Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
23 de Maio de 2024
    Adicione tópicos

    Autoridades públicas têm o dever de realizar controle de convencionalidade

    Publicado por Justificando
    há 8 anos

    “(...) a grande batalha pelos direitos humanos se ganhará no âmbito interno, do que é coadjuvante ou complemento, não substituto, o (âmbito) internacional”

    - Sergio García Ramírez[1]

    Já há mais de uma década a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e os tribunais superiores da América Latina vêm desenvolvendo uma atividade que merece ser tocada nesse espaço: o controle de convencionalidade. Para o Brasil, que se submete à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos[2], significa dizer que todas as autoridades devem realizá-lo. Por decorrência normativa, ou seja, para cumprir o decidido por um tribunal internacional ao qual o Brasil se submete!

    Trata-se de técnica de aplicação do direito tanto pela Corte IDH quanto por juízes e outras autoridades públicas a quem cabe aplicar o direito internacional dos direitos humanos no plano nacional dos estados partes do Sistema Interamericano de Proteção de Direitos Humanos.

    Significa dizer que a jurisprudência internacional – especialmente aquela da Corte IDH – e o texto dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil devem ser obrigatoriamente utilizados como material pelas autoridades que aplicam o direito.

    Ocorre que o relacionamento entre direito internacional dos direitos humanos e direito interno exige que esse processo se concretize não somente a partir de critérios normativos, mas também por critérios hermenêuticos.

    Além dos princípios pacta sunt servanda[3] e do efeito útil, é no plano material que esse exercício ocorre e se dá, principalmente, a partir do princípio pro persona (ou pro homine) que mobiliza o processo decisório[4]. O princípio pro persona impõe-se pois na interseção entre ordens jurídicas é a norma mais protetiva ao indivíduo, se a nacional ou a internacional, devendo prevalecer aquela que for mais expansiva, independentemente do status hierárquico interno que adquirem tratados internacionais de direitos humanos[5].

    Trata-se de norma jurídica que decorre do artigo 29 da Convenção Americana de Direitos Humanos, no que diz respeito tanto ao conflito de interpretações que pode decorrer dos tratados e instrumentos internacionais[6], sejam do sistema regional ou do sistema global de proteção de direitos humanos, sejam dos tratados ou instrumentos e dos direitos fundamentais previstos nacionalmente, nos estados partes do sistema interamericano de proteção de direitos humanos[7].

    Para as autoridades públicas nacionais (juízes, promotores, delegados, etc.), tal qual ocorre em outros países da região, faz-se necessária uma análise aprofundada de conteúdo do que decidiram os órgãos judiciais ou quase judiciais no plano internacional, para a composição do que denominamos bloco de convencionalidade. Dessa forma, o controle de convencionalidade é o instrumento para a implementação do princípio pro persona, leia-se, do controle de convencionalidade.

    Em muitos casos a prevalência de algumas normas sobre outras depende de um exame acurado da normatividade nacional e internacional. Isso ocorre porque caso a proteção a um direito seja mais efetiva em âmbito nacional, esta deve prevalecer, ainda que existam precedentes internacionais ou normas jurídicas derivadas de tratados ou outros instrumentos internacionais. Isso é importante para entender um dos objetivos da realização do controle de convencionalidade: estabelecer uma ponte dialogante entre o direito doméstico e o direito internacional dos direitos humanos.

    Por outro lado, caso a corte, ou mesmo um juiz nacional, esteja a decidir um caso em que se analisa a proteção de um direito em âmbito nacional e se dá de modo mais eficiente que aquele derivado de algum sistema internacional de proteção de direitos humanos, ela deve se abster de declarar inconvencional o ato nacional em análise.

    Esse paradigma se constrói por sobre a perspectiva de que é a pessoa humana, e não o Estado-parte, quem suporta como fundamento e para onde confluem como destinatários os objetivos de tutela do direito internacional dos direitos humanos[8] e, nesse sentido, sendo a tutela das liberdades dos indivíduos o fim último de qualquer sistema jurídico. Importa mais o como se protege, a intensidade da proteção, do que o locus ou a fonte de onde deriva a proteção. O princípio pro homine exige que se interpretem os direitos humanos de modo mais extensivo, quando a se falar em proteção, participação ou provisão, e, de outro lado, de modo mais restritivo, quando se trate de eventuais restrições a direitos.

    Esse posicionamento, como se vê, respeita a perspectiva de que inexiste relação vertical entre tribunais internacionais ou órgãos quase judiciais e os tribunais nacionais, pois parte do pressuposto de que não existe supremacia hierárquica automática das decisões tomadas em detrimento daquelas nacionais[9]. Trata-se também de um modo outro de se rotular a questão da limitação ou alteração da soberania do Estado, pois não há que se falar em soberania quando o centro do sistema protetivo está no indivíduo e não no próprio Estado. Não há soberania bastante para proteger com déficit os direitos fundamentais ou humanos da pessoa humana.

    “[l]a Convención Americana, además de otros tratados de derechos humanos, buscan, a contrario sensu, tener en el derecho interno de los Estados Parte el efecto de perfeccionarlo, para maximizar la protección de los derechos consagrados, acarreando, en este propósito, siempre que necesario, la revisión o revocación de leyes nacionales [...] que no se conformen con sus estándares de protección.”[10]

    A prudência entre os atores envolvidos e a abertura a um diálogo constante são os meios de resolução do relacionamento que, em alguns momentos, pode se tornar conflitivo. Voltaremos ao tema nas próximas semanas.

