As palavras e as coisas na terra dos fugitivos
Repeti na coluna Colocam até fantasia de mulher para matar a filosofia o bordão que inventei há tempos: Se o direito fosse fácil, seria periguete. Recebi algumas reclamações de parte do público jurídico-feminino, no sentido de eu ter comparado o "direito facilitado ou simplificado ou coisa-que-valha" a uma "mulher fácil", o que teria sido altamente ofensivo para as mulheres, uma vez que eu teria imposto (sic) um julgamento sobre a sexualidade que não cabia na reflexão, o que faria com que artifício argumentativo da crítica perdesse sua validade integralmente.
Um dos e-mails foi taxativo: Hermeneuticamente, usar desse tipo de recurso não é muito melhor que usar o shortinho da Anitta pra ensinar Filosofia do Direito para OAB. Em outro e-mail, disse-se que (as mulheres) espera (va) m que a reflexão caiba em seus próximos textos e que as periguetes sejam abolidas de qualquer comparação com a falência do Ensino Jurídico.
Fiquei encafifado com isso. Por que eu teria sido ofensivo com as mulheres por usar o termo periguete? Peço desculpas, portanto, de forma antecipada, se magoei alguém. Eu disse: se o direito fosse fácil, seria periguete. Mas, pergunto: não existem mulheres fáceis, assim como homens fáceis? Políticos fáceis? A propósito, vejam o que diz a Revista Veja (09 de março de 2014), sob o título O Periguetismo: Em sua 14ª Edição, o BBB consegue o que parecia impossível e explora ainda mais os atributos físicos de seus saradíssimos participantes. Mas não é só na aparência que brothers e sisters coincidem. Há traços de comportamento comuns. Com variações que são apenas de grau, as mulheres encarnam um personagem conhecido: a periguete. O curioso é que até nos homens é possível identificar traços de periguetismo. Então? Afora as palavras curioso e até, o resto está perfeito na matéria. Não é curioso. É normal.
Mas, vamos esclarecer: não defendo qualquer direito fundamental a fazer blagues e piadas sobre deficiências ou diferenças ou características (ou até expertises, por que não) de pessoas.
Palavras e coisas: a angústia de tantos séculos
Isso me leva a refletir sobre as palavras e as coisas. Lendo as queixas fico pensando que há uma certa falácia realista (no sentido filosófico da palavra) no ar. É como se as palavras tivessem uma essência e carregassem o seu próprio sentido, algo imanente, naturalista (isomórfico). Isso é ainda muito comum no direito, quando se percebe as apostas em uma espécie de semântica discursiva. O projeto do novo CPC denota elevado grau de saudade do tempo do formalismo linguístico (sintático-semântico) ou da velha jurisprudência dos conceitos. Como se realidade complexa do processo pudesse ser enfiada em conceitos jurídicos (por exemplo, precedentes) e depois desfiada pelo aplicador (em vez de ser desafiada!).
No fundo, muitos ainda acreditam ser possível aprisionar as coisas dentro dos conceitos. Logo, se mudarmos os conceitos...mudamos as coisas. Bingo! Reificação e fetichização. É como se bastasse que deixássemos de utilizar o termo periguete ou qualquer semelhante para acabarmos com o periguetismo, isto é, aquilo que o termo denota no imaginário social. Enfim, é o mesmo que dizer que a palavra periguete carrega uma inerente carga de perigueticidade, que sozinha (a palavra ou conceito, enfim...) afrontaria a condição feminina. Por exemplo, um procurador da República ingressou com ação para retirar de circulação o Dicionário Houaiss, por causa do verbete cigano. O dicionário teria tecido comentários politicamente incorretos. Acho que ele acredita que a palavra cigano tem uma essência de ciganidade (como a ranidade da rã em Aristóteles). Expungindo o verbete, reso...
Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.