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17 de Junho de 2024
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    Atenção básica na berlinda - Jornal do Commercio (Política)

    Nesta reportagem da série "Pernambuco em Pauta" abordaremos o setor da Saúde, que em Pernambuco possui demandas complexas e vem enfrentando o estrangulamento das emergências e epidemias como a dengue, o crack e os acidentes de trânsito. Esta, certamente, será uma das áreas estratégicas mais importantes, e que o futuro governador de Pernambuco terá mais trabalho em gerenciar.

    Mariana Mesquita

    A saúde pública vem obtendo avanços em todo o Brasil, após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1998. Números como a mortalidade infantil caíram de forma drástica, de 70 para 15 óbitos a cada mil crianças nascidas. Pernambuco acompanha essa tendência, mas precisa melhorar em alguns aspectos. Um deles, controverso: a questão da "porta de entrada" para o serviço, que envolve os fluxos do sistema, de forma mais ampla. Todos os especialistas que ouvidos pelo JC apontam que, embora as duas gestões de Eduardo Campos tenham conseguido ampliar a rede de pronto atendimento, a forma como isso vem acontecendo criou problemas para o setor da atenção básica à saúde, que deveria ser a forma prioritária de "acesso" ao SUS. Eles criticam o modelo e a forma de execução escolhidos pela atual Secretaria Estadual de Saúde.

    De acordo com a divisão feita entre os três níveis de governo, caberia ao poder municipal a implantação e gerência dos serviços de atenção primária, também chamados de baixa complexidade. A ação mais famosa nesse sentido são as chamadas equipes de saúde da família, responsáveis por oferecer acompanhamento contínuo dentro de determinada zona de abrangência. Estas equipes realizariam triagens e encaminhariam casos mais complicados para os serviços especializados, dando posterior auxílio no acompanhamento dos pacientes.

    Dentro da realidade de mercado, o que vem acontecendo é a disputa entre prefeituras, que realizam verdadeiros "leilões" apregoando vantagens: há uma demanda por profissionais de saúde que não vem sendo suprida, notadamente por médicos de determinadas especialidades, o que acaba gerando aquilo que o pesquisador Antônio Mendes, da Fundação Oswaldo Cruz, chama de "concorrência predatória" entre municípios. Isso está diretamente ligado à questão da dificuldade em interiorizar os fluxos e serviços de saúde, obrigando muitas pessoas a se deslocar para o Recife em busca de atendimento médico, especialmente os mais complexos.

    Talvez buscando oferecer um acesso mais rápido da população aos serviços de saúde, o governo estadual vem implantando diversas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), as quais funcionam como serviços de emergência de baixa e média complexidade, onde a população pode engessar um braço ou conter uma crise hipertensiva, "resolvendo" seu problema sem recorrer aos postos de saúde nem às emergências hospitalares. No meio do caminho entre estas duas alternativas, a UPA teria a missão de diminuir as filas nos hospitais. O que especialistas como Mendes discutem é se caberia à esfera estadual criar esse tipo de unidade, inicialmente vista como de responsabilidade dos governos municipais. Eles apontam que a atenção básica não está recebendo o devido incentivo, e que as duas iniciativas estariam se "chocando". Atualmente, são 15 UPAs estaduais, realizando juntas cerca de 5.100 atendimentos diários e contando, em média, com 230 profissionais por unidade. Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde informou ao JC que a implantação das UPAs "faz parte do esforço do governo do Estado para a ampliação do acesso aos serviços de urgência e emergência" e que o papel das unidades "não é de substituir nenhum serviço".

