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, e não tenhamos conseguido reduzir criminalidade, nem tampouco promover “ressocialização”.

    Sem entrar numa lógica maniqueísta, chamo à atenção para o fato de que, majoritariamente, os detentores dos meios de comunicação concentram grandes riquezas, são articulados e influentes e acessam tranquilamente gabinetes nas três instâncias de Poder.

    Porém, nos oxigenamos nos ótimos resultados alcançados e nas transformações e ressignificações que acontecem extramuros identificadas nos diversos casos atendidos na Central.

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    Exemplifico com a história de Dalva*, mulher de comunidade periférica de Salvador, vendedora de cafezinho, acusada de crime de tráfico privilegiado, presa 25 dias, foi condenada e teve a pena privativa substituída pela restritiva de direitos. Chegou à Central completamente fragilizada e passou a ser acompanhada pela equipe técnica multidisciplinar. Nos primeiros meses, precisou ser trocada de instituição de cumprimento para aprestação de serviços à comunidade (PSC) por 7 vezes, recebeu encaminhamentos para serviços socioassistenciais e todo o cuidado da equipe, que compreendia que se tratava de uma situação complexa e precisava de mais atenção.

    Atualmente, faltando poucos meses para o término da pena, ela cumpre numa instituição que também soube acolher suas peculiaridades e tece elogios a PSC que desenvolve. Dalva nunca pensou que poderia ser ouvida e respeitada numa instância de cumprimento de pena. Hoje ela conhece seus direitos, percebe-se como protagonista de sua história, implicada na responsabilização e com certeza enxerga-se no mundo de uma forma diferente.

    Retroalimentamos nossa práxis nas escutas qualificadas das histórias das pessoas e na manutenção de seus vínculos familiares, comunitários e sociais, no despertar do direito às políticas públicas, na construção de afetos, empatias e na concepção de outras e outras perspectivas, pensadas por sujeitos de direitos e responsabilidades capazes de impactar os padrões normativos de punibilidade.

    Andréa Mércia Batista de Araújo é Assistente Social, Coordenadora da Central de Apoio e Acompanhamento às Penas e Medidas Alternativas da Bahia (CEAPA/BA). Milita no campo dos Direitos Humanos e participa há 13 anos da política de Alternativas Penais.

    ⃰ nome fictício

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