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16 de Junho de 2024
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    Banco Central sob sítio

    A incerteza com o grau de autonomia do Banco Central (BC) no próximo governo pode prejudicar o controle inflacionário e o crescimento econômico.

    Os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre mostraram que o Brasil está crescendo de forma pujante. Na corrida dos PIBs, o Brasil esteve em segundo lugar, só atrás da China. Em corridas automobilísticas, é frequente advertir com bandeiras de cores variadas os corredores que cometem infrações. Se isso também ocorresse na hipotética corrida dos PIBs, o Brasil, apesar da excelente colocação, deveria receber a bandeira de advertência por frear e acelerar simultaneamente. Enquanto a política fiscal aumenta a demanda, o breque monetário mantém a inflação sob controle.

    A esquizofrenia da política econômica brasileira não é recente. No período pós-hiperinflação, foram raros os momentos em que a política fiscal deteve, temporariamente, sua expansão, sempre em situações de crise. Em 2008, a crise internacional pegou o Brasil em situação bem distinta das anteriores, permitindo à política econômica atuar, pela primeira vez, de forma anticíclica, atenuando o impacto da crise e permitindo que a recuperação ocorresse muito rapidamente.

    Infelizmente, o pretexto de combate à crise foi usado para aumentar significativamente os gastos públicos correntes, que expandirão a demanda e prejudicarão as contas públicas por décadas, provavelmente sem lograr obter os ganhos de eficiência tão necessários. A pressão dos setores beneficiados também retardou a retirada dos incentivos fiscais para além do que seria ideal do ponto de vista da gerência da demanda agregada. Frente a inequívocas evidências de aumento da inflação, o BC começou, no final de abril, o ciclo de aperto monetário que prosseguiu na quarta-feira passada com o aumento da taxa Selic para 10,25%. Mais uma vez, a incoerência entre as políticas fiscal e monetária marca nossa política econômica.

    Ainda que os resultados recentes do PIB sejam encorajadores, a aritmética ensina não ser possível a tal estado de coisas perdurar indefinidamente. Com taxas de juros reais elevadas como as nossas, déficits fiscais substanciais levarão, ao fim e ao cabo, à explosão da dívida pública. Se mantido o status quo, os déficits deverão crescer. No longo prazo, a principal ameaça fiscal vem da previdência. Apesar disso, as modificações que estão sendo debatidas vão no sentido oposto, como a recente aprovação no Congresso do fim do fator previdenciário. Dado que não existe crise batendo à porta, não há o senso de urgência necessário para se aprovar reformas impopulares. A solvência do setor público brasileiro em longo prazo é um problema a ser encarado de frente por algum presidente, sob pena de retornarmos ao ciclo de crises com baixo crescimento que nos afligiu até 2002 e que hoje assola a Grécia e outras economias periféricas da Europa.

    Mas, no curto prazo, também há ameaças à economia. Para 2010, o Secretário do Tesouro (OESP, 6/6/2010) garantiu que será cumprida a meta de 3,3% para o superávit primário (sem despesas de juros). O forte aumento da arrecadação, na esteira do enorme crescimento da economia, pode, de fato, garantir o cumprimento da meta deste ano. Porém, quando a economia voltar a crescer em ritmo de cruzeiro, o peso do aumento dos gastos ficará patente.

    Dada a enorme expansão fiscal recente, é provável que o próximo presidente, independentemente de quem seja, vá realizar algum aperto fiscal. Isso certamente gerará grande descontentamento nos Ministérios, suscitando busca por formas alternativas de se promover os cortes de despesa. Olhando-se o orçamento federal, a grande despesa que parece dispensável é de juros. Assim, recrudescerão as pressões sobre o ?culpado? dessa enorme despesa, pretensamente, o BC.

    Inicialmente, cortes artificiais de juros gerariam só notícias boas: a demanda agregada cresceria mais e cairia a despesa de juros com a rolagem da dívida pública, abrindo espaço no orçamento público para todo tipo de bondade. O problema é que logo viria a inflação. E a inflação é como creme dental, muito fácil de sair do tubo, mas extremamente difícil de ser colocado de volta. O custo de reduzir a inflação, em termos de menor crescimento econômico e menos empregos, é muito maior do que o de evitá-la. Por isso os bancos centrais agem preventivamente. No dizer de Affonso Pastore, bancos centrais atuam como caçadores de fantasmas. Se forem bem sucedidos, serão sempre passíveis da crítica de que ?viram fantasmas?, isto é, ameaças inflacionárias inexistentes, posto que a inflação, quando devidamente combatida, tende a oscilar em torno da meta.

    As queixas quanto aos juros escorchantes praticados na economia brasileira são válidas. O que não é correto é atribuir ao BC a culpa por eles. Dado que corrigir a tendência expansionista da política fiscal é muito difícil, há uma tendência natural a tomar o caminho mais fácil, o de criticar o BC. Sem contar que há, no Brasil, um numeroso contingente de economistas que acredita no equivocado conceito de que o investimento cria, sempre, a poupança necessária ao seu financiamento. Assim, é muito provável que as pressões sobre o BC sejam muito maiores a partir de 2011.

    Isso é particularmente preocupante, porque a autonomia do BC tem dependido, exclusivamente, do apoio do presidente da República. Caso se forme a percepção de que tal arranjo institucional, bem sucedido desde o Plano Real, possa vir a ser quebrado, ficando o controle da inflação sujeito a pressões políticas, então as expectativas de inflação aumentarão. Se tal cenário adverso vier a ocorrer, será muito ruim, pois, além do aumento da inflação, aumentarão as taxas de juros de médio e longo prazos, afetando negativamente o crescimento.

    Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, escreve mensalmente às sextas-feiras

    Fonte: Valor Econômico

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/banco-central-sob-sitio/2231439

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