Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
6 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Audiência pública debate o futuro da Baía de Guanabara

    Em evento com mais de 150 pessoas, MPF recomenda que órgãos públicos disponibilizem informações sobre investimentos nos sistemas de tratamento de esgoto nos municípios do entorno da baía

    há 8 anos
    "O pescador perdeu sua identidade, mesmo sendo uma das profissões mais antigas do mundo. Fico triste quando largo minha rede e vou colhê-la e só vejo lixo. Pescado que é bom se conta nos dedos. Há anos o pescador vem sofrendo na Baía, passando até fome. Sou bisneto de pescador e fico pensando o que será de meu filho se ele precisar da pesca pra viver."
    Ricardo Barbosa, pescador da Ilha
    O lamento embargado do pescador Ricardo Barbosa é uma das diversas narrativas que foram ouvidas ao longo de cinco horas de audiência pública, realizada no último dia 26, pelo Ministério Público Federal, no âmbito do inquérito civil nº 3051/2015-83, que apura os motivos do insucesso das políticas para despoluir a Baía de Guanabara.
    Confira a galeria de imagens da audiência pública.
    Com a presença de mais de 150 pessoas no auditório da Procuradoria da República no Rio, o evento foi presidido pelo procurador da República Jaime Mitropoulos, com a participação dos procuradores do Núcleo de Combate à Corrupção Leandro Mitidieri, Tatiana Pollo e Gabriela Figueiredo, que destacaram que aproveitariam o evento para coletar informações e apurar possíveis desvios de recursos.
    Histórico da despoluição Baía da Guanabara: “Desde 1992, quando os primeiros financiamentos começaram a aportar, não faltaram recursos para despoluir esse importante ecossistema. Nem tempo. A recente crise econômica e a penúria em que o Estado do Rio de Janeiro foi mergulhado recentemente não justificam níveis tão baixos na execução de obras e ações de despoluição, principalmente a irrisória implantação de redes de coleta e tratamento de esgoto de alguns municípios, apesar dos nada desprezíveis recursos financeiros canalizados com esse propósito. É indispensável levar em conta todos os danos cumulativos e sinérgicos que impactam negativamente o ecossistema”, destacou o procurador Jaime Mitropoulos.
    Antes de detalhar os discursos e o andamento da audiência pública, é necessário um breve resgate histórico das políticas de despoluição da Baía da Guanabara, que comporta em seu entorno 17 municípios e mais de 10 milhões de habitantes.
    Em 1992, foi lançado o primeiro programa de despoluição da Baía de Guanabara (PDGB), financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que contou com investimentos de mais de U$ 1 bilhão.
    Em 2009, com a candidatura para os jogos olímpicos de 2016, o governo estadual assumiu o compromisso de tratar 80% do esgoto da região metropolitana. Veio então um novo Programa de Saneamento (PSAM). Em vinte de março de 2012, foi assinando um contrato entre o BID e o Estado do Rio de Janeiro, para o empréstimo de US$ 451,98 milhões, a serem empregados em 5 anos, com prazo de pagamento de 25 anos. A contrapartida do Estado do Rio de Janeiro seria de US$ 188 milhões por parte do Estado.
    Entretanto, os dados obtidos dão conta de que o sistema de esgotamento sanitário dos municípios do entorno da baía está muito longe de atingir a meta de universalização, conforme determina a Lei de Política Nacional de Saneamento Básico. Com isso, uma imensa quantidade de dejetos ainda é lançada diretamente na baía e em dezenas de rios que nela desembocam. Estima-se, além disso, que diariamente são despejadas cerca de 90 toneladas de lixo na baía.
    Em razão da falta de transparência na trajetória de despoluição da baía, é preciso saber se existem falhas de planejamento, na coordenação e execução do programa de despoluição e também se os recursos foram corretamente empregados na preservação e na recuperação das áreas degradadas. Durante a audiência, o procurador questionou a respeito do emprego de recursos federais e o andamento de obras, tais como as de Paquetá, Pavuna e Sarapuí. Também no curso dos trabalhos, o MPF recomendou à Secretaria de Estado do Ambiente e à coordenação do PSAM (Programa de Saneamento Ambiental dos Municípios do Entorno da Baía de Guanabara) que disponibilizem informações detalhadas sobre os recursos recebidos e empregados na despoluição da baía, sobretudo no que concerne os investimentos feitos nos sistemas de tratamento de esgoto.

    “Independentemente de qualquer megaevento que esteja ocorrendo na cidade do Rio de Janeiro, a sobrevivência da baía exige mais do que promessas e euforias de campanha. Exige empenho e compromisso institucional, seriedade e competência na gestão de recursos. Exige, enfim, boa governança, educação ambiental e financeira. Só assim será possível pensar numa Baía de Guanabara limpa e recuperada para as presentes e futuras gerações”, conclui o procurador.

