As relações entre a doutrina e a jurisprudência
A decadência da produção da literatura jurídica generalizou-se. Deu-se uma explosão de comentários, anotações e paráfrases a leis e decisões pretorianas. Parece que a grafomania havia chegado para ficar, sem pedir licença à crítica literária ou sem se preocupar com a própria autocontenção dos escritores, em geral ciosos da qualidade de seus textos. Sobre tudo se escrevia e, mais que isso, abusava-se da deturpação de obras mais antigas, com citações capciosas, apresentadas a juízes incultos, falsamente atribuídas a renovados jurisprudentes do passado. [1] Os problemas chegaram a tal ponto que se elevaram as vozes contra a deficiente formação dos juristas e a má qualidade da doutrina. De maneira inédita, os governantes resolveram intervir nesse campo e acabar com esses abusos.
O relato contido no primeiro parágrafo não é uma descrição banal e até desnecessária da dogmática contemporânea. O leitor pode tranquilizar-se. A descrição refere-se ao século V d. C, mais precisamente o ano de 426, em pleno Império Romano, na fase do Dominato, ao tempo dos imperadores Teodósio II e Valentiniano III, autores da famosa Lei das Citações. O cenário era tão desolador que se tornou imprescindível uma intervenção estatal. Por essa famosa lei, reconheceu-se a autoridade dos jurisconsultos Gaio, Papiniano, Paulo, Ulpiano e Modestino como os únicos cujos fragmentos e escritos poderia ser citados em juízo, como fundamento de petições e sentenças. [2]
À semelhança dos repositórios autorizados de jurisprudência, ainda hoje objeto de resoluções dos tribunais, que definem quais periódicos jurídicos podem ser citados para comprovar a fiel transcrição de acórdãos e sentenças em recursos, a norma romana ressalvava os autores por eles referidos, desde que se trouxesse a fonte original comprobatória da citação. Gaio, Papiniano, Paulo, Ulpiano e Modestino passaram a integrar o Tribunal dos Mortos, pois se realizava o cotejo de suas opiniões e, no caso de divergência entre elas, prevalecia a tese seguida pela maioria. Se houvesse empate, a opinio de Papiniano preponderaria. [3]
As relações entre doutrina e jurisprudência, ao que se pode observar dos exemplos históricos, sempre se mostraram problemáticas, especialmente em épocas de crise mais acentuada na formação dos juristas e na diminuição da autocrítica dos escritores.
Mas, como as citações doutrinárias são recebidas e trabalhadas na jurisprudência nos dias atuais? Alexandra Braun produziu curiosos, profundos e, nalguns momentos, irônicos estudos sobre essa relação entre o Direito dos professores e o Direito dos juízes. [4] Atribuindo-lhe todo o crédito pelas informações a seguir resenhadas, convém expor algumas ex...
Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico
0 Comentários
Faça um comentário construtivo para esse documento.