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3 de Maio de 2024
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    Artigo: As fontes da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

    Mauro Campello*

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    O tema do ensaio de hoje foi desenvolvido no feriado do dia mundial do trabalho [1] , na cidade de Belém [2] . Não visitava a capital paraense desde 2005. Lembro-me bem da minha última estada na cidade conhecida como a Metrópole da Amazônia [3] . Lá estive, quando dirigia o Tribunal de Justiça de Roraima [4] , a convite do então presidente da Corte do Pará, Des. Milton Nobre [5] , para conhecer as experiências de sua gestão. Ele fez questão de apresentar-me pessoalmente seu trabalho. Um excelente anfitrião, um gentleman .

    Nessa visita pude observar que o colega Milton Nobre além de ser um grande jurista e um intelectual reconhecido em seu estado, desenvolvia uma gestão inovadora. Sua administração buscava a modernização da Justiça do Pará. Suas ações conjugavam os princípios da eficiência e da economicidade. Logo seu trabalho seria reconhecido e Milton, ao final de seu mandato, assumiria a função de conselheiro no Conselho Nacional de Justiça [6] .

    Na oportunidade, movido pelo espírito de cooperação institucional, Milton Nobre disponibilizou, de forma gratuita, inúmeros programas que foram implantados no Poder Judiciário roraimense e que passados mais de sete anos alguns ainda são executados. Logo, a viagem foi considerada muito proveitosa.

    Entretanto, a minha passagem neste feriado por Belém foi bem diferente do que da última vez. Esta se deveu a problemas climáticos em Manaus [7] , que provocou o fechamento de seu aeroporto, forçando a companhia aérea mudar a rota para a capital paraense. Voltava da missa de um ano de falecimento de meu pai celebrada no Rio de Janeiro. Não entendi o motivo da aeronave não ter seguido para seu ponto final – Boa Vista [8] , distante apenas uma hora de Manaus e não apresentando qualquer problema para pouso.

    Cheguei a Belém por volta de 01h da manhã e somente às 04h foi que consegui adentrar no Hotel Soft Inn, após os desgastes comuns que passam os consumidores/passageiros nos aeroportos brasileiros para resolverem problemas dessa natureza. Como o vôo de Belém para Manaus/Boa Vista somente sairia às 22h, lembrei-me do conselho de Marta Suplicy [9] , amplamente divulgado na mídia, quando o cidadão se acha nessas situações – relaxa e goza , e, assim, aproveitei para fazer algo que não realizei naquela viagem a serviço – aproveitar e descansar.

    Então, tirei o dia para fazer um passeio pela cidade. Antes, procurei Gursen De Miranda e sua Sandrinha [10] , que poderiam ser meus cicerones, mas não tive sorte, pois estavam em Boa Vista. Visitei o Theatro da Paz [11] , o Museu Emílio Goeldi [12] e o Mercado VeroPeso [13] , mas foi no final da tarde, na Estação das Docas [14] , totalmente revitalizada, que me inspirei para escrever esse ensaio.

    Sentei-me numa mesa de frente para a Baía do Guajará [15] , abri meu leptop , pedi um pato no tucupi [16] acompanhado de uma cerpinha [17] , bem gelada, e quando saboreava esse prato, diga-se de passagem, delicioso, e admirava o belo cenário, como se uma pintura fosse, composta pelas águas da baía, pela floresta e pelo entardecer, comecei a organizar minhas ideias sobre a inquietação que iria tratar - o reconhecimento pela comunidade internacional dos direitos da criança. Discussão que inevitavelmente adentra ao tema das fontes da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.

    As primeiras discussões a respeito dos direitos da criança no plano internacional foram promovidas pela extinta Liga das Nações Unidas [18] e pela Organização Internacional do Trabalho [19] no início do século XX. A OIT adotou três Convenções em 1919 e 1920 que tinham como finalidade abolir ou regular o trabalho infantil.

    Um ano depois a Liga das Nações Unidas estabeleceu um comitê especial com o objetivo de tratar das questões relativas à proteção da criança e da proibição do tráfico de crianças e mulheres.

    No ano de 1924 a mesma Liga, por meio de sua Assembléia, abraçou a Declaração de Genébra dos Direitos da Criança, entretanto, esse documento não foi capaz de impactar ao pleno reconhecimento internacional dos direitos da criança. Isso em decorrência do próprio panorama histórico que já se desenhava e do previsível insucesso da Liga das Nações, segundo o especialista do tema Sérgio de Souza [20] .

    Adverte Philip Alston [21] que tal Declaração não tinha força alguma para obrigar os Estados signatários da mesma, uma vez que foi tomada como uma declaração de obrigações dos homens e mulheres de todas as nações .

    Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, pela primeira vez, reconheceu-se universalmente que criança deveria ser objeto de cuidados e atenções especiais. Esse reconhecimento ficou previsto em seu artigo XXV, 2 [22] .

    Dessa norma resultou um sistema pelo qual as Nações Unidas passaram a proteger os direitos da criança por meios de tratados internacionais de caráter geral [23] , preparando a comunidade internacional para um instrumento próprio sobre estes direitos, o que viria acontecer em 1959, quando as Nações Unidas aprovaram a Declaração Universal dos Direitos da Criança.

    Essa Declaração tornou-se o primeiro instrumento específico sobre o tema. A Declaração Universal sobre os Direitos da Criança foi considerada um guia para atuações privadas e públicas em favor da criança. Ao conclamar em seu texto que a humanidade deve dar à criança o melhor de seus esforços , a Declaração passou a ser um março moral no campo desses direitos.

    A Declaração afirmava, especialmente, que a criança tinha direito à proteção especial, ao pleno desenvolvimento saudável e harmonioso, a utilizar-se dos benefícios relativos à seguridade social, incluindo nutrição, moradia, recreação e serviços médicos, receber educação e ser protegida contra qualquer forma de violência.

    Esse documento internacional tinha um caráter de jus cogens [24] , força obrigacional, porém no plano prático não conseguiu traduzir-se em medidas efetivas de proteção à criança.

    Considero que mesmo a Declaração não tendo sido um instrumento ativo de consolidação dos direitos e prerrogativas das crianças, ela foi de fundamental importância para propor outra maneira de olhá-las. A comunidade internacional passou a enxergar a criança como sendo detentora de direitos e credora de garantias. Foi o embrião de uma nova doutrina referente aos cuidados com a criança.

    Convenções subsequentes incorporaram em seus textos os diversos direitos enumerados na Declaração como os Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966.

    A necessidade de dar-se força de tratado aos direitos da criança levou por ocasião do Ano Internacional da Criança e das comemorações pelos vinte anos da Declaração Universal dos Direitos da Criança em 1979, o inicio da elaboração de um projeto de convenção pela Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. A iniciativa partiu da delegação da Polônia.

    Assim, criou-se o Grupo de Trabalho de redação do projeto de convenção, que foi composto por representantes de quarenta e três países membros da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e a sua presidência coube a Adam Lopatka [25] , da Polônia, que autorizou a participação de organismos intergovernamentais e organizações não-governamentais.

    Essa amplitude de participação possibilitou o envolvimento das diversas disciplinas científicas e compatibilizou sistemas jurídicos e culturais diversos. Foram dez anos de demoradas negociações entre diversos países envolvidos, organizações não-governamentais e os organismos especializados das Nações Unidas. Somente em 20.11.1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou, por unanimidade, a Convenção sobre os Direitos da Criança.

    Esse processo de discussão permitiu a construção de um texto que encontrou consenso entre os povos do mundo, independentemente das diversas culturas e enfoques de vida. Criou-se um texto normativo cujos parâmetros são flexíveis e adaptáveis às diferentes realidades dos Estados Partes.

    O objetivo era tornar a convenção referência para as políticas legislativas dos países integrantes das Nações Unidas. Não é a toa que defendo ser a Convenção sobre os Direitos da Criança um conjunto de valores e objetivos comuns de validade universal.

    O então Sub-secretário Geral das Nações Unidas para os Direitos Humanos Jan Materson afirmou durante a cerimônia de assinatura da Convenção sobre os Direitos da Criança, ocorrida em 26.01.1990, que esse documento incorporou toda a gama de direitos humanos – civis, políticos, econômicos, sociais e culturais – e proveu-lhes o respeito e a proteção de todos os direitos das crianças, sendo o ponto de partida para o completo desenvolvimento do potencial individual em sua atmosfera de liberdade, dignidade e justiça [26] .

    No plano internacional, a adoção da Convenção pelas Nações Unidas foi considerada um março para fortalecer a justiça, a liberdade e a paz em todo mundo mediante a promoção e a proteção dos direitos humanos de crianças. Trata-se de um poderoso e eficaz instrumento que não só declara, mas também protege os direitos humanos específicos de crianças.

    Professor de direito da criança da UFRR, UERR e Faculdade Atual da Amazônia;

    Desembargador do Tribunal de Justiça de Roraima;

    Doutorando em direito pela Universidad Nacional Lomas de Zamora – LOMAS/Arg; e

    Acadêmico do 4º ano do Curso de bacharelado/licenciatura em História pela UFRR.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/artigo-as-fontes-da-convencao-das-nacoes-unidas-sobre-os-direitos-da-crianca/3117074

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