    Confira como foi a audiência pública em ordem de participação
    A primeira participação foi do secretário Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades, Alceu Junior, que informou ter sido da ordem de R$ 3,18 bilhões como total em cifras liberadas pelo Governo Federal ao Estado do Rio de Janeiro para saneamento básico desde 2007. Desse valor, R$ 1,1 bilhão são contratos para despoluição da Baía de Guanabara. Na sua participação, ele deixou claro que o Ministério das Cidades é um órgão de fomento e não de execução e que a Caixa Econômica Federal foi contratada para gerenciar e fiscalizar os contratos de repasses dessas verbas. Em seguida, o coordenador da Caixa para operações de repasses com o Governo/RJ, José Plínio de Oliveira Neto, explicou que o dinheiro é bloqueado na conta e é só liberado quando há aferição da execução da obra, por meio dos boletins de medição. Também da Caixa, Maria de Fátima explicou a situação das obras questionadas pelo procurador Jaime Mitropoulos, bem como o status de execução. Em Paquetá, o status é 85% do contrato executado e R$ 21 mi dos R$ 25 milhões previstos já foram liberados. Pavuna estaria com 47% executada de um contrato de R$ 35 milhões. Sarapuí estaria com 46% concluído, liberado R$ 12 mi de R$ 30 mi. A participação da Caixa foi seguida pelas informações prestadas pelo deputado estadual Flávio Serafini (PSOL), que alertou para o fato de que, além da questão do esgotamento, os poluidores da Baía também são as indústrias e a exploração de petróleo. “Há mais de 100 navios estacionados e as áreas de fundeio não exigem a obrigação de preparar um estudo de impacto ambiental. Temos que destacar que 44% do espelho d'água da baía está comprometido com a indústria petrolífera”.O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Adacto Antoni, seguiu apresentando um estudo aprofundado de possíveis causas para a poluição, bem como as soluções existentes para despoluir a baía. “A principal fonte poluidora da Baía da Guanabara vêm dos rios, bem como a influência dos esgotos e do lixo. São necessárias políticas separadas para atacar as diversas fontes poluidoras, com uma solução de sustentabilidade ambiental, que envolva a sociedade afetada”, apontou.Secretário do Ambiente do Rio de Janeiro, André Côrrea disse que a questão da baía, além do tratamento de esgoto, também sofre com deficit de credibilidade. Ele também destacou números pouco animadores quanto à despoluição do ecossistema. “Só vai se ter Baía de Guanabara limpa com o custo em torno de R$ 20 bilhões”, previu.
    André Côrrea destacou ainda que foi um equívoco “vender” a ideia de que se teria 80% da baía despoluída para os Jogos Olímpicos. Além da falta de transparência, a falta de planejamento também foi apontado como um dos problemas para o êxito do empreendimento. “Se a gente quer resolver a questão da baía, temos que falar a mesma linguagem da sociedade. Na década 1990, quando se foi fazer a execução do projeto, fragmentou o sistema de planejamento, com um contrato para as estações e outros para os troncos e a rede. O maior exemplo desse equívoco foi a Estação de São Gonçalo, que ficou pronta, mas não chegava esgoto. Nesse momento, com o PSAM, o trabalho está sendo integrado, para evitar os erros do passado. Atualmente, do empréstimo realizado de U$ 640 milhões, foram executados 12%, comprometido 38%, além de três processos de licitação em andamento, já com o projeto executivo pronto”, detalhou.
    Para ele, o maior desafio é a governança da Baía da Guanabara, já que diversas instituições e municípios influenciam nas decisões da região. Nesse aspecto, o procurador Jaime Mitropoulos o questionou sobre a participação do Comitê de Bacia, que asseguraria, em tese, a governança e a participação da sociedade civil na questão. Na ocasião, pela falta de transparência e de informações acessíveis em sites do governo, foram expedidas recomendações verbais para que, em até 30 dias, sejam disponibilizadas na Internet todos os contratos, com verbas alocadas, origem dos recursos, verbas liberadas e cronograma de obras, em formato de tabela didática e de simples compreensão para acesso público.
    Também foi questionado a respeito do convênio que teria sido celebrado entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro e uma Universidade americana para compartilhamento de tecnologia. O secretário explicou que o recurso para o contrato é do BID e que se trata de cooperação técnica para superar os dois equívocos que já prejudicaram os projetos de despoluição da Baía da Guanabara: transparência e comunicação (por meio de uma plataforma digital e experiência de mobilidade social).
    A fala do secretário foi seguida pela do trabalhador da Cedae, Ari Girota (ETE Catarina, São Gonçalo), que trouxe um pouco da sua realidade de trabalho e da luta dos trabalhadores da Cedae para oferecer “o melhor serviço à população”.
    O ecologista Sérgio Ricardo, do Movimento Baía Viva, alertou para a grande quantidade de chorume lançado nas águas da baía todos os dias, bem como o assoreamento que vem ocorrendo no ecossistema. “Queremos auditoria técnica e financeira do programa de despoluição da baía, pois se gastou mais de R$ 2,5 bilhões e apenas 50% das ligações domiciliares foram realizadas. Estou cansado de falsas soluções”.