    "É evidente que a população gosta de entrar num prédio novo, bonito, e receber atendimento à sua queixa. O problema é que esse atendimento é limitado. Não se dá atenção ao antes, nem ao depois", critica Antônio Mendes. À ação de entrar na UPA, ser medicado e não aprofundar o atendimento, o especialista em Política e Planejamento da Saúde Itamar Lages, presidente da Seção Sindical dos Docentes da Universidade de Pernambuco (Adupe), chama de "lógica dos planos privados de saúde". "É um esquema de atendimento ineficiente. Alguém que sofre de diabetes e tem uma crise, por exemplo, precisa ter garantida a continuidade de atendimento. Mas o que acontece é que a pessoa volta para casa, com a sensação de que algo foi feito, mas, na verdade, o problema continua. Sequer recebe o remédio necessário para se tratar em casa" , detalha Lages. "A próxima gestão governamental, em vez de fazer um modelo centrado nos efeitos, ou seja, na doença, deveria se dedicar às causas, tendo como foco a promoção da saúde", pontua.

    Segundo Mendes, que orienta algumas pesquisas no setor, isso já vem gerando reclamações generalizadas dos profissionais da área de saúde e mesmo entre os pacientes, que não vêm conseguindo resolver efetivamente suas queixas. Outro aspecto ligado às UPAs é a questão do limite no acesso às emergências dos grandes hospitais metropolitanos. Nos últimos anos, passou a ser obrigatório o atendimento prévio numa UPA. Para Antônio Mendes, a atitude de "fechar as portas" do acesso a hospitais de alta complexidade, como o da Restauração, é errada e pode causar sérios danos aos pacientes, mesmo que com isso se esteja diminuindo a superlotação nas emergências hospitalares.

    (conteúdo vinculado)

    Situação delicada nas maternidades

    O Comitê Estadual de Mortalidade Materna, com representantes de diversas organizações não-governamentais ligadas à saúde da mulher, realizou, em maio, vistorias em sete maternidades que atendem ao SUS na região metropolitana e Zona da Mata (cinco no Recife, uma em Olinda e uma em Vitória de Santo Antão).

    Diante da situação preocupante encontrada, foram feitas denúncias à imprensa. A ação aconteceu após a entidade enviar, em dezembro de 2013, uma carta pedindo providências no setor, encaminhada à Secretaria Estadual de Saúde, ao ex-governador Eduardo Campos e ao Ministério Público Estadual. "Até agora, não houve resposta", conta a a enfermeira obstétrica Paula Viana, secretária executiva da ONG Grupo Curumim.

    Para ela, a organização da rede é uma questão crônica que vem sendo piorada com a crescente terceirização dos serviços de saúde. "Aumentar o número de hospitais particulares conveniados não é a solução. Paralelamente a essas parcerias público-privadas, houve uma desaceleração dos investimento no próprio SUS" , critica. "A média anual de mortes maternas em Pernambuco é de cem óbitos. A maioria dessas mulheres tem entre 20 e 29 anos e é negra. Elas morrem por culpa de deficiências do sistema, e isso é muito cruel. O absurdo é que existem recursos volumosos para a saúde materna através de dois programas, o federal Rede Cegonha e o estadual Mãe Coruja. Só que os recursos são utilizados dentro de uma visão utilitária, que não funciona porque falta atenção primária de qualidade. Casos que eram simples se agravam pela falta de atendimento adequado durante o pré-natal", detalha.

    "A Secretaria Estadual de Saúde reconhece a necessidade de ampliação da assistência ao parto no Estado e a alta demanda enfrentada pelas maternidades da rede estadual. Essa necessidade é nacional e motivada, principalmente, pela carência de obstetras e neonatologistas no mercado. Não há formação de mão de obra nessas especialidades compatível com a necessidade do SUS, que realiza 80% dos mais de 150 mil partos anuais ocorridos em Pernambuco. Além disso, a situação foi agravada, nos últimos anos, com o fechamento de serviços municipais de referência", informou a assessoria de imprensa do órgão ao JC, por meio de nota.

    Dois "Hospitais da Mulher" estão sendo construídos, um no Recife, pela prefeitura, e outro em Caruaru, pelo governo estadual. Mas a novidade não empolga as ativistas.