    Luiz Guilherme Arcaro Conci é professor da Faculdade de Direito da PUC-SP, onde coordena o curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Constitucional. Professor Titular de Ciência Política e Teoria do Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – Autarquia Municipal. Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP, com estágio pós-doutoral na Universidade Complutense de Madri (2013-2014). Foi Presidente da Coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2013-2015). Tem participado de cursos, publicações, pesquisas e eventos acadêmicos na América Latina e na Europa discutindo temas ligados aos direitos humanos no espaço latino-americano. É Advogado e Consultor Jurídico.
    Konstantin Gerber é advogado Consultor em São Paulo, mestre e doutorando em filosofia do direito pela PUC-SP, onde integra o grupo de pesquisas em direitos fundamentais. É professor convidado do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP.
    [1] Nossa tradução. CIDH, Caso Trabajadores cesados del Congreso (Aguado Alafaro y otros) vs. Peru, sentencia de excepciones preliminares, fondo, reparaciones y costas, 24 de noviembre de 2006, serie C, n. 158, voto razonado del juez Sergio Garcia Ramirez, párr. 11 cf. BAZAN, Victor. El control de convencionalidad: incógnitas, desafíos y perspectivas. Justicia Constitucional y Derechos Fundamentales. Fundacion Konrad Adenauer: 2012, p. 19, disponível em: http://www.kas.de/wf/doc/kas_31900-1522-4-30.pdf?121217152040 [2] Decreto 4.463 de 08 de novembro de 2002. [3] TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. I. Porto Alegre: SAFE, 2.003, PP. 551-552. [4] PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenêutica y pautas para La regulación de lós derechos humanos. In: La aplicación de lós tratados de derechos humanos por lós tribunales locales: Buenos Aires: Ediar, Centro de Estudios Legales y Sociales- Editorial del Puerto, 1997, p. 163: “El principio pro homine es un criterio hermenéutico que informa todo el derecho de los derechos humanos, en virtud del cual se debe acudir a la norma más amplia, o a la interpretación más extensiva, cuando se trata de reconocer derechos protegidos e, inversamente, a la norma o a la interpretación más restringida cuando “se trata de establecer restricciones permanentes al ejercicio de los derechos o su suspensión extraordinaria”. [5] TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. Vol. II. Porto Alegre: SAFE, 1999, p. 435. [6]Corte Interamericana de Direitos Humanos. La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13 y 29 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos), Opinión Consultiva OC/5, 13 de noviembre de 1985, par.52: “En consecuencia, si a una misma situación son aplicables la Convención Americana y otro tratado internacional, debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana. Si la propia Convención establece que sus regulaciones no tienen efecto restrictivo sobre otros instrumentos internacionales, menos aún podrán traerse restricciones presentes en esos otros instrumentos, pero no en la Convención, para limitar el ejercicio de los derechos y libertades que ésta reconoce”. [7] “Artigo 29 - Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados;c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. [8] A Corte IDH desde há muito assim decidiu em Corte Interamericana de Derechos Humanos. Opinión Consultiva OC-1/82 del 24 de setiembre de 1982: "los tratados modernos sobre derechos humanos, en general, y, en particular, la Convención Americana, no son tratados multilaterales del tipo tradicional, concluidos en función de un intercambio recíproco de derechos, para el beneficio mutuo de los Estados contratantes. Su objeto y fin son la protección de los derechos fundamentales de los seres humanos, independientemente de su nacionalidad, tanto frente a su propio Estado, como frente a los otros contratantes. Al aprobar estos tratados sobre derechos humanos, los Estados se someten a un orden legal dentro del cual ellos, por el bien común asumen varias obligaciones, no en relación con otros Estados, sino hacia los individuos bajo su jurisdicción". Também apontando essa mudança de perspectiva, MacGregor, Eduardo. el control difuso de convencionalidad en el estado constitucional, p.159, disponível em http://biblio.juridicas.unam.mx/libros/6/2873/9.pdf. [9] Tal qual decidido pelo Tribunal Constitucional do Peru no caso EXP. N2730-2006-PA/CT — 21 de julho de 2006 - Caso De Arturo Castillo Chirinos: “15. Lo expuesto, desde luego, no alude a una relación de jerarquización formalizada entre los tribunales internaciones de derechos humanos y los tribunales internos, sino a una relación de cooperación en la interpretación pro homine de los derechos fundamentales. No puede olvidarse que el artículo 29.b de la Convención proscribe a todo tribunal, incluyendo a la propia Corte, “limitar el goce y ejercicio de cualquier derecho o libertad que pueda estar reconocido de acuerdo con las leyes de cualquiera de los Estados partes o de acuerdo con otra convención en que sea par te uno de dichos Estados. Ello significa, por ejemplo, que los derechos reconocidos en el ordenamiento inter no y la interpretación optimizadora que de ellos realice la jurisprudencia de este Tribunal, también es observada por la Corte”. [10] Corte IDH: Caso “La Última Tentación de Cristo” (Olmedo Bustos y otros) vs. Chile. Fondo, Reparaciones y Costas. Sentencia de 5 de febrero de 2001. Serie C No. 73. Voto concurrente del juez A. A. Cançado Trindade, par.14.
    • Sobre o autorMentes inquietas pensam Direito.
    • Publicações6576
    • Seguidores941
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações132
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/autoridades-publicas-tem-o-dever-de-realizar-controle-de-convencionalidade/303303022

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)