    Procuradora da República em São João de Meriti, Luciana Gadelha, discursou sobre a realidade de sua cidade: é preciso que as vistorias para atestarem a realização das obras também averíguem a qualidade das obras. Ela ainda relatou que já constatou diversas edificações com péssima qualidade.“A Caixa precisa atestar, além da medição, a qualidade das obras”, pontuou.
    O ambientalista Rogério Rocco disse sobre a importância de se criar a autoridade metropolitana para a governança da Baía da Guanabara e criticou o papel coadjuvante do Comitê de Bacia na gestão das políticas para o ecossistema.
    Da Procuradoria Regional da República da 3ª Região em São Paulo, a procuradora Sandra Kishi alertou que o Brasil é signatário da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre lei de anticorrupção. Como gerente da Qualidade da Água no âmbito do MPF, alertou para o rigor dessa cooperação internacional na questão de gestão e governança da Baía da Guanabara.
    Membro do Comitê da Baía, formalizado em 2005, Isidro Paes Lemes, criticou o desconhecimento do Poder Público pela figura do comitê e disse que a instituição é “DE” e não “DO” Estado. “Estamos participando das discussões porque corremos atrás, não estamos sendo convidados para os debates”, reclamou.
    Representando o Ministério do Meio Ambiente, o diretor de Recursos Hídricos, Sérgio Antônio, disse que o Governo Federal está acompanhando a questão da Baía da Guanabara e destacou a existência de um Plano Estadual de Resíduos Sólidos no Rio de Janeiro, que aponta como solução a criação de 14 consórcios para gerenciar em todo o Estado a questão do lixo.
    Seguindo os discursos, a representante da Cedae Lívia Bittencourt enfatizou que o esgoto é apenas uma das causas para a poluição da Baia de Guanabara e que o fato mais relevante, nos últimos tempos em relação as políticas de despoluição, é a ETE Alegria. Na ocasião, ela destacou ainda que a Cedae fiscaliza, atesta e opera, porém as obras ficam a cargo da Secretaria de Obras. Como feito anteriormente, a Cedae e a Secretaria de Obras também foram alvos de recomendações do MPF para prestar, na Internet, informações atualizadas do andamento dos projetos, com tabelas e valores.
    A Marinha também participou do debate com a fala do comandante Alexandre Cursino de Oliveira, que informou que a instituição controla a poluição hídrica provocada pelas embarcações e que as áreas de fundeio são de responsabilidade da Companhia das Docas.
    Da Força Sindical do Rio de Janeiro, Marcelo Peres se posicionou contra possível privatização da empresa de saneamento Cedae, bem como cobrou a prestação de informações por parte da Secretaria de Obras, que não mandou representantes para a audiência pública.
    Representando a Associação de Pescadores de Caxias, Gilciney Gomes, catador de caranguejos, denunciou ligações de esgoto clandestinas em sua cidade. “Estão lançando esgoto e chorume no Rio Sarapuí e não fazem nada. Estamos ficando doentes”, reclamou.
    A microbiologista Rosemary Vega usou a tribuna para divulgar a existência, de acordo com ela, de superbactérias de hospitais nas águas da Baía de Guanabara.
    Ricardo barbosa da silva, da colônia de pescadores z10, da ilha do governador, mencionou que as margens da baía foram loteadas pelas indústrias. Que há muito desassoreamento. Que o pescador é um profissional em extinção na baía, em razão da gradativa extinção da pesca no local.
    O engenheiro Flávio Guedes, do Sindicato Saneamento da Cedae, destacou que não adianta levar sistema de esgoto sem urbanização. “É preciso um trabalho conjunto com os municípios”.
    Segundo o pescador de Niterói, Paulo Sérgio Teixeira, “a Baía Morreu! Não é possível parar de poluir para discutirmos o que fazer depois? É preciso parar! A única coisa que ganhamos com os jogos foi a proibição de pescar”.
    Oceanógrafo Paulo Garreta Harkot, da Sinergética, trouxe, em sua visão, uma solução para as questões dos pescadores. “Por que não aproveitamos a expertise das comunidades tradicionais para entender o meio, usando o trabalho deles para monitorar o ambiente?”. Além disso, falou sobre os parâmetros da resolução 357 do CONAMA, que não abrangem todas as substâncias poluentes.
    Por fim, o coordenador do PSAM, Márcio de Mello Rocha, destacou que o projeto agora só é executado já em áreas urbanizadas e que as licitações estão ocorrendo de maneira integrada para garantir que as redes coletoras se liguem as estações de coleta de esgoto. Antes de encerrar a audiência, o procurador da república Jaime Mitropoulos reforçou as recomendações aos órgãos públicos, no sentido de que assegurem a publicidade e transparência na gestão dos recursos destinados à despoluição da Baía de Guanabara, notadamente aqueles destacados para as obras de ampliação dos sistemas de tratamento de esgoto.

    Assessoria de Comunicação SocialProcuradoria da República no Rio de JaneiroTels: (21) 3971-9460/9488www.prrj.mpf.mp.brtwitter.com/MPF_PRRJ

    • Publicações37267
    • Seguidores707
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações388
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/audiencia-publica-debate-o-futuro-da-baia-de-guanabara/378685699

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)