    "Quem vai trabalhar lá? São pessoas que estão sendo formadas dentro de uma visão de humanização da assistência? Vai haver enfermeiras obstetras para atender as pacientes? Ou o hospital vai seguir esse mesmo modelo baseado numa lógica intervencionista, de violência obstétrica? Não falta maternidade, falta organização do sistema", afirma Paula Viana.

    O drama da falta de profissionais afeta o setor

    Outro ponto crítico dentro do atual sistema de saúde é a questão da escassez de oferta de profissionais, com destaque para algumas especialidades médicas. "É um problema que fica sem solução porque o diálogo sobre o direito à saúde está muito fraco entre governo e algumas categorias profissionais. Eles têm o monopólio do setor e, como em nossa sociedade o trabalho humano também está inserido dentro de uma lógica de mercado, essas categorias acabam atentando contra o Estado, contra os pacientes, contra a sociedade. A pergunta é por quanto tempo o mercado vai suportar esse tipo de modelo", avalia o presidente da Seção Sindical dos Docentes da Universidade de Pernambuco (Adupe), Itamar Lages. Desde 2007, a Secretaria Estadual de Saúde realizou três concursos para reforçar a rede, dois deles especificamente voltados para suprir vagas de médicos (em 2009 e em 2013) e um que abriu vagas em todas as áreas do Hemope.

    A falta de médicos é um dos fatores a dificultar a realização de cirurgias. Por conta das longas esperas, no último mês de abril o governo estadual recebeu determinação judicial para apresentar, no prazo de dois meses, uma lista completa e detalhada de todos os usuários do SUS que aguardam cirurgias programadas nas unidades hospitalares da rede própria e conveniada. Também deveria divulgar um cronograma de realização dos procedimentos pendentes. Porém, a ordem não foi cumprida e, no fim de julho, a Promotoria de Defesa da Saúde do Ministério Público Estadual cobrou novamente solução para o problema, divulgando também uma petição que contabilizava 5.694 pacientes aguardando cirurgia em cinco hospitais públicos pernambucanos.

    Se faltam médicos, por outro lado existem técnicos cujo trabalho é extremamente importante dentro da lógica de rede do setor da Saúde e que são pouco valorizados e mal remunerados. "Profissionais como agentes comunitários de saúde e de controle de endemias, bem como os auxiliares de enfermagem, são exemplos de uma grande massa que não é reconhecida pelo poder público", lamenta Lages. Devido às terceirizações e contratos com organizações sociais, os vínculos empregatícios estão cada vez mais precários, gerando instabilidade e insatisfação entre os trabalhadores. Embora sejam firmadas legalmente e prestem contas de forma regular, as parcerias público-privadas também são criticadas porque acabam provocando uma desaceleração dos investimentos no próprio SUS. "É preciso ampliar a política de valorização do trabalhador da saúde", finaliza Lages.

    Segundo ele, "a Universidade de Pernambuco está criando caminhos interessantes, que podem ajudar o governo estadual a cumprir melhor seu papel no setor da saúde". "Estamos ousando formar profissionais, como os médicos e odontólogos dos campus de Recife, Camaragibe, Garanhuns, Arcoverde e Serra Talhada, numa perspectiva mais ampla da promoção da saúde. Eles são capacitados para, ao mesmo tempo em que atendem a procedimentos individualizados de alta complexidade, poder ajudar a população a se ?desmedicalizar?."

    Tradicionalmente vistos como "patinhos feios" do sistema, pelo fato de estarem inseridos dentro de uma lógica administrativa que é ligada à Secretaria de Ciência e Tecnologia e não à Secretaria de Saúde, os hospitais da Universidade de Pernambuco (como o Oswaldo Cruz, Procape e Cisam) podem ser um meio de auxiliar no processo de interiorização dos fluxos da rede e no suporte à promoção da saúde, priorizando o aspecto educativo e os interesses da população.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/atencao-basica-na-berlinda-jornal-do-commercio-politica/133632511

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