As mudanças do procedimento penal
Por José Carlos Teixeira Giorgis,
desembargador aposentado do TJRS e professor
Já se avista a data em que entram em vigor as substanciais alterações promovidas no estatuto do processo penal, aplaudidas pela adequação das regras aos princípios da celeridade e da inteira verbalização dos atos; mas também recebidas com algumas críticas pelo açodamento de sua edição, instigada pelo clamor público afetado pela impunidade e delonga forense em alguns episódios de repercussão midiática.
O dogmatismo criminal mostra-se retardatário em relação ao seu parente civil, que apadrinhado pelos juristas peninsulares chegados em tempos de guerra, logrou disparar à frente alguns quarteirões científicos; distâncias que se encurtam com os novos modelos instrumentais previstos. A reforma continua a seguir a estratégia de promover mudanças pontuais bem mais úteis que uma codificação ampla, embora se perca em algumas situações a visão do conjunto, e por isso a coerência sistêmica.
Entroniza-se no altar adequado o termo procedimento em substituição ao vocábulo processo, para marcar as fronteiras que acontecem entre uma mera concatenação de atos formais e o objetivo teleológico que a acepção do último proclama. E sensível à doutrina, alude-se existir duas formas de ritos, os procedimentos comum ou especial, o primeiro de cunho paradigmático; o segundo ditado pelo código ou por normas extravagantes.
E para namorar unidade com o processo civil consolida-se a divisão do procedimento comum, aqui sedimentada em limites de pena e não mais em sua espécie.
Assim, quando a sanção cominada for igual ou superior a quatro anos de privação de liberdade adota-se o procedimento ordinário, antes previsto para as infrações punidas com reclusão; se a pena for inferior a quatro anos de privação de liberdade, persegue-se o procedimento sumário, reservado até aqui para os ilícitos castigados com detenção.
Finalmente, prevendo-se passo futuro, já se introjetam noções do procedimento sumaríssimo, ainda capitulado em legislação singular, destinado às infrações de menor potencial ofensivo; quando suas normas fixarem domicílio no código se completará a trindade que a pedagogia já apregoa.
Recorde-se que o procedimento ordinário em uso compõe-se da denúncia ou queixa, citação, interrogatório, defesa prévia, inquirição das testemunhas, diligências, debates escritos e sentença. E que o sumário vigente consta da denúncia ou queixa, citação, interrogatório, defesa prévia, inquirição das testemunhas de acusação, despacho saneador, e audiência de instrução e julgamento, com oitiva das testemunhas de defesa, debates orais e sentença.
Sinalizando as modificações, os procedimentos obedecem as seguintes fases: recebimento da denúncia ou queixa; citação do acusado para oferecer uma defesa escrita em dez dias, peça que será subscrita por defensor dativo quando o agente se omitir; absolvição sumária do acusado; ou designação da audiência, com intimação das partes (acusado, defensor, Ministério Público, querelante, assistente); audiência de instrução e julgamento (declarações do ofendido; inquirição das testemunhas de acusação e defesa; oitiva de peritos, acareações e reconhecimento de pessoas ou coisas; interrogatório; pedido de diligências pelas partes; se deferidas, e quando imprescindíveis, a audiência é concluída, sem alegações; e se não forem solicitadas ou quando denegadas, colhem-se logo os debates orais e o magistrado dita a sentença).
Pelo afago à rapidez e à oralidade, os depoimentos serão registrados em fita magnética, estenotipia, digitação ou similar e técnica audiovisual, meios que favorecem a fidelidade da prova, de que as partes obterão transcrições ou cópia (audiovisual).
Havendo diligências, e cumpridas, as partes apresentam razões escritas (memoriais), sucessivamente, em cinco dias, sendo a sentença proferida em dez dias; os memoriais também substituem os debates orais quando o juiz entender a causa complexa; e a decisão ainda será subseqüente.
Ambos os procedimentos se assemelham nas etapas, o que é muito saudável, apenas diferindo no prazo em que a audiência final deva ser designada depois do recebimento da denúncia ou queixa (60 dias, no procedimento ordinário; e 30 dias, no sumário); e na quantidade de testemunhas que possam ser arroladas, oito ou cinco, consoante os ritos.
A relevância se debruça na criação de uma defesa preliminar que pode levar ao encerramento do processo em caso de absolvição; e num interrogatório póstumo, situado como fecho da instrução, inovação reclamada sob a justificativa de que a declaração do imputado só devia acontecer depois de produzida a prova por inteiro.
(*) E.mail: jgiorgis@terra.com.br
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