Cármem Lúcia e seus comentários óbvios, de palavras vazias
No último domingo, dia 08 de julho de 2018, a comunidade jurídica mundial assistiu atônita a um dos espetáculos mais bizarros do “lawfare” no Brasil contemporâneo, devidamente coberto pelo discurso monotemático, anti-analítico, plano e acrítico das mídias hegemônicas. Tratou-se da evidência basilar em mais um capítulo de uma perseguição judicial a um preso político.
Em meio a uma fratura institucional decorrente da ingerência indevida de julgadores no exercício do devido processo legal, a Excelentíssima Senhora Presidenta do STF emitiu uma nota curta, genérica, abstrata, metafísica, e de difícil compreensão sem recurso aos instrumentos de interpretação ficcional e literária – único universo ao qual o texto parece ainda fazer algum sentido precário.
Foi a nota: “A Justiça é impessoal, sendo garantida a todos os brasileiros a segurança jurídica, direito de todos. O Poder Judiciário tem ritos e recursos próprios, que devem ser respeitados. A democracia brasileira é segura e os órgãos judiciários competentes de cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com rapidez e sem quebra da hierarquia, mas com rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes“[i].
É, a toda evidência, uma nota que não problematiza a realidade, não distingue os planos deontológico e ontológico, e ainda pretende convencer uma neutralidade inviável e impossível ante a aparência de assepsia das palavras empregadas.
Além de ser difícil identificar, quem, afinal, seria o destinatário de tal mensagem (o jurista exaurido? O cidadão estupefato?), sequer é possível acusar a intenção da autora, tamanha a generalidade e obviedade da declaração, por um lado, e o seu descolamento da situação a que poderia fazer referência, por outro. De modo algum, assim, se tentaria uma interpretação teleológica do documento, embora se possa deduzir sua pretensa e óbvia ilusão conciliadora.
Obviamente, na nota não se informam nomes, nem sequer menção a situações específicas, mas o contexto dá conta de esclarecer o sentido opaco, não dado pela autora. A mesma discrição que impede a intervenção em cenários de flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade não parece impedir jantares com empresários e contatos com outros grupos de interesse.
Como o texto contém uma série de afirmações peremptórias que, confrontadas com o cenário fático a que se referem, assumem uma dimensão tragicômica e da quintessência da obscuridade e da falta do gosto pelo Direito, poderiam ser feitos alguns questionamentos – que, obviamente, nunca adviriam de um jornalista dos grandes meios, todos voltados ao clima festivo e descontraído de contato.
A população brasileira está flagrante e violentamente sendo violada em seus direitos fundamentais: seja o direito fundamental à informação; seja o direito fundamental à democracia, em especial, por meio de um Poder Judiciário imparcial e subordinado à legalidade e à constitucionalidade em suas decisões; seja o direito ao voto livre e desimpedido.
Estando mais do que claros o grau de descompromisso democrático, republicano e garantista de diversos agentes, resta ao cidadão preservar um dos seus bens jurídicos mais periclitados na situação: a liberdade de consciência, e a determinação de sua conduta a partir desta visão de mundo.
Que saibamos nos proteger das palavras vazias, da retórica arcaica e dos discursos (pouco) literários das autoridades que se olvidaram do seu mais caro objeto confiado pela Constituição!
Eliseu Raphael Venturi é doutorando e mestre em direitos humanos e democracia pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal no Paraná. Editor executivo da Revista da Faculdade de Direito UFPR e Membro do Comitê de Ética na Pesquisa com Seres Humanos da UFPR. Advogado.
[i]Disponível em:
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